Os problemas da Justiça

Edú Pessoa



Luiz Fux é a ponta de um iceberg muito maior. Ele é resultado de uma série de problemas do Poder Judiciário. Sua saída do STF esgotaria a nossa "sede" de justiça, mas a longo prazo não resolveria problemas crônicos do Judiciário. Para além do Fux e do Gilmar Mendes existem problemas de origem desse poder.

Um deles diz respeito a ineficiência do Judiciário em responder com rapidez as demandas judiciais da sociedade. A culpa não é toda dos magistrados, pois há uma profusão de leis editadas pelo Legislativo, que nos mostram de forma nítida o porquê de algumas leis "pegarem" e outras simplesmente "não pegarem". Falta, nesse aspecto, uma interlocução com o Judiciário, no sentido da Lei convergir para os anseios sociais. São nulas as discussões sobre o impacto que essas medidas (leis, códigos, etc) causarão no Judiciário, como volume de processos, reestruturação orçamentária e eventual ampliação do quadro de juízes. Não há nenhum estudo do Executivo/Legislativo nesse sentido.

Outro problema diz respeito a imagem distorcida que o Judiciário tem perante a sociedade. Com todo respeito aos Srs. Magistrados e Sras. Magistradas, pois não dá para trabalhar sem um mínimo de estrutura. Porém, nada justifica as estruturas nababescas dos tribunais superiores brasileiros e alguns tribunais de 2º grau - TJs e Tribunais Regionais. Enquanto os juízes de 2ª e 3ª instância - chamados de Dezembargadores e Ministros, respectivamente - estão instalados em verdadeiros Palácios, os juízes de 1º grau estão a míngua. Há comarcas pelo país instaladas em casas ou prédios em ruínas, sem nenhuma estrutura de segurança, tecnologia e higiene decentes.

E dá-lhe cobrança do CNJ....

O terceiro problema é que os magistrados estão em meio a uma "guerra por poder" entre Ministério Público, Advocacia-Geral da União e Defensoria Pública. São eles que operam o direito - MP acusa; advocacia faz a defesa das partes e a Defensoria Pública advoga em prol dos que tem insuficiência de recursos. Sobre esse tópico não vou entrar em detalhes, pois o Corregedor-Geral do MPF, Eugênio José Guilherme de Aragão, já escreveu dois belíssimos artigos sobre o assunto:

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/o-ministerio-publico-na-encru...

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/o-ministerio-publico-na-encru...

Por derradeiro e diante de todos esses problemas, fica difícil separar o joio do trigo, ou seja, os juízes bons, comprometidos com a sociedade e com o bom funcionamento da justiça, com os juízes fruto de conluios e parcerias obscuras com os poderes e advocacia. Fux se encaixa perfeitamente nesse segundo perfil.


Solução

Para melhorar a atuação e a imagem do poder Judiciário é necessária uma mudança em várias frentes, desde as legislações, passando pela melhoria do sistema que operacionaliza a justiça - MP, Advocacia e Defensoria Pública - e também dar mais transparência aos atos desse poder, que engloba nomeações, indicações, etc. Em suma, reforma política que contemple uma reestruturação completa do Poder Judiciário.

Porém, é possível sugerir algumas medidas de curto, médio e longo prazo:


Curto Prazo

1) Valorizar o trabalho dos magistrados, em especial dos Juízes de 1º grau. Embora sejam agentes políticos - como prefeitos e vereadores - o ingresso deles na magistratura se dá por meio de concurso público de provas e títulos. Uma solução seria acabar com a reserva de mercado dada à OAB, de que os Juízes precisam ter três anos de atividade jurídica. Reduza para 1 ou 2 anos: a carreira se torna mais atraente.

2) Juíz de 1º grau é uma única pessoa, que toma conta de toda uma unidade jurisdicional - uma vara civil, criminal, do trabalho, justiça federal, etc. Portanto, essa vara tem que ter uma estrutura administrativa que consiga atender aos anseios da sociedade. Isso implica em ampliar o quadro de servidores, quadros de função gerencial - diretoria, secretarias, gerências - e liberar os juízes para o julgamento de processos. Esse tema está fora da pauta do CNJ - hoje presidido por Joaquim Barbosa, cuja apresentação dispensa comentários.

3) Entre os cargos de Promotor, Defensor Público e Juíz, este último é o que teve maior acúmulo de competências e em contrapartida seu subsídio está abaixo da linha da inflação. Sendo assim, os juízes de 1º grau trabalham mais que seus colegas promotores e defensores públicos e estão ganhando menos. Há uma evasão significativa de juízes de 1º grau para outras carreiras - promotoria, procuradoria, etc. Isso sem falar na aposentadoria precoce. Estamos perdendo futuros "Lewandowski" por aí....


