O que a escola tem a ver com isso?
Apresentando-me e questionando: o ex-aluno que vira bandido
nasceu assim? O que a escola tem a ver com isso?
Regina Milone
Espero que possamos trocar muito por aqui, concordando ou não com as ideias uns dos outros, mas buscando sempre alargar nossas mentes e corações. É essa a colaboração que pretendo dar. Quando Declev me convidou para essa nova fase do blog, fiquei muito feliz, pois o admiro muito, sou leitora e participo deste blog com comentários há anos e acho fundamental que todos os lados sejam sempre ouvidos, para que realmente possamos todos nos fortalecer como educadores e nos unir para conquistarmos as mudanças políticas tão necessárias.
Pretendo relatar experiências diversas que tive em escolas, públicas e particulares, principalmente como pedagoga, mas também um pouco como professora e psicóloga. Na verdade, se tenho todas essas profissões (ainda sou, também, arteterapeuta), elas fazem parte de quem eu sou e, de alguma maneira, as levo para a função que eu esteja exercendo no momento; não dá pra separar totalmente.
Como dito em minha apresentação, tenho 51 anos e sou pedagoga desde 1986, sendo que desde 1982 já fazia estágios como professora e como pedagoga. Sou orientadora educacional e tive a sorte de cursar uma excelente faculdade, a melhor de pedagogia na época: a UERJ. Estudar lá me acrescentou muito em termos de consciência política também, tendo participado do Centro Acadêmico e de muitos movimentos lá dentro, inclusive eleições diretas para reitor – um tremendo exercício de cidadania!
Pensei muito sobre como começar aqui, pois são muitas histórias, relatos, ideias, informações… Acabei resolvendo começar pelo caso de um aluno que tive e que é bem representativo do tipo de aluno adolescente que temos hoje nas escolas, principalmente nas públicas.
É uma história que nunca vou esquecer, embora tenha visto acontecer tantas vezes com outros alunos.
Ele era um garoto de 14 anos que era considerado “impossível” por toda escola, diziam que ele “não tinha mais jeito”, vivia fora de sala porque os professores mandavam, pois ele atrapalhava a aula por ser muito indisciplinado e agressivo. Descobri que não tinha pai – fato comum entre os alunos dessas escolas, assim como é comum pais pedófilos, violentos, alcoólatras, etc. -, mas tinha um avô e uma mãe que viviam mandando-o da casa de um para a casa do outro, sempre criticando-o ou batendo nele, reforçando que ele não tinha jeito mesmo. Eu o ouvi e vi chorar várias vezes por causa disso. Sentia-se cada vez mais sem saída.
Um dia ele saiu de uma prova e rasgou a mesma, na frente da professora, xingando aquilo tudo e saindo pra ir embora. Peguei-o no meio do caminho e conversei com ele, que, depois de relutar bastante, acabou confessando, com imensa vergonha (cabeça baixa, olhando pro chão…) que não conseguia fazer aquelas provas, não entendia nada das aulas e não levava nem material pra escola porque não sabia ler e escrever direito. Com 14 anos! E era aluno daquela escola desde criancinha! Como ninguém viu isso? Como não fizeram nada? Como não o ajudaram? Como puderam rotulá-lo de “burro” (ele mesmo acabou se considerando assim), entre outras coisas, ao invés de descobrirem o que estava acontecendo???
Pois esse garoto, depois de tanto sofrimento, que vinha desde a infância, um ano depois, aos 15 anos, já não chorava mais e só mostrava muito ódio no olhar. Então, largou de vez a escola – ao ser “convidado” por ela a ir estudar à noite, em outra escola, pois “seria melhor pra ele” – e começou a cometer furtos, a bater na mãe (que sempre mentiu pra ele, o rejeitou, etc.; não estou dizendo que ele devia mesmo bater nela por isso – claro que não! – e sim mostrando que aquela violência toda não vinha do nada) e acabou assassinado pela polícia, porque polícia não prende pobre (julgar pra quê?) quando dá pra matar e pronto. Isso acontece todo dia, gente!! Quando é com o pobre, nem noticiado é!
E a escola simplesmente havia achado ótimo ele ter saído de lá, pra não “perturbar” mais ninguém… Empurrou-se o “problema” com a barriga, lavaram-se as mãos e pronto.
Tentei muito ajudá-lo, enquanto esteve lá, mas não foi suficiente. Sua dor e revolta na vida estavam muito arraigadas. Mas era só um garoto…
Quantas questões essa situação levanta? Em quantas nos faz pensar?
Está a escola preparada para lidar com o tipo de aluno que recebe, tanto em relação a dificuldades de aprendizagem, de disciplina, agitação, dispersão, etc., quanto em relação à violência que trazem com eles, vivida desde a infância, banalizada pelas mil torturas e “presuntos” (cadáveres) que já viram jogados nas ruas, ao redor de suas casas, e pela violência maior das injustiças sociais, dos políticos, da mídia…???
Como educadora, me senti em parte responsável sim. Doeu muito. Queria ter conseguido evitar que ele, como tantos outros, acabasse assim. Mas sozinha não tive como. O que posso dizer é que a escola, junto com a família, teve sim participação decisiva no caminho que ele tomou, por ação ou omissão. E isso é algo que não pode ser naturalizado. Temos que ver o tamanho desse absurdo e nos unirmos para evitarmos que outros casos como esse continuem acontecendo, dia após dia, como vemos acontecer com tantos alunos adolescentes…
Educar não é só passar conteúdos programáticos dentro de sala de aula! A responsabilidade do educador é bem maior do que essa!!
O que vocês acham?
Um abraço,
Regina Milone
Pedagoga, Arteterapeuta e Psicóloga
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