A favor das cotas raciais
Por que ser a favor das cotas raciais no Brasil
Lucas Bacelette
A última vez em que discuti o assunto das cotas raciais foi há pouco mais de um mês. Almoçava com outros 10 jovens brasileiros que, como eu, estão na Itália fazendo um intercâmbio universitário de graduação. Quase todos, também como eu, vindos de universidades públicas. Porém, ao contrário de mim, todos brancos.
Assustei-me ao perceber que minha posição favorável às cotas raciais era minoritária naquele grupo - somente eu e um outro colega éramos a favor da política.
Os outros, por sua vez,afirmavam que o único problema do acesso à educação em nosso país seria a desigualdade econômica, não o racismo, e que as políticas de inclusão social seriam suficientes para sanar a questão. Afirmavam que qualquer iniciativa voltada à inclusão racial acabaria por criar um “racismo ao contrário”, “favorecendo” os estudantes negros em detrimento dos estudantes brancos que também tenham passado por escolas públicas.
Eu tentei explicar meu ponto de vista de inúmeras formas. A contradição, para mim, era clara, e se refletia mesmo ali, na mesa em que almoçávamos: dentre 11 intercambistas brasileiros, apenas 1 era negro (no caso, eu).
Nenhuma das minhas argumentações surtiu efeito, mas fiquei feliz de, ao menos, ter colocado o assunto em discussão.
Poucos dias após aquele almoço, mais especificamente há três semanas, a Folha de São Paulo publicou uma matéria na qual informa dados estarrecedores acerca da presença de negros nos cursos de graduação daquela que é considerada a melhor universidade do Brasil: a USP.
Os dados são os seguintes: num universo de 774 alunos matriculados nos dez cursos mais concorridos, apenas 4 são negros. Ou seja, 0,5% dos alunos, num país em que negros e pardos representam 50,7% da população, segundo os dados oficiais.
Como esclarecido pelo jornal:
“A USP hoje dá bônus no vestibular para estudantes de escolas públicas, mas não existe um benefício específico para pretos, pardos ou indígenas. Uma ampliação da política está em estudo”.
Tais números demonstram empiricamente o que tentei, sem sucesso, explicar aos meus colegas de intercâmbio: as políticas de inclusão de alunos egressos de escolas públicas não são suficientes para que as minorias étnicas superem as dificuldades que lhes obstaculizam o acesso ao ensino superior.
O que sempre tento explicar a quem me pergunta por que sou a favor das cotas raciais é que os negros vindos de escola pública estão em posição ainda mais prejudicada que os brancos que estudaram na mesmíssima escola. E isso por uma questão muito complexa de desvantagem histórico-social, que tem suas origens lá na escravidão (ainda muito recente no nosso país), num processo de estigmatização social fortíssimo (ande numa rua deserta à noite e dê de cara com um branco ou com um negro; não, sua reação não é a mesma, nem a minha), em toda uma construção arquetípica (na TV, toda uma geração cresceu vendo na novela que o negro ou era escravo, ou empregado, ou no mínimo pobre - e deviam ter uns 5 atores que se revezavam nesses papeis) e em posições sociais pré-definidas (quantos médicos, advogados e engenheiros negros você conhece?).
Tudo isso tem uma repercussão inimaginável na auto-imagem, na auto-estima e na visão de mundo dos negros em geral, com reflexo em todos os aspectos de suas vidas.
Eu tive a sorte de nascer numa família de classe-média e de ter pais bem instruídos, que me proporcionaram a melhor educação possível e um aporte psicológico muito forte para lidar com todas essas questões.
Não, eu não me sinto inferior a nenhum branco.
Mas sei que sou a exceção da exceção da exceção.
O que foi apurado pela Folha de São Paulo demonstra como tudo isso que eu acabei de expor não é “viagem” ou “exagero” da minha parte: QUATRO negros, num universo de SETECENTOS E SETENTA E QUATRO matriculados nos dez cursos mais concorridos. Contra fatos não há argumentos: as cotas raciais são, sim, necessárias.
Harvard - Cotas e justiça racial: de que lado você está? Por Luís Roberto Barroso
Cotas para negros
Apoie e Assine a proposta de COTAS RACIAIS nas Universidades Públicas de SP
Nos últimos meses o movimento negro e os movimentos sociais, organizados na FRENTE DE LUTAS PRÓ COTAS RACIAIS DE SP se dedicaram a uma ofensiva para exigir a aplicação desta política nas Universidades Públicas Paulistas.
Na contramão do anseio popular, o governador Alckmin, em conjunto com as reitorias de USP, Unesp e Unicamp apresentaram o PIMESP-Programa de Inclusão por Mérito, que nem de longe atende as reivindicações históricas de democratização do acesso.Imediatamente reagimos.
Formulamos o Manifesto a Favor das Cotas e contrário ao Pimesp. Provocamos as forças populares na Alesp e sobretudo, promovemos um amplo debate no seio das universidades e da sociedade como um todo.
