De que lado você está?

De que lado você está?

De que lado você está, da mudança ou do discurso de mudança que quer que tudo continue igual?

Declev Reynier Dib-Ferreira


Realmente, cada vez mais fico indignado, decepcionado e puto com o País dos Absurdos, brasil (minhas letras minúsculas são propositais e de protesto).

É interessante e sintomático ver a reação das pessoas às coisas que acontecem quando se tenta mexer em algo estabelecido, chegando-se à conclusão que não se quer mesmo mudanças.

Não se quer porque quem reclama, por exemplo, dos políticos fdp provavelmente faria (ou fará) o mesmo que eles se (ou quando) estivesse em seu lugar.

Não se quer porque ao ouvir lutas de determinados setores da sociedade, iniciam-se falas contrárias e retrógradas a quaisquer falas que busquem mudanças.

Pode-se dar muitos exemplo, tais como as reclamações seculares do pessoal do campo, dos sem-terra, dos negros, dos homossexuais…

Cotas pra quê, se no Brasil dos Absurdos não tem racismo? Terra pra sem-terra pra quê, se depois eles vendem e tem-se que produzir alimentos para o mundo inteiro com o agronegócio? Casais homossexuais não deviam nem existir, quanto mais ter os mesmos direitos. Como ter os mesmos direitos se não são iguais a “nós”? Professor reclama de barriga cheia, pois ganham o suficiente para os “resultados” que obtém!

Ops… tem algo extremamente errado por aqui.

Depois da fala da Amandinha, a neofamosa Amanda Gurgel, fala a qual já me referi aqui, vêm-se multiplicando, no rastro do Movimento pela Continuidade do Processo Civilizatório (MCPC), as falas contrárias.

Algumas bem cafajestes e diretas, como a da dona cremilda, a qual também já tive o desprazer de ouvir e escrever sobre.

Outras travestidas de cientificidade, com dados, e de pseudo-concordância com as teses da melhora das condições de trabalho dos profissionais da educação.

Vejam, por exemplo, este artigo aqui.

Diz o senhor que concorda que os professores ganham pouco. Puxa, obrigado. Mas diz que esta não é pré-condição para um bom trabalho profissional.

Tese, como vocês podem ver, muito semelhante à senhora do link anterior e, também, a do filho de banqueiro que a globo chama de ”especialista em educação” que diz que professor ganha muito e a educação não melhorou (como se isso fosse a única coisa que concorre para tal).

Ora, é claro que o salário não é o único determinante de um bom trabalho e  especialmente ao condizente ao trabalho do professor, que tem o ser humano como seu objeto de trabalho, muito menos.

Há inúmeros outros fatores.

Eu, quando dei uma resposta, à época, à futura secretária de educação do município do Rio de Janeiro, enumerei uma série de determinantes para que um aluno possa ter sucesso na educação escolar formal – determinantes que NÃO SÃO culpa dos professores, diga-se de passagem, já que agora somos culpados de tudo – e que também não são oferecidos aos alunos.

Voltando ao artigo anterior, nos parágrafos finais o senhor diz que

O que me traz de volta ao assunto deste post: por que fiquei irritado com uma professora, que ganha pouco, corajosamente, eloquentemente e corretamente defendendo seu salário junto a deputados que ganham talvez dez vezes o que ela ganha.  A fonte da minha irritação certamente não foi a eloquência e coragem da professora. Foi que mais uma vez se reduz educação ao salário dos professores ou infira-estrutura escolar, coisas importantes, sem dúvida, mas nem de perto as variáveis fundamentais na definição da qualidade educacional. [grifo meu]

Percebe-se, em sua fala referente à Amanda, uma opinião, certamente, de quem não é professor. A professora em questão fez uma clara relação das pequenas possibilidades de se fazer um bom trabalho com a proletarização da profissão do professor, obrigado a ter diversos empregos para se manter com um razoável nível financeiro, nível este necessário à profissão de quem tem que formar cidadãos, e tantos empregos estes que não nos deixam dedicar-nos muito bem a nenhum deles.

