O critério de classe!
Antonio Ozaí da Silva
Na minha juventude, eu tinha muitas certezas. Agora, cinquentenário, sou repleto de dúvidas. O tempo passou, muros caíram, minhas ilusões se perderam e deram lugar ao ceticismo. Naquela época, tudo era mais fácil e simples. O mundo era dividido entre opressores e oprimidos, capitalismo e socialismo, burgueses e proletários, conscientes e alienados. A história estava ao alcance e nos cobria de razões. Não podíamos estar errados, pois estávamos do lado certo. Agíamos como demiurgos, anunciávamos a boa nova da utopia: a sociedade justa e igualitária, sem opressores nem oprimidos. Em nossa cruzada, tendíamos ao sectarismo, à simplificação da realidade, ao pensar dicotômico e maniqueísta.
Não obstante, tínhamos a verdade da história em nossas mãos. Pautávamos-nos pelo critério de classe. Não havia meio termo! Ainda hoje, divirto-me com a reação das crianças e dos jovens e adultos cândidos diante da pergunta: “Você é a favor ou contra o proletariado?!” Invariavelmente, mostram-se surpreendidos e reagem de maneira engraçada. Desde a mais tenra idade assumi a resposta considerada correta. Primeiro, enquanto manifestação de rebeldia e, como diria Marx, consciência de classe em si; depois, como consciência de classe para si.
Foi o critério de classe social, o assumir um dos lados, que definiu os caminhos e descaminhos da minha vida. A opção consciente e militante orientou e determinou o meu ser e viver. Como um crente que não abandona o símbolo que dá sentido à sua vida, permaneci fiel. Mesmo hoje, minha práxis como docente se orienta por esta escolha. O critério de classe é a lente pela qual vejo o mundo e a realidade na qual estou inserido. Não há como ser axiologicamente neutro. A visão de mundo, ideias e valores sobre o estar-no-mundo e ser-no-mundo influenciam nossas opções e ações. A docência, a pesquisa, as relações sociais, enfim, a vida pública e privada são demarcadas socialmente.
Contudo, o passar do tempo, a experiência prática e teórica me ensinaram que é insuficiente balizar a vida pelo critério de classe. Este não abrange todos os aspectos da vida! Nada me diz sobre os sentimentos humanos, sobre o amar, a amizade, o sofrimento, as dores que atormentam a alma, etc. Pouco me ajuda a compreender a natureza humana com profundidade. Ouso pensar que, para além dos contextos históricos e condições sociais e temporais diferentes, há algo de comum no humano que não pode ser apreendido unicamente pelo raciocínio classista.
O critério de classe estruturou a minha visão de mundo, mas aprendi que os trabalhadores não constituem uma classe homogênea. Um dia, há anos, assisti ao documentário “Além de trabalhador, negro” e percebi que a minha concepção de classe trabalhadora era restrita, branca e européia. Conclui que questões como a dominação masculina, a homoafetividade, raça e gênero não encontram respostas satisfatórias no critério de classe. De fato, permeiam os antagonismos de classe. Não me convence mais a ideia de que tudo será superado com a derrocada da sociedade burguesa.
O tempo é o melhor mestre! A vida me ensinou que os oprimidos também se revelam opressores. Aprendi que o discurso de classe dissimula práticas nada éticas e, sob as aparências altruístas, almeja interesses egoístas; vi que os sonhos utópicos, embora generosos, podem gerar monstros. Percebi que a vida real está para além das abstrações conceituais e que a sua complexidade não cabe em escaninhos ideológicos. O passar dos anos me fez ver que o melhor critério para pautar o viver não é as certezas que temos, mas as dúvidas. Como afirma certa peça publicitária, não são as respostas que movem o mundo, mas as perguntas. Duvidar sempre, até mesmo das minhas certezas. Eis o que a vida me ensinou! Tudo deve se submeter à reflexão crítica. Certezas absolutas geram sectários e fanáticos! Prefiro a insegurança e a angústia da dúvida!
http://antoniozai.wordpress.com/2013/02/23/o-criterio-de-classe/