Como fruto desse processo, em comum acordo com o grupo de parlamentares favoráveis às Cotas, estabelecemos um Grupo de Trabalho composto por representantes da sociedade civil, cuja tarefa seria a elaboração de um novo texto que servisse de substitutivo ao PL de Cotas 530/04.
Após 2 meses de trabalho, encerramos essa etapa e apresentamos à sociedade civil organizada a proposta de PL de Cotas elaborada e, a partir da agora, defendida pelos Movimentos.
A apresentação do texto aos parlamentares da ALESP está pré-agendada para dia 4 ou 5 de junho (a confirmar).
Até lá pedimos a adesão das diversas organizações, movimentos, ong's, sindicatos, partidos, igrejas, grupos e associações, bem como assinaturas individuais de lideranças sociais e politicas, religiosos, intelectuais, artistas, esportistas, etc.
A presente proposta, que seguirá à ALESP para os trâmites normais, será também objeto de uma ampla campanha estadual de PL de Iniciativa Popular que visará agregar 300 mil assinaturas, maneira pela qual será feita a pressão popular para que a ALESP aprove as Cotas.
AS ADESÕES E APOIO devem ser direcionadas ao e-mail: frenteprocotassp@gmail.com
Abaixo segue o PROJETO DE LEI DE COTAS e sua respectiva JUSTIFICATIVA para seu estudo e adesão.
Muito axé para nossas lutas! Venceremos!
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PROJETO DE LEI
Institui o sistema de cotas para negros, índios, alunos oriundos da rede pública de ensino e pessoas com deficiência para ingresso nas universidades públicas e demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO DECRETA:
Artigo 1º- Fica instituído, por 10 (dez) anos, o sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas e demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo, adotado com a finalidade de promover a igualdade substancial, a diversidade étnico-racial e a democratização do acesso ao ensino superior.
Artigo 2º- Pelo sistema de cotas serão reservadas vagas nos processos seletivos das instituições públicas de ensino superior do Estado de São Paulo com a finalidade de assegurar seleção e classificação final nos processos de ingresso na graduação aos estudantes pertencentes aos seguintes grupos sociais:
I – negros e indígenas;
II – alunos oriundos da rede pública de ensino;
III – pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor;
§ 1º O sistema de cotas instituído por esta Lei deverá ser prorrogado sucessivamente pelo mesmo prazo caso, ao final de 10 anos, seja objetivamente constatado, por comissão constituída com a participação das organizações e dos movimentos sociais que representem os interesses dos grupos mencionados neste artigo, que as desigualdades étnico-raciais, econômicas e de acessibilidade que ensejaram a sua criação ainda persistem.
§2º A fim de cumprir o critério objetivo mencionado no parágrafo anterior, o sistema de cotas será prorrogado caso os dados dos institutos oficiais de pesquisa apontem que o percentual de estudantes das universidades públicas e das demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo oriundos dos grupos sociais mencionados no artigo 2º, na graduação e na pós graduação, é inferior à participação destes mesmos grupos no conjunto da população do Estado de São Paulo, considerando-se cada um dos cursos oferecidos.
§ 3º Para os fins desta Lei, considera-se aluno oriundo da rede pública de ensino aquele que tenha cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas situadas no território nacional.
§ 4º A condição de negro ou indígena, para os fins desta Lei, será afirmada por autodeclaração do candidato, que se responsabilizará juridicamente pelas informações prestadas.
Artigo 3º- As vagas reservadas para ingresso, na graduação nas universidades públicas estaduais e demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo obedecerão, respectivamente, os seguintes percentuais:
I – 25% (vinte e cinco por cento) para candidatos autodeclarados negros e indígenas;
II – 25% (vinte e cinco por cento) para candidatos oriundos da rede pública de ensino, sendo que deste percentual, 12,5% será reservado para estudantes cuja renda familiar per capta seja igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio);
III – 5% (cinco por cento) para candidatos com deficiência, nos termos da legislação em vigor.
§ 1º. Para fins da reserva de vaga indicada no inciso I deste artigo, considera-se negro, o candidato preto ou pardo, nos termos da classificação utilizada pelo IBGE.
§ 2º A opção pelo sistema de cotas deverá ser manifestada no ato da inscrição do processo seletivo, quando o candidato deverá indicar a qual dos grupos relacionados nos incisos I a III do art. 2º pertence.
§3º O candidato que opte pelo sistema de cotas poderá concorrer em mais de um critério de grupos, desde que se declare pertencente a mais de um dos grupos relacionados nos incisos I a III do art. 2º desta lei.
§4º - Na hipótese do §3º, a avaliação do candidato será feita de forma concomitante em todos os grupos a que concorrer e, caso seja aprovado em mais de um grupo, será chamado obrigatoriamente para se matricular na vaga a que corresponde a maior nota exigida.
