Filosofia, educação e realidade invertida

Filosofia, educação e realidade invertida

 

Filosofia, educação e realidade invertida: o que importa?
Ediane Soares Barbosa

 

O que de fato importa: questionar as invenções tecnológicas que não contribuem para a melhoria da educação ou enfatizar a autonomia como princípio fundamental no processo de aprendizado?

Numa das minhas manhãs de ócio desse mês de janeiro liguei a TV e me deparei com um programa que debatia sobre a questão de uso de chips, em uniformes de estudantes, para que os pais pudessem controlar a frequência dos filhos na escola. A questão era saber se é ou não eficiente o uso do chip ou se não seria o caso da escola tornar-se mais atraente para garantir a presença dos alunos espontaneamente, ou se não deveriam os pais procurar ter uma relação de mais confiança com seus filhos. Confesso que diante da dinâmica do debate proposto pelo programa não me senti muito convidada a pensar sobre o tema, porém, o assunto me fez recordar um pouco sobre a minha experiência como estudante e como professora.

Como estudante lembro-me da fardinha azul do primeiro colégio, da fardinha quadriculada cor-de-rosa de outro, dos passeios divertidos, do perseguidor apelido de "quatro olhos" de todas as séries, dos pequenos dramas, medos, broncas etc. Mais tarde da frustração de não passar nos primeiros vestibulares (para nível técnico e superior), da recuperação em matemática, das reuniões de pais, da sensação de que a minha escola era inferior às demais, porque era pública e mal falada, dos amigos que fiz e das boas experiências que vivi.

Depois que entrei para a universidade pude avaliar que aproveitei bem meu tempo de escola e me recordo de muitos dos professores que marcaram esse tempo, que me incentivaram, que me desafiaram e que, de fato, exerceram bem sua profissão. Assim como também me lembro de quando chegava em casa e minha mãe (ou minha avó) questionava o horário que eu estava chegando, quando não correspondia com o horário de saída daquele dia, e quando ela ia no colégio conversar com os professores sobre as minhas notas, dizendo para estes que podiam "botar quente”, que a minha obrigação era estudar.

No curso de filosofia optei pela modalidade licenciatura. Não simplesmente porque tinha o grande sonho de dar aulas de filosofia ou por amor a esta profissão, mas, a princípio, por ser este o caminho mais "fácil" de se seguir no mercado de trabalho dessa área (tal assunto renderia uma longa história). Quando fui bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) pude estagiar em uma das maiores escolas públicas de ensino médio em Fortaleza, o Liceu de Messejana. E na mesma época tive a minha primeira experiência como professora efetiva em uma escola particular do mesmo bairro. E foi especificamente disso que lembrei, quando vi o tal debate que citei anteriormente. Não porque em alguma dessas escolas existissem pais querendo colocar chips em seus filhos para monitora-los, mas pelos questionamentos que eu me fazia sobre com o que devemos nos preocupar quando tratamos da educação no Brasil.

Uma das coisas que os participantes do programa frisavam era a diferença entre as escolas públicas e particulares e sobre a implantação do tempo integral em ambas. Questionavam também sobre a segurança nas escolas, os métodos de ensino, os atrativos e motivações para que os alunos gostem de ir à escola etc. Não pretendo aqui me aprofundar sobre este debate, mas apenas relatar alguns fatos dos quais me recordei nessa minha breve experiência.

Na escola particular onde ensinava em turmas do ensino fundamental, e tinha um contato parcial com as turmas de ensino médio, pude perceber vários tipos de relação, tanto dos alunos com a escola e com os professores, e vice versa, como a relação dos pais com a comunidade escolar e em particular com seus filhos. Enfim, embora a proposta da escola fosse bem mercadológica e moralizante, nela pude perceber uma diversidade de fatores que compõe a educação. Ou seja, que não é apenas o professor o responsável pela missão de educar os jovens e que, tampouco, a escola é o único espaço privilegiado de se educar uma pessoa. A escola é um lugar de exercício educacional, aprendizado, convivência, mas sozinha ela não é capaz de ser eficiente.

Foi aí que tive a minha primeira frustração profissional, quando tive de ouvir de um aluno, depois de chamar sua atenção porque ele brincava com seu celular durante a aula, "essa professora depois num sabe por que foi demitida". Naquele momento decidi apenas encerrar o ano letivo nessa escola e pedir demissão. Não porque o estudante tivesse esse mérito, ao me "afrontar" tão "violentamente”. Mas porque o posicionamento da escola alimenta esse tipo de manifestação. E porque, nesse caso, o maior violentado é o próprio aluno e eu não poderia compactuar com isso nem tinha condições, naquele momento e contexto, de transformar essa realidade.

Por outro lado, as atividades na outra escola, pelo PIBID, tomavam um rumo completamente diferente. Acompanhava algumas turmas durante as aulas de filosofia e realizava junto com outros colegas, do mesmo programa, atividades interdisciplinares em contraturno. Ficamos muito surpresos com a grande procura dos alunos pelas atividades e aos poucos fomos vendo que os motivos para tal procura eram os mais diversos. Iam para paquerar, porque queriam fazer algo diferente na escola, para faltar aula, porque estavam em casa sem fazer nada, porque às vezes tinha lanche etc.

Nessa ocasião tive meu primeiro encantamento pela profissão que escolhi. Não por ter uma visão romântica da escola pública, mas porque mesmo não tendo o privilégio de perceber as relações todas que formam o processo educativo (a presença dos pais ou responsáveis nessa escola era raridade), pude ter um contato mais humano com os principais agentes deste processo, os próprios estudantes e os seus pontos de vista, defeitos, qualidades, desejos, enfim, suas experiências reais. Não foi um mar de rosas, nem tampouco eu tinha condições de mudar muito das coisas que achava errado.

Não quero dizer que uma experiência tenha sido melhor ou mais válida que a outra. Ambos os modelos apresentam limitações e não representam o que seria a "escola ideal”, afinal, o modelo de escola que temos não dialoga com a real necessidade da nossa sociedade. Porém, são nestas escolas que nossa profissão se efetiva, não como salvadores da pátria ou únicos responsáveis pelo nosso sucesso ou fracasso, mas como mediadores da relação que deve haver entre o que chamamos de comunidade escolar e os principais personagens dessa história: os estudantes.

Na primeira experiência optei por não bater de frente com esse sistema mercantilista adotado pela maioria das escolas particulares, pois penso que enquanto meus colegas se submeterem a essa lógica, como a maioria faz, nada poderá ser transformado. Não nego a possibilidade de atuar novamente na rede privada, e com certeza terei muito mais bagagem para lidar com certas situações. Já na experiência com o Liceu, pude perceber o que de fato me cabe como professora de filosofia: ver a educação como real questão filosófica convivendo com os estudantes, seus aprendizados e ensinamentos sem limitar-me ao que é imposto como função "pedagógica”.

Ediane Soares Barbosa
Licenciada em filosofia e mestranda do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Ceará – UFC

 

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=73216




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