Não sabendo que era impossível, foi lá e fez

Não sabendo que era impossível, foi lá e fez

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    Não sabendo que era impossível, foi lá e fez

    Claudia Laitano
     


    Je Vous Salue, Marie, de Jean-Luc Godard, foi o último filme a ser censurado no Brasil antes da redemocratização. A censura já andava em desuso em 1985, mas Sarney, que não era assim tão fanático por democracia, acabou cedendo à pressão da Igreja e proibiu a exibição no país do filme que mostra Maria de uma forma não muito católica.


    No ano seguinte, viajei para os Estados Unidos para estudar e trabalhar, e o primeiro filme a que quis assistir no cinema, claro, foi o proibidão do Godard. Na frente do cinema, em San Francisco como em outras cidades do mundo, havia uma pequena manifestação de católicos protestando contra a exibição do filme. Menos do que o protesto em si, o que me chamou a atenção foi o modelo da manifestação: um grupo muito ordeiro de pessoas portando cartazes e andando em círculos, praticamente em silêncio.



    Minha experiência com manifestações públicas não era grandes coisas, mas aquela ali era diferente de tudo o que eu já tinha visto. Da perspectiva de uma brasileira, manifestantes silenciosos e organizados pareciam contradizer a própria ideia de protesto, que deveria ser barulhento, apaixonadamente engajado, emocionante. Nos meses seguintes, assisti a várias manifestações naqueles moldes em San Francisco, e pelas mais diferentes causas – de prosaicas questões locais aos grandes debates da política internacional da época. E aquilo acabou me ensinando mais sobre a democracia americana do que qualquer coisa que eu tenha lido a respeito antes ou depois.



    Passeatas silenciosas e organizadas não combinam muito com o nosso temperamento e talvez sejam o produto de anos de prática e exercício da cidadania fora dos dias de eleição (que nos EUA nem sequer é direta ou obrigatória). Mesmo não tendo chegado a esse estágio fleumático da democracia, é preciso celebrar cada oportunidade em que o debate de temas de interesse coletivo sai da mesa do bar ou da rede social para fazer-se ouvir na arena pública.



    Brasileiros são excepcionais na solidariedade no varejo, na mobilização para ajudar vítimas de grandes tragédias ou o vizinho que está com problemas, mas ainda são lentos na hora de se unir em torno de causas comuns. Exemplos como as passeatas pelas Diretas Já (derrotadas) ou as manifestações pelo impeachment de Collor (vitoriosas) são tão poucos, que foram parar nos livros de História.



    Esses meninos que coloriram o centro da cidade nos últimos dias, com alguma algazarra e muito idealismo, devem ser saudados não apenas porque conseguiram, afinal, reverter o aumento das passagens de ônibus, mas porque levantaram do computador e foram para a rua defender uma causa coletiva.



    Isso não deveria ser ameaça para ninguém. Pelo contrário. Deveria inspirar os mais velhos a serem menos preguiçosos e a voltarem a acreditar que a política é importante demais para ser feita apenas pelos políticos.



    * A frase que dá título a esta coluna é atribuída ao escritor francês Jean Cocteau (1889-1963).


    Zero Hora




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