§5º - Para fins do previsto no §4º, as demais vagas não preenchidas pelo candidato permanecerão disponíveis para a concorrência, devendo ser preenchidas respeitando-se o grupo a que corresponde e a ordem de colocação dos candidatos.
§6º - Os editais dos processos de seleção das universidades públicas estaduais e demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo deverão conter os critérios específicos para o acesso pelo sistema de cotas, sendo que os candidatos inscritos no sistema de cotas concorrerão entre si com base exclusivamente na medida de desempenho do grupo social.
Artigo 4º- As universidades públicas estaduais, no exercício de sua autonomia, assim como as demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo, adotarão os procedimentos necessários para a gestão do sistema de cotas, observadas as seguintes regras:
I – o sistema de cotas abrangerá todos os cursos oferecidos pelas instituições públicas de ensino superior do Estado de São Paulo e em todos os turnos, sendo vedadas quaisquer restrições.
II – as instituições públicas de ensino superior do Estado de São Paulo garantirão a unidade do processo seletivo em cada um dos vestibulares, em especial no que concerne aos conteúdos e métodos de avaliação;
III – em caso de não preenchimento de vagas reservadas a um dos grupos beneficiários, estas serão, prioritariamente, ocupadas por candidatos classificados e que pertençam aos demais grupos mencionados no art. 2º de acordo com a ordem geral de classificação no processo seletivo;
IV – as vagas que permanecerem ociosas depois de esgotados os critérios do inciso anterior serão preenchidas pelos candidatos não optantes pelo sistema de cotas.
Artigo 5º- Dois anos antes do fim do prazo estabelecido no “caput” do artigo 1º, o Poder Executivo instituirá comissão específica para avaliar os resultados dos programas de cotas, formada por representantes das instituições públicas de ensino superior do Estado de São Paulo, membros do Poder Legislativo e de organizações representativas dos interesses dos grupos sociais mencionados no artigo 2º desta Lei, e que tenham atuação no Estado de São Paulo.
Artigo 6º- O Relatório da avaliação do programa de cotas a que se refere o artigo anterior deverá ser encaminhado à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em até seis meses antes do fim do prazo a que se refere o “caput” do artigo 1º desta Lei e publicado nas páginas eletrônicas do Governo do Estado de São Paulo, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e das instituições públicas de ensino superior.
Artigo 7º- Para fins de prorrogação do sistema de cotas nas universidades públicas estaduais e nas demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo serão levados em conta os resultados dos relatórios de avaliação, as manifestações em audiência pública, bem como os dados e informações dos institutos de pesquisa oficiais referentes à evolução da situação sócio-econômica dos grupos citados no artigo 2º no âmbito do Estado de São Paulo.
Parágrafo único. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo realizará audiências públicas prévias à sessão que deliberar sobre a prorrogação do sistema de cotas.
Artigo. 8º - Caso a prorrogação do sistema de cotas não seja apreciada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo até o término do prazo previsto no “caput” do artigo 1º desta Lei, o prazo de vigência será automaticamente renovado pelo período de 10 (dez) anos.
Artigo 9º- As universidades públicas estaduais e as demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo criarão comissões permanentes multidisciplinares de acompanhamento e avaliação dos resultados dos respectivos programas de cotas, constituídas de forma paritária por representantes da administração das instituições públicas de ensino superior, do corpo docente, do corpo discente e das organizações e movimentos sociais que representem os interesses dos grupos mencionados no art. 1º. desta Lei, e que terão como atribuições:
I - instituir medidas que facilitem a integração acadêmica dos estudantes beneficiados pelos programas de cotas;
II - instituir programas que assegurem a manutenção dos estudantes beneficiados na instituição pública de ensino superior com igualdade de condições;
III – instituir políticas e programas de ampla divulgação e incentivo à participação de candidatos nos processos seletivos para ingresso nos programas de cotas previstos nesta lei;
IV - propor medidas que assegurem e incentivem a inclusão social dos estudantes beneficiados e seu ingresso no mercado de trabalho;
V – instituir políticas e programas de incentivo à pesquisa, na graduação e pós-graduação, sobre temas que contribuam para superação das desigualdades étnico-raciais, econômicas e de acessibilidade dos grupos indicados no art. 2º, incisos I a III, desta lei.
VI - produzir relatórios voltados ao aperfeiçoamento do programa de cotas.
VII – deliberar sobre a aplicação de medidas administrativas em caso de atos contrários à aplicação desta lei, em especial referente à veracidade das informações prestadas pelos candidatos nos termos do par. 3º. do art. 2º.
Artigo 10 – As instituições públicas de ensino superior do estado de S. Paulo devem assegurar aos cotistas as condições materiais necessárias à sua permanência na universidade em termos de habitação, alimentação, transporte e outros.
