Classe média: é o capital cultural

Classe média: é o capital cultural

‘Para a classe média, o que prevalece é o capital cultural’

  Nice de Paula

Para Jessé Souza, a ideia de classe média ‘condensa os sonhos de ascensão social’ Marcelo Carnaval / Agência O Globo

Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Jessé Souza estuda classes sociais há 20 anos e defende o uso de critérios além da renda. Na sua opinião, fenômeno recente foi a ascensão de uma ‘nova classe trabalhadora precarizada’

 

A sociedade brasileira é perversa?

Sim, porque o nível de desigualdade é enorme. O banqueiro na Avenida Paulista ganhar 500 vezes mais do que a pessoa que limpa a sua sala não é normal. E nós convivemos com essa perversão de forma muito natural e ainda temos esse mito brasileiro de que somos muito gentis.

 

O senhor discorda que exista uma nova classe média brasileira?

Este conceito está inserido na cegueira de pensar que as classes sociais se reproduzem apenas no capital econômico, quando a parte mais importante não tem a ver com isso, mas com o capital cultural, com tudo aquilo que a gente incorpora desde a mais tenra idade.

 

Quais são as classes sociais do Brasil?

Basicamente, quatro. A alta, que tem capital econômico. Tem a classe média, que não é tão privilegiada quanto a alta, mas se apropria de um capital cultural valorizado, saber científico, pós-graduação, línguas estrangeiras, um conhecimento que tem valor econômico. Essas duas são as classes do privilégio. Para a classe alta, o mais importante é o capital econômico, embora o capital cultural tenha uma função. E, para a classe média, o que prevalece é o capital cultural, embora algum capital econômico também seja necessário.

 

Quais são as classes “sem privilégios”?

As classes populares não têm acesso privilegiado a capital econômico, nem cultural nem social, não vão ter acesso a pessoas importantes. Têm que trabalhar desde cedo, são batalhadores. É essa a nova classe trabalhadora precarizada (chamada pelos economistas de “nova classe média”). Ela foi incluída porque tem um lugar no mercado, tem renda, planos e consumo de longo prazo, mas isso não a torna classe média. A outra classe “sem privilégios” são os muito pobres, que não têm nem precondição para aprender, a quem chamamos de maneira provocativa de ralé. Para as classes média e alta, é bom que exista a ralé, porque assim podem desfrutar de serviços que a classe média europeia e americana já não têm, como alguém para fazer a comida, cuidar dos filhos. É a luta de classes invisível, tipicamente brasileira.

 

Luta de classes?

As classes do privilégio economizam um tempo importante para estudo ou para um trabalho mais rentável, enquanto a ralé limpa sua casa, faz sua comida. Luta de classe é uma classe roubar tempo de outra. Quando a empregada deixa o almoço do filho da patroa pronto para ele estudar inglês em vez de preparar sua própria comida, esse jovem ou criança está usando seu tempo para reproduzir seu capital cultural. E a empregada, usando seu tempo para repetir sua condição social.

 

E por que haveria essa necessidade de inflar a classe média?

Porque é bom ser classe média. Ela inclui a noção indivíduos que são livres, são consumidores, cidadãos. Condensa os sonhos de ascensão social. Pertencer à classe média tem um efeito de distinção, como comprar um carro bacana, uma casa bonita.

 

O critério de renda não é importante?

É preciso estar atento às outras condições que formam um ser humano. Por exemplo, toda pessoa precisa ter confiança em si mesma. O filho da classe média pode se dedicar só ao estudo, é preparado desde cedo para ser vencedor. O filho da ralé já chega na escola como perdedor e a escola não é solução para tudo. Na nossa pesquisa, o que vimos não é que não tinha escola, mas as pessoas diziam: “nós ficamos fitando o quadro negro horas e horas sem poder aprender”. Se as pessoas não receberem os estímulos anteriores, a escola sozinha não vai resolver.
 

 
http://nepfhe-educacaoeviolencia.blogspot.com.br/

 





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