Médio Prazo

1) Acabar com o critério de promoção por merecimento. Esse critério hoje é mais subjetivo do que objetivo. Não há indicadores que permitam uma avaliação objetiva para promoção por merecimento. Além disso, o próprio Judiciário não fornece estrutura adequada aos seus magistrados de 1º grau para terem condições de cumprirem satisfatoriamente com as metas. Ultimamente, os magistrados que "mereceram" a promoção são aqueles que tem bons relacionamentos, bons contatos. Ou então o merecimento foi uma forma de "calar a boca" de alguém incômodo (vide o procurador Fausto de Sanctis no TRF 3). Os que trabalham de verdade morrem juízes de 1º grau e só conseguem a promoção por antiguidade.

2) Instituir concurso público para ingresso nos tribunais de 2ª instância - TRF, TRT, TRE e TJs. Deveria ser mais ou menos assim: 30% das cadeiras seriam preenchidas pelo critério de antiguidade - idade, tempo de magistratura, tempo de serviço público, conhecimentos jurídicos, etc; 60% seriam preenchidas por meio de concurso público, onde todos os magistrados não eleitos por antiguidade pudessem participar. Por fim, 10% das vagas ficariam para serem divididas, respectiva e alternadamente, por membros do MP e advogados com mais de 10 anos de atividade profissional na área de atuação do Tribunal de 2ª instância. Diminui a reserva de mercado da OAB nos Tribunais Regionais.

3) Os juízes de 1º grau não têm clareza de sua parte no orçamentodo Judiciário. Não apenas a falta de recursos compromete a prestação do trabalho jurisdicional, mas a própria repartição desses recursos também prejudica. Não há um critério claro, objetivo, que condicione o repasse desses recursos. Obviamente, os estados maiores tem fatias maiores; os estados menores com fatias menores. Também ganha mais quem "grita" mais.


Longo Prazo

1) O STF não tem competência para atuar como tribunal de última instância. O julgamento do mensalão (vulgo "mentirão") deixou muito claro isso. Portanto, a Suprema Corte deveria atuar apenas como Tribunal Constitucional e as competências em matéria civil e penal irem para as mãos do STJ.

2) Padronizar as jurisdições. Por exemplo: Se o DF é a 1ª região para a esfera da justiça federal, que também seja para a esfera civil, criminal, administrativa, do trabalho, policial, etc. Se o RJ é a 2ª região, padronizar para todas as esferas. A padronização facilita a consulta pelo cidadão e facilita o compartilhamento entre banco de dados - jurídicos, administrativos, policiais, etc.

3) Precedentes obrigatórios - Precendentes obrigatórios ou também uniformização de jurisprudência é a padronização na forma de julgar dos tribunais. Claro que no direito tudo "depende", mas há casos em que a forma de julgar é padrão, possuem jurisprudência pacificada nos tribunais superiores. Os precedentes obrigatórios ajudam a atenuar o uso excessivo de recursos aqui e ali, que mais contribuem para retardar causas do que trazer novos elementos para o processo.

4) Melhorar as indicações para o STF. As nomeações devem continuar sendo de forma política - na minha visão -, mas dentro de uma diretriz de governo. Isso auxiliaria o governo a nomear candidatos alinhados com o programa de governo (PPA, projetos políticos, melhoria no sistema judicial, temas caros à esquerda como aborto, casamento entre pessoas do mesmo gênero, etc). Isso não significa que o ministro escolhido deve engavetar tudo que for contra o governo ou votar tudo que for a favor, mas apreciar, dentro dessa diretriz, a constitucionalidade de leis, projetos e temas afetos ao governo. Ajuda a organizar o protagonismo do judiciário e a separação dos poderes, sem que isso fuja do controle, como acontece atualmente.

5) Um critério para nomear o ministro do STF deveria ser o Estado de origem (critério geográfico ou critério do nascimento). Se um Estado foi contemplado com a nomeação de algum ministro, na próxima vacância ele não poderia concorrer ao pleito. Em termos geográficos, hoje temos a seguinte configuração no STF: Celso de Mello (SP); Marco Aurélio de Mello (RJ); Gilmar Mendes (MT); Joaquim Barbosa (MG); Ricardo Lewandowski (RJ); Carmen Lúcia (MG); Rosa Weber (RS); Dias Toffoli (SP); Teori Zavascki (SC) e Luiz Fux (RJ). Nesse critério, havendo a aposentadoria de algum ministro (Exemplo: Celso de Mello), a Presidenta deveria nomear ministro de um Estado diferente dos que já tem nomeados. Sendo assim, RJ, SP, MT, MG, SC e RS já estariam fora. Percebam que não há nenhum ministro que represente o Nordeste ou a Região Norte. Temos apenas o GM representando (e mal) o Centro-Oeste.

6) Estabelecer mandato para os ministros dos Tribunais Superiores e do STF - Os ministros dos Tribunais Superiores deveriam ter mandato, por se tratarem de cargo de natureza política, cujo acesso se dá pela nomeação. Como a indicação se dá pela Presidência da República, o mandato deveria ser compatível com o do chefe do Executivo - 4 anos. Na pior das hipóteses, seria admitida, caso o presidente fosse reeleito, a recondução por mais 4 anos, totalizando 8 anos. Depois disso, o ministro sairia do cargo e voltaria ao tribunal de origem.

 

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-problemas-da-justica