Par. Único – A definição sobre as medidas a serem adotadas pelas instituições públicas de ensino superior será das respectivas Comissões Permanentes de Ações Afirmativas.
Artigo 11- As universidade públicas e as demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo terão 01 (hum) ano, a contar da data da publicação desta Lei, para implantar as medidas necessárias ao início do programa de cotas.
Artigo 12- Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
APOIAM O TEXTO: (ABERTO A ADESÕES – enviar para frenteprocotassp@gmail.com )
AÇÃO EDUCATIVA
AGENTES DE PASTORAL NEGROS DO BRASIL (APNs)
ARTICULAÇÃO DE JUVENTUDES NEGRAS
CÍRCULO PALMARINO
CNAB – Congresso Nacional Afro-brasileiro
CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras
DCE LIVRE DA USP
FRENTE PRÓ COTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
FRENTE PRÓ COTAS DA USP
GAVIÕES DA FIEL TORCIDA
GELEDÉS INSTITUTO DA MULHER NEGRA
INSTITUTO LUIS GAMA
INSTITUTO SOCIAL SEM BARREIRAS – PNE’s
LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE
MNU – Movimento Negro Unificado
MST
NCN - NÚCLEO DE CONSCIÊNCIA NEGRA NA USP
PARATODOS
REDE EMANCIPA
ROMPENDO AMARRAS
UNEAFRO-BRASIL
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JUSTIFICATIVA AO PROJETO DE LEI
Institui o sistema de cotas para negros, índios, alunos oriundos da rede pública de ensino e pessoas com deficiência para ingresso nas universidades públicas e demais instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo
À ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO:
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
Algo que o olhar sobre o cotidiano já demonstrava ao mais simples dos observadores foi, muito recentemente, reconhecido pela mais alta instância do judiciário: a sociedade brasileira ainda padece com a vergonhosa chaga do racismo1. Tal reconhecimento que, na prática, significou uma inédita tomada de posição do Estado brasileiro sobre a questão, deu-se no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186) em que se discutiu a constitucionalidade do sistema de reserva de vagas – conhecidas como cotas - para candidatos negros e indígenas nas instituições públicas de ensino superior.
1 O racismo é uma ideologia que hierarquiza os grupos humanos, afirma a superioridade de uns sobre os outros, organiza desigualmente a sociedade em grupos étnico-raciais que são considerados superiores ou inferiores.
Em decisão unânime proferida no dia 09 de maio de 2012, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da utilização de critérios étnico-raciais para o acesso à universidade sob a justificativa de que se trata de uma modalidade válida de ação afirmativa, ou seja, uma política pública cujo objetivo é dirimir as desigualdades que estruturam as relações sociais no Brasil. Segundo o STF, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal), demanda uma postura ativa do Estado brasileiro, que, por isso, tem o dever de realizar ações para promover a igualdade. Assim, a profunda desigualdade social e econômica no Brasil não apenas justifica, mas determina a adoção de medidas positivamente discriminatórias, ou seja, que diferenciam para igualar. Como destacou o Ministro Enrique Ricardo Lewandowski em seu vitorioso voto:
Ora, tal como os constituintes de 1988 qualificaram de inafiançável o crime de racismo, com o escopo de impedir a discriminação negativa de determinados grupos de pessoas, partindo do conceito de raça, não como fato biológico, mas enquanto categoria histórico-social, assim também é possível empregar essa mesma lógica para autorizar a utilização, pelo Estado, da discriminação positiva com vistas a estimular a inclusão social de grupos tradicionalmente excluídos.
A restrição de acesso ao ensino público superior é uma das mais evidentes marcas de nossa desigualdade. De acordo com o ultimo Censo/IBGE (2010), São Paulo é o Estado com a maior população negra do Brasil. Tal pujança numérica não corresponde ao que se vê nas universidades bandeirantes: em 2013 os negros correspondem a 13,7% dos estudantes que ingressam na prestigiosa Universidade de São Paulo, a despeito de representarem 35% da população de São Paulo. Se avaliarmos os três cursos mais concorridos da instituição no vestibular 2013, sendo estes medicina, engenharia civil e publicidade e propaganda, nenhum deles tiveram ingressantes pretos, e apenas 9,5% dos matriculados se declararam pardos.
A respeito disso, o Jornal da USP editado em 2003 já trazia importante matéria:
Os dados do recenseamento demonstram que existe um déficit de alunos negros na USP. Enquanto os negros correspondem a 34,30% da população do Estado de São Paulo, no universo da graduação da Universidade eles representam somente 9,34% dos alunos. Lembrando que, para efeito de políticas públicas, considera-se afrodescendente aquele que opta pelas alternativas de cor parda ou preta, no caso do censo, respectivamente, são 8,30% e 1,34% dos estudantes.
