inconstitucionalidades da Escola sem Partido

inconstitucionalidades da Escola sem Partido

Uma resposta a Miguel Nagib: idealizador do Escola sem Partido

Othoniel Pinheiro Neto. Doutor em Direito pela UFBA. Mestre em Direito pela UFAL e Professor de Direito Constitucional.

Em palestra proferida por mim no dia 24 de junho de 2016 na PUC de São Paulo, foram apontadas diversas inconstitucionalidades dos projetos de lei Escola sem Partido. São inconstitucionalidades materiais (de conteúdo) e formais (decorrentes da afronta à iniciativa do Chefe do Poder Executivo).

No entanto, o presente texto surge em resposta ao artigo publicado pelo ConJur e elaborado pelo idealizador do Escola sem Partido.

Quem leu o artigo escrito pelo Procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, publicado no Conjur em 24 de junho de 2016 e intitulado “Liberdade de ensinar não se confunde com a liberdade de expressão” corre o risco de não compreender absolutamente nada daquilo que realmente está em discussão na Câmara dos Deputados e em muitas Casas Legislativas do Brasil.

Realmente, o discurso unificado dos defensores do Escola sem Partido jamais focou naquilo que realmente está em debate: o teor do projeto.

Creio que todos são contra os maus professores, que desvirtuam o seu papel em sala de aula para fazer campanha política. Todavia, os protestos contra o Escola sem Partido recaem no caráter excessivo e invasivo da proposta legislativa.

No que diz respeito ao artigo publicado pelo Procurador, há uma passagem equivocada que afirma que o “principal objetivo” da proposta legislativa seria a afixação de um determinado cartaz contendo os deveres do professor. Em verdade, não há objetivo específico principal nas propostas. Há sim, inúmeras imposições excessivas e arbitrárias (inconstitucionais) à liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II da Constituição Federal).

Ainda no artigo publicado, o ilustre Procurador tenta desvirtuar o discurso ao focar sua retórica em supostos equívocos de alguns juristas que alegam que o Escola sem Partido agride exclusivamente a liberdade de expressão, que poderia, na visão dele, fazer com que o professor deixasse seu papel obrigatório de lecionar, para fazer o que quiser em sala de aula ou até mesmo calar-se. Ora, será que o professor não possui obrigações funcionais?

O ilustre Procurador também insiste em construir uma imagem do professor como um sujeito que possui o controle total da consciência e da crença dos alunos, a ponto de chegar a mencionar que:

Por isso, reconhecer ao professor o direito à liberdade de expressão dentro da sala de aula equivale a reconhecer-lhe o direito de obrigar seus alunos a ouvi-lo falar e opinar sobre qualquer assunto. De novo, não é preciso ser um luminar do Direito para concluir que, se isso fosse possível, a liberdade de consciência e de crença dos alunos seria letra morta[1].

Em seguida, o ilustre Procurador tenta diminuir a envergadura constitucional da liberdade de ensinar, que surgiu justamente para proteger o ensino brasileiro de investidas de governos totalitários e de medidas arbitrárias decorrentes do excesso de poder do legislador, que, ao tentar restringir os direitos fundamentais, adota medidas desproporcionais, como as elencadas nos projetos Escola sem Partido.

É justamente nesse ponto que se vislumbra o aspecto principal dos projetos de lei Escola sem Partido: na ponderação dos bens constitucionais em jogo, que envolve a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II da Constituição Federal) e a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI), as medidas apresentadas pelo Escola sem Partido são arbitrárias, não-razoáveis, excessivas e, consequentemente, inconstitucionais.

Na tipificação das infrações, o emprego de termos de impossível realização como “neutralidade” e termos com conteúdo abertos e vagos como “prática de doutrinação”, “abusar da inexperiência”, “educação moral”, entre outros, afronta o devido processo legal, à medida que outorga à autoridade processante um demasiado poder para capitular quaisquer condutas do professor como violações a esses preceitos. Além disso, sujeita o professor à ameaça constante de ser processado por quaisquer coisas ditas em sala de aula ante à subjetividade dos termos e expressões empregadas na lei.

