Greve prejudica?

Greve prejudica?

Greve é sempre para prejudicar

No Brasil, al­guns pro­blemas são eter­ni­zados pro­po­si­ta­da­mente, en­volvem todos os seg­mentos so­ciais, bem como todas as áreas da ad­mi­nis­tração pú­blica. Com a pa­ra­li­sação de ser­vi­dores de vá­rios se­tores da Ad­mi­nis­tração Fe­deral, torna-se obri­ga­tório voltar à dis­cussão sobre a con­cei­tu­ação de greve, que a mídia cos­tuma di­fundir para con­fundir.

Sem dú­vida, uma ma­téria muito con­tro­versa tanto para quem de­fende o di­reito ir­res­trito à greve quanto para as au­to­ri­dades go­ver­na­men­tais di­ante de li­mites or­ça­men­tá­rios e em razão de pri­o­ri­dades ad­mi­nis­tra­tivas. Em média o ser­vidor fe­deral re­cebe sa­lário ini­cial acima de R$ 4 mil reais. Qual­quer re­a­juste para um mi­lhão de ser­vi­dores gera uma des­pesa bi­li­o­nária aos co­fres pú­blicos, o que fa­ci­lita a de­fesa de que seria mais re­le­vante in­vestir esses bi­lhões na saúde pú­blica, por exemplo.

Nunca se com­provou a li­gação entre a pre­ca­ri­e­dade da saúde pú­blica e os va­lores re­ce­bidos pelos ser­vi­dores. Além disso, po­de­riam ser cor­tados gastos des­ne­ces­sá­rios ou mal apli­cados em ou­tras áreas. Um bas­tante grave é a quan­ti­dade de cargos co­mis­si­o­nados e fun­ções de con­fi­ança, nunca en­fren­tado por nin­guém e nem se­quer cri­ti­cado pela mídia.

Os va­lores as­tronô­micos pagos por alu­guéis de mi­lhares de pré­dios não se jus­ti­ficam sob quais­quer as­pectos, a não ser a ma­nu­tenção de be­nesses a al­guns pri­vi­le­gi­ados com o di­nheiro da viúva. Em pouco tempo o di­nheiro gasto em alu­guel daria para a aqui­sição dos mesmos imó­veis lo­cados ou de ou­tros nas mesmas con­di­ções. Agora é sobre a greve ou o di­reito a ela por ser­vi­dores pú­blicos que se deve dis­cutir.

Ex­pres­sa­mente a Cons­ti­tuição as­se­gura no ar­tigo nono esse di­reito aos ser­vi­dores, com­pe­tindo aos tra­ba­lha­dores de­cidir sobre a opor­tu­ni­dade de exercê-lo e sobre os in­te­resses que devam de­fender. En­tre­tanto, no pa­rá­grafo pri­meiro do mesmo ar­tigo há a res­salva de que uma lei de­veria re­gu­la­mentar esse di­reito e dispor “sobre o aten­di­mento das ne­ces­si­dades ina­diá­veis da co­mu­ni­dade”. Há pre­visão ainda da ne­ces­si­dade de se punir os abusos, uma re­dun­dância, já que abuso sempre, ab­so­lu­ta­mente sempre, deve ser pu­nido.

De­pois de 28 anos da en­trada em vigor da Cons­ti­tuição, o Con­gresso Na­ci­onal ainda não re­gu­la­mentou esse di­reito. Isso gera uma série de dis­tor­ções na de­cre­tação e con­dição de greve, na re­pressão po­li­cial, nas di­versas ame­aças dos go­vernos, no in­cons­ci­ente co­le­tivo e, prin­ci­pal­mente, nas de­ci­sões ju­di­ciais a de­fi­nirem per­cen­tuais de gre­vistas e na co­ber­tura da im­prensa.

Num pe­ríodo de greves uma sen­tença de­ter­minou o fim da ope­ração-pa­drão. Um con­tras­senso em si. Pri­meiro, porque ope­ração-pa­drão de­veria ser a regra para todo ser­viço pú­blico e não sinô­nimo de ser­viço feito de forma ade­quada, mas es­po­rá­dica. De­pois, uma sen­tença ju­di­cial a obrigar a exe­cução de um ser­viço de forma ir­re­gular e não como de­veria ser feito.

Mais grave de tudo foi a ge­ne­ra­li­zação da ideia de que as greves não podem pre­ju­dicar ter­ceiros, a po­pu­lação, que nada teria a ver entre os gre­vistas e o go­verno. Como assim? Então existe greve que não seja para pre­ju­dicar al­guém? Pela pró­pria de­fi­nição de ser­vidor pú­blico não teria como fazer greve sem pre­ju­dicar al­guém. O mesmo serve para as em­presas pri­vadas. Não existe como pre­ju­dicar di­re­ta­mente o pa­trão sem atingir os seus cli­entes, e na ad­mi­nis­tração pú­blica os prin­ci­pais in­te­res­sados são as pes­soas. Essa can­ti­lena sim­plista e in­sus­ten­tável é re­pe­tida por todos os cha­mados ana­listas po­lí­ticos. Até um sen­sato jor­na­lista, ra­di­cado em Bra­sília, re­petiu essa bi­zar­rice no te­le­jornal Bom Dia Brasil.

Não se faz uma aná­lise das perdas sa­la­riais, da perda do poder aqui­si­tivo ao longo de um pe­ríodo sem re­a­juste, das más con­di­ções de tra­balho, da falta de equi­pa­mentos ade­quados para se chegar a um po­si­ci­o­na­mento aba­li­zado sobre a le­gi­ti­mi­dade ou não de uma greve. Ficar apenas no res­trito campo da le­ga­li­dade de­nota ig­no­rância, co­mo­dismo ou má fé ou o so­ma­tório de tudo isso. Se a bar­reira da le­ga­li­dade não ti­vesse sido rom­pida, a es­cra­vidão não teria che­gado ao fim, vez que pos­suir es­cravos era am­pla­mente as­se­gu­rado por lei.

Sem a re­gu­la­men­tação do di­reito de greve, a con­fusão con­ti­nuará. Sem o en­ten­di­mento das con­di­ções que for­çaram a de­fla­gração, a im­prensa fi­cará sempre fa­vo­rável aos opres­sores, sem a lin­guagem cor­reta, a po­pu­lação será uma aliada da im­prensa no mas­sacre aos ser­vi­dores. Mesmo que ne­nhuma das dis­tor­ções ci­tadas seja cor­ri­gida, ou mesmo que todas tomem um rumo certo, nada muda a es­sência de uma greve: pre­ju­dicar al­guém. Se existir greve ine­vi­ta­vel­mente cau­sará pre­juízo à po­pu­lação.

Pedro Car­doso da Costa é Ba­charel em di­reito.   

 

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