Em comparação com universidades de outros Estados, das quais os pesquisadores possuem dados, o percentual de negros da USP é o menor de todos. Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, os alunos negros correspondem a 32,30% dos quadros de graduação, sendo que 52,40% da população do Distrito Federal é negra. Na Universidade Federal do Paraná, os estudantes negros são 8,60%, enquanto que negros representam 23% da população estadual.
O percentual de negros na USP diminui ainda mais quando se considera que a pergunta “Qual a sua cor?” foi feita de forma aberta durante as entrevistas da pesquisa amostral. Apenas 4,50% dos entrevistados se
definiram como negros. “É um número muito importante, pois reflete os que realmente têm uma identidade racial e reivindicam o nome ‘negro’. Melhor, aqueles que conseguiram superar as adversidades da pobreza e do vestibular, conquistando um espaço na universidade pública”, comenta Guimarães.
Além da distribuição de cor dos alunos de graduação da USP como um todo, o censo analisou, através da pesquisa amostral, a distribuição de estudantes pelas três áreas de conhecimento. Nas Biológicas, área com menor número de negros, 77,60% dos alunos são brancos, 5,90%, pardos, 0,30%, negros, 13,60%, amarelos e 0,60%, indígenas. Já nas Exatas, 73,70% dos estudantes têm a cor branca, 6,20%, parda, 1%, negra, 17,20%, amarela e 0,50%, indígenas.
A área de Humanas tem a maior concentração de negros: são 7,80% de pardos e 1,80% de negros. Os brancos representam 78,30% das humanidades, os amarelos, 10,10% e os indígenas, 0,40%. Segundo Guimarães, o levantamento mostra que existe uma questão de identidade social entre a cor do indivíduo e a área de conhecimento. “Fica nítido que muitas vezes a escolha do curso é feita também em razão do grau de dificuldade de acesso através do vestibular”, explica. “O problema extravasa a questão da competitividade, pois não basta entrar, é preciso ficar na Universidade. Na área de Humanas está a maior parte dos cursos noturnos, o que facilita a vida dos alunos que precisam trabalhar para viver e têm dificuldades em frequentar regularmente as aulas. Esses cursos também permitem aos estudantes esticarem sua formação”, complementa Borges.
A política de ações afirmativas, adotada há dez anos no Brasil, tendo como pioneira a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em 2003, vem demonstrando um impacto importante na vida de jovens negros, no que tange o acesso à universidade. De acordo com dados do Censo (IBGE, 2010), os negros compõem pouco mais que 51% da população brasileira, e representam apenas 24% da população com título de nível superior. No entanto, de 2000 a 2010, a mesma pesquisa aponta que triplicaram o número de jovens negros cursando graduação.
No caso das instituições de ensino superior estaduais, de acordo com o Censo Nacional da Educação Superior (2010), 17 das 122 com status de faculdade tinham reservas de vagas, nenhum dos 549 centros universitários haviam adotado reserva, e 24 das 37 universidades tinham algum tipo de reserva, sendo que dentre as 13 que não possuíam, incluem-se as 3 estaduais paulistas, consideradas universidades de peso em rankings mundiais (LAESER, 2012).
Estes dados nos demonstram o quanto o estado de São Paulo encontra-se atrasado neste debate. De acordo com pesquisa realizada pelo IBOPE (2013) a pedido do governo estadual, no estado de São Paulo 62% da população se posiciona a favor das cotas com critérios racial, econômico e de origem escolar. Isso significa que a luta dos movimentos sociais negros e aliados têm repercutido positivamente e possibilitado que a população possa refletir sobre as desigualdades existentes em nossa sociedade.
São Paulo, centro financeiro e sede das duas maiores universidades do País, não pode permanecer refém de uma cultura em que a grande maioria de sua juventude fica alijada do acesso ao que de melhor se oferece em termos educacionais, por motivos de ordem econômica e/ou étnico-racial. E o reconhecimento, pelo STF, da compatibilidade da política de cotas raciais com o texto constitucional, só reforça o dever da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em contribuir para a realização da justiça social no País.
Autonomia Universitária
O presente projeto se amolda com perfeição à autonomia das universidades, garantida pela Constituição. Por óbvio, as universidades – públicas ou privadas - são espaços de construção de saber, de formação de cidadãos. Essa é a razão que faz com que as universidades devam contribuir para a concretização dos ideais inscritos na Constituição Federal e que se renovam na Constituição do Estado de São Paulo. As universidades devem funcionar e se estruturar a partir de princípios como os da dignidade humana, da liberdade, da solidariedade e da igualdade.
