Sindicato fraco significa economia fraca
Arthur Henrique
Foi Thatcher, logo seguida por Reagan, quem passou a disseminar, pela primeira vez na segunda metade do século XX, a ideia de que a existência de sindicatos era ruim. Muitos, naquela passagem dos anos 1970 para os 80, acreditaram na tese ou não a refutaram com a devida veemência. Talvez por não ter vivido ou esquecido as experiências de notável recuperação econômica europeia e estadunidense no período Pós-Guerra, em que a ação do Estado e o fortalecimento do mercado de trabalho – e consequentemente do sindicalismo – foram essenciais para um longo ciclo de prosperidade.
Tanto a então chamada Dama de Ferro quanto o ator hollywoodiano eleito presidente tiveram a seu lado uma máquina de propaganda pró-neoliberalismo que até hoje produz seus efeitos no imaginário coletivo, como pudemos conferir em alguns dos comentários postados por leitores deCartaCapital sobre artigo aqui publicado na semana passada.
Num mundo tal como o conhecemos, o enfraquecimento dos sindicatos não é bom para ninguém, mesmo que temporariamente isso traga alguma vantagem para um grupo ou outro. No longo prazo, a consequência negativa se abaterá sobre todos – salvo o sistema financeiro, caso os governos nacionais ajam como atualmente mundo afora.
Hoje, nos EUA, menos de 12% dos trabalhadores são sindicalizados (na iniciativa privada, menos de 7%), contra a taxa próxima de 30% da era pré-Reagan. O país levou a sério o desmonte proposto e iniciado naquele governo, que teve entre seus marcos iniciais a propalada vitória contra a greve dos controladores de voo em 1981.
Em grande parte por isso, os salários passam por sistemático achatamento desde então. Segundo dados do departamento de trabalho dos EUA, o aumento real (acima da inflação) dos salários acumulado desde 95 foi de apenas 6%. Esse empobrecimento atingiu todas as categorias, colocou a classe média no corner, levando-a a níveis de endividamento brutais, e conduziu o país à crise. Esse processo é bem retratado pelo filme “Capitalismo: uma História de Amor”, de Michael Moore. Uma vez mais a tese, forjada no século XVIII, de que a capacidade individual é o único motor da história, comprova-se falsa.
Na Inglaterra, onde o empenho de Thatcher em derrotar o movimento sindical foi uma das marcas de sua gestão, as coisas tampouco melhoraram por isso. Nesta semana, a TUC (Trades Union Congress) divulgou estudo que mostra os salários caminhando abaixo da inflação. Em certas regiões, a perda anual dos trabalhadores ativos em relação ao que ganhavam em 2010 supera quatro mil libras esterlinas. São pessoas consumindo menos. Empresários vendendo menos.
São resultados da recente crise internacional, causada justamente pelo ideário econômico, social, político e ideológico que tiveram em Thatcher e Reagan seus maiores arautos e que tem como uma das premissas o enfraquecimento dos sindicatos.
O caso mexicano também é dramático. Sindicatos atacados sistematicamente, com a ajuda muitas vezes de esquemas criminosos, e um Estado cada vez mais recuado. Nem mesmo um liberal, desde que ilustrado, defenderia tal combinação, que poderia ser definida como “cleptocapitalismo”.
A crença de que “gente competente” não precisa de sindicato é falsa. Ou todos os cidadãos estadunidenses sem emprego hoje não são bons o bastante? Os roteiristas de Hollywood, responsáveis pelos diálogos e histórias dos filmes e seriados que fazem sucesso planetário, não caíram nesse engodo e fizeram uma vitoriosa greve de 100 dias entre 2007 e 2008, obrigando a indústria a negociar.
João Cabral de Mello Neto criticou com argúcia característica a pretensa solidão realizadora dos trabalhadores ao falar daqueles “de profissões liberais que não se liberaram jamais”.
Aqui no Brasil, o movimento sindical teve um importante papel quando os efeitos da crise econômica chegaram por aqui. Nossa recusa em participar de acordos de diminuição de salários ou suspensão preventiva de contratos ajudou e tem ajudado o país a enfrentar o problema. Acredito que a estrutura sindical brasileira precisa de aperfeiçoamentos, mas querer prescindir dela é loucura.
Artur Henrique, secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT e presidente do Instituto de Cooperação da CUT