Fusão, Kroton e Estácio
Em fusão, Kroton e Estácio tendem a ampliar educação a distância, demitir e elevar lucros
Professores temem que fusão das gigantes eleve preço das mensalidades, traga mais desvalorização profissional e reduza investimentos no ensino presencial e qualidade já inferior no setor
por Cida de Oliveira, da RBA publicado 28/07/2016
WILSON DIAS/ABR
Pelo Plano Nacional de Educação, o número de universitários deve mais que dobrar; mercado atrai interesse privado
São Paulo – A compra da Estácio pela Kroton, que tem de ser aceita pelos acionistas de ambos os conglomerados antes de ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vai unir as duas concorrentes numa negociação estimada em R$ 5,5 bilhões. Separadamente, as gigantes da educação privada já registram lucros crescentes. Juntas, tendem a elevar ainda mais os ganhos com a concentração e domínio do setor. Trabalhadores e alunos, porém, devem somar prejuízos.
A equação é simples, segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes SN). Com menos concorrência, poderão elevar os preços das mensalidades e dos materiais didáticos que comercializam. Além disso, tendem a investir mais na educação a distância, mais lucrativa, conforme já vêm fazendo.
Maior conglomerado brasileiro do setor, com mais de 1 milhão de alunos em todo o país e dona das marcas Anhanguera, Pitágoras e Unopar, entre outras, a Kroton teve lucro líquido de R$ 490 milhões no primeiro trimestre de 2015, ganho 16,9% maior que o do mesmo período do ano anterior. Foi registrado aumento de 44% na captação de pagantes, ou seja, sem recursos públicos por meio de programas de financiamento e incremento na modalidade de ensino a distância da ordem de 3%.
Esses bons resultados, conforme o próprio relatório, "vieram acompanhados de forte disciplina nas políticas de precificação e optamos por manter práticas rígidas de provisionamento e renegociação com os alunos".
Para o longo prazo, o conglomerado avisa aos acionistas que aguarda autorização do MEC para 500 novos cursos previstos para a modalidade presencial. E que em cinco anos, deve abrir 177 novos polos de educação a distância.
Sem deixar por menos, de 2014 para 2015, a Estácio aumentou seu lucro líquido em 20,5% e elevou em 15,2% seu número de alunos na graduação e pós-graduação. Com aumento de 15,2% em relação ao ano anterior, passou para 357,4 mil matrículas nos cursos presenciais e 133,2 mil no ensino a distância. O crescimento foi menor no presencial (12,1%) do que no ensino a distância (EAD, 13,8%). Com 502 mil alunos matriculados atualmente, atendidos por 9,7 mil professores e outros 6 mil colaboradores, a Estácio tem uma universidade, nove centros universitários, 38 faculdades e mais de 230 polos de educação a distância.
"Essa concentração de empresas que vendem ações nas bolsas de valores, contam com capital estrangeiro, como bancos americanos, tem levado a reação de outras instituições de ensino superior, que se unem em consórcios para continuar competindo. É a educação cada vez mais se tornando mercadoria", resume a dirigente do Andes SN Olgaíses Cabral Maués.
A rentabilidade do setor privado, conforme Olgaísis, é respaldada por programas públicos de financiamento, pelo baixo custo com folha de pagamento e com os cursos a distância e pelo pequeno investimento em pesquisa. "Essas empresas cresceram financiadas principalmente por programas como o Fies, que representa quase metade de toda a receita. E o EAD alcança muitos alunos sem professores, apenas com os tutores, usando material didático padronizado, sem respeito a especificidades, de baixo custo devido a grande quantidade", diz.
"Ao contrário das universidades federais e estaduais, que apesar de todas as dificuldades financeiras e ameaças de desmonte oferecem planos de carreira e melhores salários e condições de trabalho, na rede privada os contratos são esporádicos, frágeis. Como ficam esses professores quando se aposentam", questiona a dirigente.
"E ao contrário das públicas, que respondem por grande parte da pesquisa científica no país, praticamente não há pesquisa nas particulares. Tanto que se vê muitos centros universitários privados, e poucas universidades, que são as que têm a obrigação de pesquisar, o que é caro, exige laboratórios, professores com dedicação em tempo integral, experiência. Como pesquisar custa caro, as privadas mantêm mais pesquisa na área de humanas."
Atrativos
O tamanho e possibilidades do mercado são outro atrativo. Segundo o MEC, 74% dos estudantes universitários – o equivalente a 6 milhões de matrículas – estão na rede privada. E a demanda deve aumentar. Apenas 17% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos estão na faculdade, quando o Plano Nacional de Educação determina que esse percentual atinja 33% nos próximos oito anos, o que corresponde a 10 milhões de matrículas.
Para Olgaísis, os alunos têm consciência das limitações do ensino superior, mas são obrigados a se submeter por exigências do mercado de trabalho e também pela pouca oferta da rede pública. "A maioria desses estudantes trabalha e praticamente não há cursos noturnos nas estaduais e federais por falta de professores e demais servidores", diz.
E, segundo destaca, o cenário é desfavorável ao ensino público, com anúncio de congelamento nos investimentos. Além disso, o lobby privado está em toda parte, inclusive dentro do MEC. Órgão normativo, consultivo e deliberativo, o Conselho Nacional de Educação é hoje presidido por Gilberto Gonçalves Garcia. Ex reitor da Universidade São Francisco e atual reitor da Universidade Católica de Brasília, Garcia é um dos 11 conselheiros que compõem a Câmara de Educação Superior. Desse total, seis estão ligados a universidades privadas.