Por certo, não há autonomia universitária quando se trata dos deveres a que devem aderir os atores da cena democrática, cujo script é o texto constitucional. Não é dado às universidades decidirem sobre o oferecimento de ensino, pesquisa e extensão. Isso seria decidir o quê fazer. Mas, no exercício de sua autonomia, a universidade pode e
deve decidir tão somente o como fazer, de acordo com as peculiaridades do meio em que está inserida. Decidir sobre o quê fazer integra a noção de soberania – que, em democracias, é dada à Lei criada pelos parlamentos – e não à ideia de autonomia, que, nesse caso, corresponde ao como fazer. No julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 51, o STF pronunciou-se sobre os limites da autonomia universitária nos seguintes termos:
Não suponha que a autonomia de que goza a Universidade a coloque acima das leis e independente de qualquer liame com a administração, a ponto de estabelecer-se que na Escolha do Reitor sequer participe o Chefe do Poder Executivo, que é o Chefe da administração pública federal, ou que o Reitor seja elegível, uma ou mais vezes, ou que seja eleito por pessoas a quem a lei não confere essa faculdade.
De resto, na própria Constituição se podem encontrar preceitos que auxiliam a modelar o alcance da autonomia assegurada à Universidade.
[...]
De modo que, por mais larga que seja a autonomia universitária – “didático-científica, administrativa e de gestão financeira patrimonial” –, ela não significa independência em relação à administração pública, soberania em relação ao Estado.
[...]
A autonomia, é de evidência solar, não coloca a Universidade em posição superior à lei. Fora assim e a Universidade não seria autônoma, seria soberana. E no território nacional haveria manchas nas quais a lei não incidiria, porque afastada pela autonomia. (destacamos)
(Supremo Tribunal Federal, ADI nº 51-RJ, Relator Min. PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/1989, DJ 17-09-1993 PP-18926 EMENT VOL-01717-01 PP-00001).
Assim, a instituição do sistema de cotas por meio do presente projeto de Lei em nada fere a autonomia universitária; pelo contrário, a prestigia, vez que a insere nos limites da ordem constitucional. Esse é o motivo pelo qual o projeto de Lei visa a instituir o sistema de cotas, deixando a critério das instituições públicas de ensino superior o detalhamento acerca do funcionamento do sistema de cotas, desde que respeitem os parâmetros mínimos e o “desenho” geral traçado no projeto de Lei.
Grupos beneficiários
A discriminação racial está irremediavelmente interligada ao problema econômico. Isso não significa dizer que o racismo é um problema que se reduz ao econômico, mas sim demonstra a existência do racismo institucional, que se manifesta por normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano de trabalho, resultantes da ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou da incorporação e da naturalização de estereótipos racistas. Tal prática resulta em um tratamento diferencial e desigual para os diversos grupos sociais, comprometendo dessa forma a qualidade e o funcionamento das instituições e dos serviços prestados à população, e colocando determinados grupos raciais em desvantagem.
A diminuta participação de negros e indígenas em setores estratégicos da política e da economia é, sem dúvida, um reflexo do passado de exploração e opressão a que foram submetidos esses grupos.
Do ponto de vista econômico, portanto, a discriminação contra negros e indígenas estruturou uma sociedade em que os trabalhos mais árduos, mal remunerados e a educação de pior qualidade quase sempre são oferecidos aos negros e indígenas. Infelizmente, a história fez com que habitasse no imaginário popular a ideia preconceituosa de que a condição de negros ou indígenas não seria compatível com a ocupação de posições sociais mais elevadas e com o desempenho de funções de alto nível. O preconceito cristalizado na sociedade dificulta a ascensão social de negros e indígenas.
Não é por acaso que o número de negros e indígenas, seja no corpo discente ou no corpo docente das instituições de ensino superior do Estado de São Paulo, é infinitamente inferior à participação de tais grupos no conjunto da população. Simbólica e culturalmente a paisagem universitária constituiu-se sem a presença de alunos e professores negros e indígenas. Com efeito, se a pobreza por si mesma já constitui uma difícil barreira para a ascensão social e econômica de qualquer pessoa, é correto dizer que, quando à pobreza somam-se características físicas que denunciam ascendência africana ou indígena, tem-se o retrato mais cruel da desigualdade. Diante de um quadro social em que há discriminação com fundamento em diferenças étnico-raciais, é totalmente possível que o Estado patrocine ações afirmativas que também utilizem critérios étnico-raciais. Esse é o fundamento considerado pelo Ministro Ricardo Lewandowski:
Para as sociedades contemporâneas que passaram pela experiência da escravidão, repressão e preconceito, ensejadora de uma percepção depreciativa de raça com relação aos grupos tradicionalmente subjugados, a garantia jurídica de uma igualdade meramente formal sublima as diferenças entre as pessoas, contribuindo para perpetuar as desigualdades de fato existentes entre elas.
Como é de conhecimento geral, o reduzido número de negros e pardos que exercem cargos ou funções de relevo em nossa sociedade, seja na esfera pública, seja na privada, resulta da discriminação histórica que as sucessivas gerações de pessoas pertencentes a esses grupos têm sofrido, ainda que na maior parte das vezes de forma camuflada ou implícita. (destacamos)
Os programas de ação afirmativa em sociedades em que isso ocorre, entre as quais a nossa, são uma forma de compensar essa discriminação, culturalmente arraigada, não raro, praticada de forma inconsciente e à sombra de um Estado complacente.
