Hoje eu quero voltar sozinho
CALCADO NA SUTILEZA, HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO, DÁ UM TAPA NA CARA DA SOCIEDADE
Hoje eu quero voltar sozinho, não é um filme sobre homossexualismo, ele trata do ser humano e a relação do mesmo com o amor, não estereotipa, não define um padrão, ele simplesmente satisfaz o espectador pela simplicidade e delicadeza incomparáveis, ele da um tapa bem dado daqueles de deixar vergão indisfarçável, no preconceito. Mas tudo isso com engenhosidade e argucia raramente vistas, ele é simplesmente impecável.
“Nem todo amor acontece à primeira vista”
(Hoje eu quero voltar sozinho)
Derivado de um curta-metragem, Hoje eu quero voltar sozinho, aborda um tema universal, (a descoberta do primeiro amor), aplicando a ele características particulares: amizades adolescentes, homossexualismo, primeiro beijo e deficiência. Calcado na sutileza e numa interpretação sem estereótipos ele dá um tapa na cara da sociedade ao abordar questões fortes de maneira natural.
O protagonista do filme, Leonardo (Guilherme Lobo) é maior que qualquer arquétipo social, ele não e visto como o “garoto cego” ou o “garoto gay”, as dificuldades encontradas por ele são tratadas como metáforas para tratar dos conflitos de qualquer adolescente em crise, daí mais um mérito ao filme, tratar as particularidades do protagonista como trataria as especificidades de qualquer adolescente.
O diretor, Daniel Ribeiro, em seu roteiro ultrapassa qualquer relato cinematográfico sobre a autodescoberta e salta ao próximo passo, a autoafirmação.
O que pode ser percebido ao longo do filme, é um garoto cego totalmente incluso no meio onde vive, estudando em uma escola, junto com alunos sem deficiência alguma, indo e vindo para casa com a melhor amiga Giovana (Tess Amorim), não existe um baque da chegada do garoto a escola nem da descoberta do próprio Leonardo de seu desejo por homens, a história contada está anos luz a frente dessa fase.
Gabriel, (Fabio Audi), o grande amor de Leo aparece logo na primeira cena, convenientemente senta-se atrás dele, este roteiro é romântico, chegando até à ser ingênuo, com a sua preocupação de garantir a cada personagem a sua devida parcela de amor.
As cenas em que Leo não está vendo algo específico, e a gente vê que ele não esta vendo, funcionam muito bem causando em quem assiste reações. A vontade mais eloquente que nos dá um alguns momentos é emprestar os nossos olhos a ele, mas é justamente o oposto que o filme faz, ele nos faz ver o mundo na perspectiva do protagonista, (grande acerto).
A fotografia do filme é primorosa, doce e sutil, aliada a uma trilha sonora impecável, singela e nunca ostensiva. Nenhuma cena pretende chocar o espectador, muito pelo contrario, é uma obra muito agradável de assistir. Fica apenas um aviso para aqueles que ficam ofendidos com beijo-gay em novelas, dificilmente encontrarão uma cena mais natural do que o selinho entre os dois garotos.
Vale lembrar que o filme se passa num imaginário branco, urbano, de classe média alta, no qual adolescentes não pensam em fugir de casa, (apenas fazer intercambio financiado pelos pais), e isso não agrada muito aos espectadores mais engajados nas representações das minorias, fazendo com que eles fiquem pouco satisfeitos com essa visão romântica do funcionamento social.
O desejo sexual, é retratado de maneira pudica, com a edição cortando a cena no momento em que sugere-se uma ereção ou uma masturbação. Não é justo cobrar de Hoje eu Quero Voltar Sozinho uma coisa que ele não pretende mostrar, não se trata de um filme sociológico, na verdade ele é um retrato intimista de uma tendência universal, contada sob o ponto de vista de Ribeiro.
Se a sexualidade de Leo foi aflorada com a chegada de Gabriel, o roteiro reflete o acontecimento do amor na sua forma mais pura (alias o que define o filme é o amor), que poderia ser entre dois meninos, duas meninas ou um casal heterossexual, um dos maiores acertos do longa é tratar dessa fase sem levantar bandeiras, o que poderia perder toda a doçura que vem desde o curta metragem, é sempre bom ver um pouco de doçura e inocência no cinema, (chega de tanta coisa violenta), em um filme independente que ao contrario do que alguns pensam não é feito para um nicho especifico de publico. Histórias de amor serão sempre história de amor, e as boas merecem ser vistas por todos. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, também serve de acalento para adolescentes que podem se sentir “diferentes ou inadequados” por sua condição física ou orientação sexual.
Tão bom quanto a introdução e o desenrolar da história é o desfecho, é o tipo e cena que dificilmente irá sair da cabeça das pessoas, e não estou nem falando de beijo-gay ou algo de dramático, a cena final consegue ser delicada e ao mesmo tempo forte.
O tom deste “doutor” romance, é de ternura e cumplicidade, muitos romances gays, são pejorativamente chamados de “delicados”, mas a este caso o termo se aplica sem conotação negativa, o filme certamente consegue fazer um belo tratado de afetos, sejam eles entre amigos, pais e filhos, dois homens ou duas mulheres.
Hoje eu quero voltar sozinho, não é um filme sobre homossexualismo, ele trata do ser humano e a relação do mesmo com o amor, não estereotipa, não define um padrão, ele simplesmente satisfaz o espectador pela simplicidade e delicadeza incomparáveis, ele da um tapa bem dado daqueles de deixar vergão indisfarçável, no preconceito. Mas tudo isso com engenhosidade e argucia raramente vistas, ele é simplesmente impecável.
Hoje eu quero voltar sozinho, consegue ser jovem sem ser bobo, polemico sem ser pesado, e sensível sem ser careta. Da vontade de ver de novo.
Como dizia uma publicação que eu li, “se você viu o curta, vai amar o longa, se você não viu o curta, vai amar o longa da mesma forma”. Este é um momento oportuno para sair da mesmice do cinema nacional.