Como voar com as asas cortadas?
Luiz Eduardo Farias
Uma das coisas que mais me frustram na Educação é a alienação dos próprios profissionais que nela atuam. Nosso discurso quase sempre diverge das práticas cotidianas. No final, reproduzimos uma realidade perversa da escola, a qual falaremos adiante.
Hoje é sábado e ainda agora cheguei de uma Reunião Pedagógica em uma das minhas escolas. Antes da palestra, uma mensagem linda, que gosto muito, aquela famosa do Rubem Alves – “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.” Em seguida, uma reflexão extremamente proveitosa sobre o que está por trás de uma aula, guiada por uma pedagoga que honra a sua formação, diferente de um monte que nós encontramos por aí (e convenhamos, o inverso também ocorre). A palestra em si demandaria um novo texto, mas não é meu objetivo agora. O que quero resumir é que foram quase 3 horas de um discurso muito voltado para uma escola dinâmica, com professores que servissem de referência para seus alunos, motivados e que motivassem também. Acrescento todas as mais modernas ideias propostas pela Pedagogia, de desenvolvimento das múltiplas capacidades do educando, respeitando seu ritmo e aptidões, sendo o “professor-educador” um facilitador da aprendizagem etc etc etc.
Bacana… se acabasse ali! Como a escola não vive apenas de discursos, as demandas cotidianas vieram à tona no fim da manhã, quando todos já estavam se remexendo na cadeira, em volta aos relógios e celulares, torcendo para que aquele “castigo” (é preciso dizer que estávamos ali em pleno sábado porque fizemos praticamente 1 mês de greve. Por isso, o termo usado pelos professores era exatamente esse) acabasse o mais rápido possível.
Nesse contexto, entra a fala da diretora sobre um simulado (aqui cabe uma explicação importantíssima: trata-se, talvez, de uma das melhores e mais competentes diretoras que já conheci e trabalhei. Não estou fazendo uma crítica pessoal e sim do que o que o “sistema” nos impõe e acabamos engolindo sem criticar. E pior, sem perceber que estamos engolindo algo que não queremos). A indicação da escola era que tal avaliação tivesse o valor de 2,0 ponto, sendo que os professores, querendo ou não, teriam que fornecê-la. Quando eu questionei o valor e sobretudo a intromissão da instituição na liberdade docente de avaliar seus alunos, a resposta foi que se o simulado valer pouco ninguém vai querer dar importância.
Desculpa, leitor, mas o que passou foi apenas uma introdução para o que realmente pretendo tratar neste texto: que escola queremos? Será que aumentar o valor de uma avaliação para que o aluno se interesse mais não é aceitar uma prática mercantil e reforçar esse comportamento que tanto combatemos? Sabemos que o maior interesse dos políticos quando se fala numa valorização da Educação, ressaltando a sua importância para o país, estão se referindo à lógica capitalista, que vê a escola como produtora de mão de obra dócil e acrítica. Quando adotamos essa visão mercadológica (“só faço isso se ganhar aquilo”) e utilizamos um modelo classificatório e mensurador como base para progredir o aluno estamos fazendo o trabalho sujo do capitalismo, modelando os futuros assalariados alienados.
Vou além disso. Nessa mesma escola que se considera, ao menos no discurso, “moderna”, eu sou obrigado a fornecer 1,0 ponto do chamado “conceito” (em cada região muda o nome e os critérios, mas se trata daquele aspecto comportamental) e 4,0 a 5,0 pontos da famigerada “prova”. Enfim, o que está sendo configurado é que cerca de 70% da pontuação do aluno seja nos moldes tradicionais (uma avaliação escrita, individual e sem consulta), para mensurar o conteúdo de um currículo imposto. Tirando o ponto de conceito, sobram 2,0 pontos para eu “oferecer” ao aluno em troca de atividades que realmente possam “dar asas” aos alunos. Alguém aí percebe o que está acontecendo ou eu estou ficando louco? Se eu quero fazer um bimestre cheio de propostas diferentes, motivadoras, criativas, estimuladoras do aprendizado que ultrapassa o conteúdo estático das disciplinas, tudo isso valerá quase nada comparado à avaliação tradicional. Que mensagem eu passo para o meu aluno? O que é mais importante? A escola está virando uma “preparadora de provas” como os pré-vestibulares de outrora?
Para finalizar, pois a minha única intenção aqui é incitar a discussão e não ditar respostas prontas, não quero dizer que um modelo é melhor do que o outro. Existem escolas “modernas” que são boas e ruins e tradicionais idem. Mas os profissionais que trabalham nessas escolas devem ter bem claro seus princípios e objetivos. Se eu vou trabalhar ou estudar numa escola militar, por exemplo, sei exatamente o que vou encontrar. O que não pode é uma mesma escola adotar um discurso e praticar outra coisa. A imagem que me vem é uma adaptação grotesca do belo texto de Rubem Alves, como se essa escola cortasse as asas de um pássaro, tirasse o esperançoso animal da gaiola e o jogasse bem do alto de um prédio. Que liberdade, não!?
Luiz Eduardo Farias é historiador e professor de história desde 2006, especialista em História Contemporânea (2010/2011) e cursa Pedagogia. Sempre trabalhou em escolas públicas (seis, até o momento) e atualmente tem duas matrículas – Fundação Educacional de Volta Redonda (autarquia municipal) e Rede Estadual do Rio de Janeiro.
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