Nessa trilha, considerou o STF que o critério exclusivamente da renda não é suficiente para fazer com que as universidades cumpram o papel que delas se espera, que é o de integrar a sociedade brasileira em um espaço permanentemente aberto à inclusão.
Ao analisar a composição social da elite imperial brasileira, José Murilo de Carvalho conclui que, diferentemente do que ocorreu em outros países da América Latina, nos quais a composição da elite local refletia com relativa fidelidade a sua origem social, no Brasil, a formação das lideranças, sobretudo no âmbito político, deveu-se predominantemente a seu treinamento acadêmico.
É certo afirmar, ademais, que o grande beneficiado pelas políticas de ação afirmativa não é aquele estudante que ingressou na universidade por meio das políticas de reserva de vagas, mas todo o meio acadêmico que terá a oportunidade de conviver com o diferente ou, nas palavras de Jürgen Habermas, conviver com o outro. (destacamos)
É preciso, portanto, construir um espaço público aberto à inclusão do outro, do outsider social. Um espaço que contemple a alteridade. E a universidade é o espaço ideal para a desmistificação dos preconceitos sociais com relação ao outro e, por conseguinte, para a construção de uma consciência coletiva plural e culturalmente heterogênea, aliás, consentânea com o mundo globalizado em que vivemos.
No caso do ensino superior, as faculdades e universidades públicas são melhores equipadas e contam com um corpo docente qualificado, atingindo os maiores índices de qualidade. A lógica da meritocracia que ainda rege muitas faculdades e universidades estaduais acaba favorecendo uma participação majoritária de estudantes oriundos da educação básica na rede privada, estas que em sua maioria desenvolvem um projeto de formação voltado para o processo de competição sob o que regula o vestibular. Como resultado, a universidade pública, gratuita, afasta os alunos das escolas públicas de ensino fundamental e médio, onde se encontram os jovens mais pobres, sobretudo negros.
Há, portanto, duas distorções que o presente projeto pretende atacar: 1) a distorção cultural e simbólica2, que será combatida por meio do estímulo à diversidade no interior das instituições de ensino superior do Estado de São Paulo; 2) A distorção econômica, a ser atacada pelo estímulo permanente à presença de alunos que tenham cursado a integralidade do ensino médio na rede pública de ensino.
2 As ações afirmativas, portanto, encerram também um relevante papel simbólico. Uma criança negra que vê um negro ocupar um lugar de evidência na sociedade projeta-se naquela liderança e alarga o âmbito de possibilidades de seus planos de vida. Há, assim, importante componente psicológico multiplicador da inclusão social nessas políticas. A histórica discriminação dos negros (pretos+pardos), em contrapartida, revela igualmente um componente multiplicador, mas às avessas, pois a sua convivência multisecular com a exclusão social gera a perpetuação de uma consciência de inferioridade e de conformidade com a falta de perspectiva, lançando milhares deles, sobretudo as gerações mais jovens, no trajeto sem volta da marginalidade social. Esse efeito, que resulta de uma avaliação eminentemente subjetiva da pretensa inferioridade dos integrantes desses grupos repercute tanto sobre aqueles que são marginalizados como naqueles que, consciente ou inconscientemente, contribuem para a sua exclusão. (ADPF 186 – Min. Rel. Ricardo Lewandowski)
Por tal motivo é que o projeto de Lei elencou três grupos beneficiários: a) negros e indígenas – cujo critério para preenchimento das vagas reservadas será o da autodeclaração; b) alunos oriundos de escolas públicas – no projeto de Lei, entendidos como aqueles alunos que tenham cursado a integralidade do ensino médio em escolas públicas em qualquer parte do território nacional; c) pessoas com deficiência.
Ainda em relação ao grupo de beneficiários, menciona-se no projeto a reserva de vagas destinada às pessoas com deficiência, medida mais do que óbvia, haja vista as dificuldades suportadas por pessoas desse grupo e que as impedem de concorrer em igualdade de condições nos disputados processos seletivos das universidades públicas estaduais.
Objetivos aparentemente distintos que, na verdade, são integrados. Combate ao preconceito, combate à pobreza, combate às dificuldades de acessibilidade, consubstanciam-se em frentes distintas, mas na mesma batalha. Isso explica o porquê de, no projeto, não se adotar as falaciosas “cotas sociais”, expressão genérica que nada diz sobre os fatores específicos que geram a ausência de certos grupos sociais no ensino superior. A promoção da igualdade se faz com políticas universais, mas também com políticas específicas.
Considerando que uma mesma pessoa possa se enquadrar nas três categorias: étnico-raciais, deficiências e escola pública, não fica restrita a possibilidade da mesma se candidatar, no ato da inscrição, para as três, sendo classificada dentro daquela que obtiver a melhor posição.