Assim, ao trazer normas com conteúdos abertos e indeterminados, há violação ao princípio da proporcionalidade, uma vez que o legislador avança em seu poder de legislar para restringir, de forma demasiada e a ponto de esvaziá-lo, o direito consubstanciado no art. 206, II da Constituição Federal, que garante a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.

De fato, os conteúdos de tais normas restringem de forma desproporcional a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 205, II), pondo os agentes estatais de ensino em posições delicadas ante às diversas interpretações e falhas humanas de terceiros, que terão direito de abrir processos e exigir punições em caso de ausência dessa indecifrável “neutralidade”, da suposta “prática de doutrinação” e do “induzimento”, bem como ter o direito de fazer interferências de toda ordem no desenvolvimento da pesquisa (seara protegida constitucionalmente).

Importante esclarecer que no sistema constitucional, é possível a restrição à direito fundamental, mas essa restrição não poderia vir, como foi o caso, por meio de termos abertos e indeterminados, sob pena de resultar em arbitrariedades e agressão ao devido processo legal.

Diante disso, dada a existência de outras medidas menos lesivas que podem ser suficientes para tutelar os maus professores, percebe-se que o Escola sem Partido é desproporcional.

Esse excesso de poder legislativo está bem retratado nas lições de Gilmar Ferreira Mendes[2]:

O excesso de poder como manifestação de inconstitucionalidade configura afirmação da censura judicial no âmbito da discricionariedade legislativa ou, como assente na doutrina alemã, na esfera de liberdade de conformação do legislador (gesetzgeberische Gestaltungsfreiheit).

(…)

A doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso (Verhältnismässigkeitsprinzip; Übermassverbot), que se revela mediante contraditoriedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins. No Direito Constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) ou ao princípio da proibição de excesso (Übermassverbot) qualidade de norma constitucional não-escrita, derivada do Estado de Direito.

A utilização do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso no Direito constitucional envolve, como observado, a apreciação da necessidade (Erforderlichkeit) e adequação (Geeignetheit) da providência legislativa.

Prossegue Gilmar Ferreira Mendes aduzindo que:

Uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz oBundesverfassungsgericht, se se puder constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos lesivas.

Por isso, o caráter excessivo da lei direcionado à restrição de determinado direito constitucional padece do vício da inconstitucionalidade pelo excesso de poder legislativo, observado ante a violação do princípio da proporcionalidade. No caso, o excesso de poder legislativo vai de encontro aos limites traçados pelo próprio ordenamento constitucional, restringido, além do permitido, determinados direitos fundamentais.

É justamente nesse conflito de valores, que a técnica da ponderação não pode causar o esvaziamento de um dos interesses em jogo. Nesse sentido, leciona Luís Roberto Barroso:

O legislador não pode, arbitrariamente, escolher um dos interesses em jogo e anular o outro, sob pena de violar o texto constitucional. Seus balizamentos devem ser o princípio da razoabilidade e a preservação, tanto quanto possível, do núcleo mínimo do valor que esteja cedendo passo. Não há, aqui, superioridade formal de qualquer dos princípios em tensão, mas a simples determinação da solução que melhor atende ao ideário constitucional na situação apreciada[3].

Assim, essas normas do Escola sem Partido podem levar a um sério comprometimento dos trabalhos escolares, dos grupos de pesquisa nas universidades, das análises científicas e das demais pesquisas no âmbito do sistema de ensino, uma vez que deixará ao alvedrio do pai de aluno e da autoridade responsável em aplicar a punição, escolher quais são os conteúdos tratados nas escolas e nas universidades que podem estar passíveis de restrição, uma vez que a lei não o fez. Portanto, essa ameaça direcionada ao professor, que fará com que o mesmo tenha medo de levar determinados assuntos em sala de aula, além de ser desnecessária, fere de morte o progresso da ciência, da sociedade e da educação no Brasil.

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[1] NAGIB, Miguel. Liberdade de ensinar não se confunde com a liberdade de expressão. CONJUR. 24 jun. 2016. Disponível aqui. Acesso em: 08 jul. 2016. (link alternativo)

[2] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 46-49.

[3] BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In:  BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 32-33.

 

https://contraoescolasempartidoblog.wordpress.com/2016/07/08/uma-resposta-a-miguel-nagib-idealizador-do-escola-sem-partido/




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