E, em relação à estrutura, realmente não entendo porque isso não seria uma prioridade, nem mesmo para pessoas como o articulista em questão e a dona cremilda.

Ora, não se imagina um médico atuando bem sem boa estrutura; não se imagina um gari atuando bem sem boa estrutura; não se imagina um mecânico atuando bem sem boa estrutura; não se imagina um bancário atuando bem sem boa estrutura; não se imagina engenheiro atuando bem sem boa estrutura; não se imagina um motorista atuando bem sem boa estrutura… mas o professor cai em reducionismo ao reclamar da sua estrutura de trabalho!!!

Repito: é claro que não são as únicas coisas, mas não dá nem pra começar a conversa sem estas duas: salário e estrutura. Não se pode cobrar NADA se não se tem isso. Tem-se que lembrar que o “objeto” de atuação do professor é a pessoa. Trabalho sui generis.

De resto, meu amigo, não é a “escola” ou o “professor” que não dão aos alunos, é a sociedade, o Estado, todos nós: família desestruturada, violência social, falta de saúde, falta de moradia, tráfico, abusos, comida sem qualidade, transporte deficitário, saneamento inexistente, doenças mil, televisão emburrecente, falta de acesso à cultura…

E querem que os professores, primeiro, salvem toooooodas as crianças do completo abandono social em que se encontram para, depois, somente depois, quiçá depois cobrar salário e estrutura de trabalho?

Realmente, não entendo a lógica deste pensamento. Não sei o que querem dizer com “reducionismo” e com “só”. Nem com “depois”.

Acho que ficou muito bem explicado, conforme já disse, a relação entre o salário e o trabalho do professor, pois que este poderia se dedicar em forma de planejamento, de pesquisa, de atenção individual etc, se não fosse a necessidade de multiplicar os empregos.

Ora, ninguém questiona isso em relação aos professores universitários, nem vejo ninguém que fala dos professores básicos falar que professor universitário deveria dar 35 aulas, das 40 horas que recebe. Não vi, igualmente, uma reação da sociedade enfurecida contra os juízes que fizeram greve para melhorar os salários e ter as regalias dos parlamentares!!!

E, sinceramente, não sei o que há de reducionismo em se falar de infra-estrutura na escola. Realmente, não consigo entender. Querem que ensinemos alunos em total falta de tudo socialmente falando, somente com um quadro e um livro didático? Considerando ainda que temos uns 30 ou 40 ou ainda mais por turma e que temos 8, 12 ou mais turmas, gostaria, realmente, que me ensinassem a fazer isso…

Então, quando se fala que “mais uma vez se reduz educação ao salário dos professores ou infira-estrutura escolar, coisas importantes, sem dúvida, mas nem de perto as variáveis fundamentais na definição da qualidade educacional” pensa-se exatamente igual aos gestores – secretários, prefeitos, governadores – sobre a questão: o “importante”, o “fundamental” na educação não é nem o salário nem a infra-estrutura… então, gastemos nosso dinheiro, milhares e milhares de reais da educação: 


Enquanto isso, as escolas ficam sucateadas e o salário dos profs nunca vai nem ao razoável, pois estas não são a “prioridade”…

Vejam que NÃO ESTOU DIZENDO que o que enumerei não é importante!!!

Ora, são “coisas importantes, sem dúvida, mas nem de perto as variáveis fundamentais na definição da qualidade educacional”, faço minhas suas palavras, Sergei.

E, enquanto isso, enquanto se achar que o salário do professor (e a consequente cobrança de trabalho dele decorrente) e a infra-estrutura da escola (sem comentários) não são a “prioridade”, gasta-se milhões (bilhões) com as ditas “prioridades”, mas o ensino fica como está.

E vamos vivendo, todos unidos na mesma ideologia

É exatamente assim que pensa dona cremilda, a “voz” de quem não tem coragem de dizer diretamente o que ela diz.


Abraços,

Declev Reynier Dib-Ferreira
Professor, para quem salário dos professores (e a consequente cobrança de trabalho dele decorrente) e infra-estrutura da escola (sem comentários) 
SÃO as prioridades da educação


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