Caso não haja o preenchimento das vagas reservadas a um determinado grupo, as vagas serão realocadas para atender aos membros de outro grupo beneficiário que tenham sido mais bem classificados no processo seletivo, haja vista que a lista dos classificados será unificada entre todos os candidatos ao ingresso na universidade. Não havendo preenchimento das vagas reservadas por nenhum dos grupos beneficiários, as mesmas não ficarão ociosas, pois existe a previsão de que tais vagas sejam distribuídas entre os candidatos não optantes pelo sistema de cotas. Entretanto, o delineamento das características específicas (e.g. especificações do programa, nota de corte etc.) dos processos seletivos ficará a cargo das instituições públicas de ensino superior, até mesmo por conta da autonomia universitária.
Uma universidade excludente, em que não há diversidade, jamais pode cumprir o papel que se espera de uma universidade, que é a produção de um conhecimento amplo, plural e profundo sobre a realidade, com vistas ao pleno desenvolvimento social e econômico do país. É para o bem do país que as universidades devem finalmente se abrir para acolher representantes de grupos sociais que foram e ainda são marginalizados. Esse projeto de Lei é um projeto que não pode ser compreendido apenas como um benefício a determinados grupos, mas como um benefício para toda a sociedade. Aí reside a importância das ações afirmativas no ensino superior, em especial em um estado com a importância política e econômica como o de São Paulo. Considerando que as universidades não se resumem a espaços de formação profissional, mas “locais privilegiados de criação dos futuros líderes e dirigentes sociais” 3, a diversidade torna-se imperativa. É conclusão a que igualmente se chega com a leitura do artigo 237 da Constituição do Estado de São Paulo, que ao valorizar a “solidariedade humana”, confere plena possibilidade à implantação de ações afirmativas:
3 ADPF 186 – Voto Min. Rel. Ricardo Lewandowski.
Artigo 237 - A educação, ministrada com base nos princípios estabelecidos no artigo 205 e seguintes da Constituição Federal e inspirada nos princípios de liberdade e solidariedade humana, tem por fim:
I - a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade;
II - o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais da pessoa humana;
III - o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional;
IV - o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum;
V - o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos conhecimentos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio, preservando-o; (destacamos)
VI - a preservação, difusão e expansão do patrimônio cultural;
VII - a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe, raça ou sexo; (destacamos)
VIII - o desenvolvimento da capacidade de elaboração e reflexão crítica da realidade.
Controle social, acompanhamento e transitoriedade do sistema de cotas
O projeto de Lei prevê a criação de mecanismos de controle social que visem a franquear a mais ampla participação social e o acompanhamento dos resultados. A legitimidade do sistema de cotas fundar-se-á na democratização dos programas universitários, algo que será feito por meio de comissões internas - responsáveis pelo acompanhamento e apoio aos ingressantes pelo sistema de cotas - e comissões externas – constituídas por representantes do Estado, das instituições de ensino e da sociedade civil e responsáveis pelos relatórios de avaliação que serão enviados à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
O sistema de cotas prima pelo caráter transitório 4. Devidamente constatado o fim das desigualdades que ensejaram a sua criação, o sistema deverá ser extinto, sob o risco da criação de privilégios incompatíveis com nossa ordem constitucional. Por tal motivo, o projeto prevê a vigência do sistema por dez anos, prorrogáveis por igual período, caso não debelados os motivos da implantação das ações afirmativas. Nesse sentido, a Assembleia Legislativa, quando da deliberação sobre a prorrogação da norma, deverá obrigatoriamente atentar-se aos resultados objetivos da avaliação efetuada pelas comissões internas e externas, assim como aos dados trazidos pelos institutos de pesquisa oficial.
4É importante ressaltar a natureza transitória das políticas de ação afirmativa, já que as desigualdades entre negros e brancos não resultam, como é evidente, de uma desvalia natural ou genética, mas decorrem de uma acentuada inferioridade em que aqueles foram posicionados nos planos econômico, social e político em razão de séculos de dominação dos primeiros pelos segundos. Assim, na medida em que essas distorções históricas forem corrigidas e a representação dos negros e demais excluídos nas esferas públicas e privadas de poder atenda ao que se contém no princípio constitucional da isonomia, não haverá mais qualquer razão para a subsistência dos programas de reserva de vagas nas universidades públicas, pois o seu objetivo já terá sido alcançado. ADPF 186 – Voto Min. Rel. Ricardo Lewandowski
5 ADPF 186 – Voto Min. Rel. Ricardo Lewandowski
Em vista das evidentes desigualdades, a implantação de ações afirmativas nas instituições de ensino superior do Estado de São Paulo “não configuram meras concessões do Estado, mas consubstanciam deveres que se extraem dos princípios constitucionais”5.
Fonte: Negro Belchior
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