A suposta “turma socialista”
A suposta “turma socialista”
Rodrigo Cardia
Recebi mais um texto daqueles que classifico como “correntes”. Só que este é diferente: mais bem escrito, elaborado, sem exalar aquele ódio comum aos que recebo mais frequentemente. Mas ainda assim, não podia ficar sem resposta.
Vamos a ele, então:
Um professor de economia em uma universidade americana disse que nunca havia reprovado um só aluno, até que certa vez reprovou uma classe inteira.
Esta classe em particular havia insistido que o socialismo realmente funcionava: com um governo assistencialista intermediando a riqueza ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e justo.
O professor então disse, “Ok, vamos fazer um experimento socialista nesta classe. Ao invés de dinheiro, usaremos suas notas nas provas.” Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e portanto seriam ‘justas’. Todos receberão as mesmas notas, o que significa que em teoria ninguém será reprovado, assim como também ninguém receberá um “A”.
Após calculada a média da primeira prova todos receberam “B”. Quem estudou com dedicação ficou indignado, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com o resultado.
Quando a segunda prova foi aplicada, os preguiçosos estudaram ainda menos – eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma. Já aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que eles também se aproveitariam do trem da alegria das notas. Como um resultado, a segunda média das provas foi “D”. Ninguém gostou.
Depois da terceira prova, a média geral foi um “F”. As notas não voltaram a patamares mais altos mas as desavenças entre os alunos, buscas por culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela classe. A busca por ‘justiça’ dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma. No final das contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar o resto da sala. Portanto, todos os alunos repetiram aquela disciplina… Para sua total surpresa.
O professor explicou: “o experimento socialista falhou porque quando a recompensa é grande o esforço pelo sucesso individual é grande. Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros para dar aos que não batalharam por elas, então ninguém mais vai tentar ou querer fazer seu melhor. Tão simples quanto isso.”
1. Você não pode levar o mais pobre à prosperidade apenas tirando a prosperidade do mais rico;
2. Para cada um recebendo sem ter de trabalhar, há uma pessoa trabalhando sem receber;
3. O governo não consegue dar nada a ninguém sem que tenha tomado de outra pessoa;
4. Ao contrário do conhecimento, é impossível multiplicar a riqueza tentando dividí-la;
5. Quando metade da população entende a idéia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação.
Em primeiro lugar, nos atenhamos ao “um professor de economia em uma universidade americana”. Qual é o nome do professor? De qual universidade ele é? O fato do texto não passar tais informações me faz pensar que muito provavelmente tal “experimento socialista” jamais aconteceu. Basta lembrar que o “experimento nazista” relatado no filme “A Onda” não foi ideia “de um professor de História em um colégio nos Estados Unidos”: o professor se chamava Ron Jones, e a escola era a Cubberley High School, em Palo Alto, Califórnia. Mas, vamos dar ao texto o benefício da dúvida e supor que o experimento realmente aconteceu – afinal, o mais importante é contra-argumentar.
Os alunos acreditavam, como o texto mostra, que basta o Estado redistribuir a riqueza e criar uma sociedade igualitária para que haja socialismo. Nada mais errado. Afinal de contas, socialismo não é simplesmente todos ganharem o mesmo: é preciso dar a todos as mesmas oportunidades de seguirem seus caminhos (o que, bem sabemos, não existe em uma sociedade como a nossa). Mas de nada adiantará todos todos termos “o mesmo ponto de partida”, se o individualismo continuar a ser mais importante que a solidariedade, como aconteceu na turma: as notas foram “coletivizadas”, mas os alunos continuaram a agir “cada um por si”, sem ajudarem uns aos outros, mesmo sabendo que tal atitude prejudicaria a todos – se todos tirassem “A”, a nota da turma seria “A”. (Daí a importância da educação, que jamais será neutra: o sonho dos reacinhas de plantão que reclamam da “partidarização” do ensino é que os professores apenas “preparem os alunos para o mercado” – ou seja, uma educação voltada para a manutenção do status quo.)
