Problema bom, desafio enorme
Projeto pedagógico pode garantir qualidade no processo de ampliação de vagas se guiar ações das escolas, for elaborado coletivamente e incorporado à prática e à formação docente
Maria do Pilar Lacerda
A Emenda Constitucional 59, de 2009, traz duas grandes e importantes inovações: aumenta os recursos da Educação Básica, terminando com a Desvinculação dos Recursos da União (DRU). A segunda inovação é a ampliação da matrícula obrigatória, que passará a ser, a partir de 2016, de todas as crianças e jovens entre 4 e 17 anos de idade. Resumindo: libera mais recursos e aumenta as responsabilidades dos entes federados.
Significa uma mudança na lógica da organização do sistema e da garantia dos direitos. Ou seja, precisamos ter já um planejamento, município por município (e o MEC, Undime e Consed já estão trabalhando nisso) para identificar como são a oferta e a demanda em cada área urbana, do campo, quilombola, indígena. E mais importante: conceber um Projeto Político-Pedagógico (PPP) diferente, que não "adultize" as crianças de 4 e 5 anos e não "infantilize" os adolescentes. Queremos todas as crianças e jovens na escola, em tempo integral, mas aprendendo e se formando com a vivência de valores como ética, solidariedade, criatividade, gosto pela pesquisa.
Desenvolver esses valores e atitudes nos alunos não acontece espontaneamente, mas de forma organizada através de um PPP realmente novo, que leve a comunidade escolar a colocá-lo em prática.
Para isso, ele deve ser elaborado coletivamente, incorporado ao dia a dia da sala de aula, à prática e à formação docente. Não adianta ter um belo PPP, que queira formar cidadãos críticos e autônomos, e mandar para a diretoria os alunos que reclamam da didática do professor ou questionam regras impostas.
Recentemente, vi dois exemplos interessantes em escolas brasileiras. No primeiro, ao chegar à escola, os alunos são recebidos pela diretora e professores. Sentam em uma roda no pátio, cantam, ouvem a diretora sobre o que farão naquele dia, levantam, ao som de uma música animada e caminham até as salas de aula. No segundo, uma vez por semana, durante uma hora e meia, toda a escola se dedica à leitura. Diretores, professores, funcionários, alunos e pais que quiserem ir, escolhem o que lerão e buscam o local mais agradável para isso.
Leem literatura, gibis, jornais ou revistas.
As duas atividades estão concretizando o que seu PPP preconiza: participação, regras construídas, valor da leitura. E existem outras questões que o projeto ajuda a responder: a escola infantil pode ter os mesmos tempos e espaços da escola do jovem? A biblioteca é necessária para as crianças pequenas ou cada sala de aula pode ter um cantinho de leitura? As carteiras devem estar sempre organizadas uma ao lado da outra ou podemos reorganizá-las de forma a induzir o trabalho coletivo, as trocas e a pesquisa?
Ao planejarmos a escola que atenderá a todos os brasileiros entre 4 e 17 anos de idade, essas questões virão à tona e nos orientarão, para que a quantidade seja acompanhada da qualidade necessária a uma escola democrática e contemporânea: aprender com sentido, responsabilidade e autonomia.
Este sim é um excelente problema!
http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/32/problema-bom-desafio-enorme-284522-1.asp