ELEIÇÃO CONSTRANGEDORA
ELEIÇÃO CONSTRANGEDORA
A política tem a virtude de corrigir injustiças e promover reabilitações, mas apresenta também sua outra face mais sombria quando a imagem recuperada é o que existe de pior em qualquer democracia. É o que se configura com a eleição do senador Renan Calheiros para a presidência do Senado. Calheiros é uma figura que não deveria ter, pelo histórico como político, uma nova chance de comandar a mais alta casa legislativa do país. É absurda a situação em que o novo presidente da Casa poderá ser, ao mesmo tempo, seu gestor e réu em processo baseado em denúncias que o procurador-geral da República encaminhou ao Supremo, nas quais o senador alagoano é acusado dos crimes de falsidade ideológica, peculato e uso de documentos falsos.
Os senadores elegeram Calheiros, apesar do anunciado constrangimento que enfrentariam. Esperava-se, após o julgamento do mensalão, que o Congresso adotasse algumas providências no sentido de moralizar suas atividades. Não há como esperar mudança de atitude com a decisão tomada ontem, quando Calheiros obteve ampla maioria para assumir a presidência. Lembremos que o senador já desempenhou o cargo, ao qual foi obrigado a renunciar em 2007, depois de denúncias feitas pela imprensa de que recebia mesadas de uma empreiteira para pagar a pensão alimentícia de uma filha. Calheiros ainda tentou se defender, alegando que ganhara muito dinheiro com lucros fantásticos na venda de gado, mas foi obrigado a desistir. As notas fiscais do tal negócio eram frias, como consta da denúncia do procurador-geral encaminhada ao STF.
Mesmo assim, o político conseguiu ser reeleito, em 2010, e agora foi consagrado pelos próprios colegas. Obteve 56 votos, derrotando com facilidade Pedro Taques (PDT-MT). A estratégia que o reconduziu à presidência é a repetição de práticas condenáveis da política. Calheiros distribuiu cargos, para obter apoios, mas esse clientelismo não basta para explicar o que ocorreu ontem. O novo presidente tem a admiração e a solidariedade de quase todos os partidos – ou não teria obtido votação tão expressiva –, porque sempre assumiu posições corporativas em defesa de colegas sob investigação. Foi assim que contribuiu de forma decisiva para que a CPI do Cachoeira, que investigava o bicheiro, se transformasse numa sindicância tão confusa, que não resultou em nada.
Calheiros é a expressão de todas as mazelas da política. Foi eleito e, é claro, tem o direito de exercer seu mandato. Foi escolhido ontem para a liderança da Casa e será empossado. Mas não há como aceitar sem questionamentos o fato de que teve o apoio maciço dos colegas, apesar de todas as denúncias que pesam contra ele. Por esse ato, o Congresso poderá, ainda este ano, enfrentar uma situação ainda mais complexa do que a provocada pelas condenações do mensalão. Calheiros, se condenado pelo Supremo, poderá ser julgado pelo próprio Legislativo que o transformou em líder. Estaremos, mais uma vez, diante da vergonha de ver o Senado, e não só seu presidente, sendo julgado por seus atos.
Editorial ZH 02/2/13