O professor (que, como já deu para perceber, não era socialista), em resposta aos alunos que acreditavam saber o que é socialismo, decidiu fazer o experimento com as notas das provas. Em primeiro lugar, sou da opinião que provas não medem o conhecimento de ninguém (quem nunca se ferrou numa prova para a qual tinha estudado um monte?). Em segundo lugar, lembro que já me aconteceu num final de ano no colégio de estar passado em uma matéria (provavelmente matemática) e um colega precisar de muita nota para passar: eu queria poder passar um pouco de meus pontos para ele não ter tanta dificuldade. Mas não podia, pois isso seria um estímulo para o cara “continuar não estudando” (quando na verdade eu é que quase não estudava, por ter menos dificuldade para compreender a matéria; já o colega “se matava” de tanto estudar e ainda assim ia mal).
O “experimento socialista” do professor demonstrou que “o socialismo não funciona”. O motivo foi muito simples: ele foi feito para isso. Pois como eu disse, socialismo não é simplesmente “redistribuir riqueza”, e foi apenas isso que o professor procurou fazer.
Sem contar que ele cometeu um erro crasso: usou um bem “infinito” (a soma da nota das provas) para demonstrar o “fracasso” da distribuição equitativa de bens finitos (recursos materiais). A riqueza de um país pode variar pelos mais diversos motivos (crises econômicas, aumento ou redução de importações e exportações etc.), mas é finita. E se pensarmos em termos globais (ou seja, na riqueza do mundo), fica ainda mais fácil entender, visto que não temos relações comerciais com outros planetas.
Um exemplo simples: um hipotético grupo de dez pessoas, isolado do resto do mundo, possui um
total de cem pedras (não sendo possível encontrar mais) e elas foram distribuídas de forma igualitária (ou seja, dez para cada pessoa); é impossível que todos os membros do grupo possam ter mais pedras ao mesmo tempo, pois para que um deles tenha, digamos, doze pedras, a “riqueza” somada dos nove restantes deverá diminuir em duas pedras; e para que uma das pessoas tenha o máximo (ou seja, cem pedras), o restante terá de ficar sem nada. Bem diferente das notas das provas: uma grande quantidade de notas baixas em uma sala não necessariamente significa que uma minoria tire notas absurdamente altas; sem contar que o próprio texto indica que o professor “jamais havia reprovado nenhum aluno”, sinal de que é perfeitamente possível que todos tirem boas notas ao mesmo tempo, o que não acontece com a riqueza.
Agora, vou responder aos cinco tópicos que estão no final do texto.
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Tirar a prosperidade do mais rico não significa levar o pobre à prosperidade, fato. Afinal, ela pode ser repassada ao segundo mais rico… Mas é impossível os pobres serem menos pobres sem os ricos serem menos ricos, justamente porque a riqueza é finita;
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Para cada um recebendo sem trabalhar, há alguém trabalhando sem receber – ou recebendo muito pouco. Exato: quem compra ações que se valorizam na Bolsa de Valores ou ganha na loteria, recebe (muito) dinheiro sem derramar uma gota de suor;
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O governo não consegue dar nada a ninguém sem que tenha tomado de outra pessoa. E é exatamente o que tem de fazer: tirar de quem tem muito e repassar aos que têm pouco, para reduzir a desigualdade;
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Ao contrário do conhecimento, é impossível multiplicar a riqueza tentando dividi-la – prova do erro crasso cometido pelo professor. O conhecimento não tem limites e precisa ser multiplicado, enquanto que a riqueza é finita e por isso, tem de ser dividida;
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Me digam algum país onde metade da população possa se dar ao luxo de não trabalhar. Brasil? Só se quiserem fazer com que eu tenha um ataque de riso: o Bolsa Família, por exemplo, é apenas ajuda, muito abaixo do salário mínimo – se ouvirem falar de alguém que largou o emprego para “viver” do Bolsa Família, podem ter certeza de que tal pessoa trabalhava por um salário de fome.
Por fim: o “socialismo” do professor falhou, como ele queria. Também falharam os socialismos da União Soviética e vários outros inspirados nela, pelos mais variados erros – autoritarismo, burocratização excessiva etc. Porém, isso não quer dizer que o socialismo esteja fadado a jamais dar certo: em “Era dos Extremos”, Eric Hobsbawm diz que “o fracasso do socialismo soviético não se reflete sobre a possibilidade de outros tipos de socialismo”. Ou seja, para usar um ditado bem popular, podemos dizer que o professor calçou “salto alto”: talvez não leve um tombo em vida, mas isso poderá acontecer com quem o imitar.
http://www.sul21.com.br/blogs/caouivador/2013/03/17/a-suposta-turma-socialista/#more-12342