Fraude na educação
Escolas técnicas recebem máquinas superfaturadas e inúteis
Iniciativa do MEC de ensino profissionalizante é suspeita de esquema de fraudes em pregões
Uma geladeira, que nas lojas custa R$ 1,4 mil, mas pela qual foi desembolsado quase R$ 6 mil. Uma afiadora de ferramenta, de R$ 4 mil por R$ 72 mil. Uma caldeira de R$ 30 mil, que ninguém pediu, chega de surpresa em uma escola. Esses são exemplos de descontrole num programa bilionário de incentivo ao ensino profissionalizante e, também, de um esquema de fraudes nos pregões eletrônicos do governo federal. O caso foi mostrado neste domingo pelo programa Fantástico, da Rede Globo, em reportagem de Giovani Grizotti, da RBS TV.
O superfaturamento ocorre em compras do programa Brasil Profissionalizado, criado pelo Ministério da Educação em 2007 para estimular o ensino técnico no Brasil. O objetivo era construir escolas, equipá-las, garantir aulas práticas e preparar os jovens para o mercado de trabalho.
Um dos casos atinge a Escola Técnica Parobé, em Porto Alegre, a maior do Rio Grande do Sul. O curso de mecânica é pródigo em máquinas velhas, algumas com mais de 60 anos de idade.
O problema é que o Ministério da Educação (MEC) enviou ao colégio uma caldeira de vapor novinha, comprada por R$ 30.880, mas inútil.
– Não temos o curso de caldeireiro aqui. Com o dinheiro, poderíamos equipar as aulas de soldagem – reclama Fernando Alves da Silva, professor de mecânica.
Uma furadeira industrial, comprada por R$ 40 mil, chegou sem as brocas. O mesmo colégio recebeu uma afiadora de ferramentas, avaliada em R$ 4 mil, que custou ao governo R$ 72 mil. E carrinhos de mão avaliados em R$ 70 comprados por até R$ 700.
Na Escola Técnica 25 de Julho, em Ijuí, na região das Missões, uma afiadora de ferramentas, por exemplo, custou 1.100% a mais aos cofres públicos do que o preço de mercado – em vez de R$ 6 mil, foram R$ 72 mil.
– (Desse valor) na época a gente podia ter comprado, no mínimo, três tornos convencionais – avalia José Alfredo Vagner, coordenador do curso de mecânica da escola.
Procurador investiga compras do governo
Há máquinas que a escola não sabe para que servem, que não foram pedidas e vieram sem manual de instrução. As compras feitas pelo governo federal são investigadas por Osmar Veronese, procurador da República em Santo Ângelo:
– Vai além da ideia da má gestão. Eu acho que aqui nós temos indicativos de corrupção, sim.
Em Campo Erê, em Santa Catarina, o problema foi outro. O manual de instruções de uma máquina complexa chegou, mas está escrito em mandarim. Em Estrela, uma escola recebeu computadores ultrapassados, que não conseguem abrir os programas usados pelos alunos.
Nesses equipamentos, distribuídos para 18 Estados, o governo gastou mais de R$ 450 milhões.
O resultado, mostrou a reportagbem, é a formação de profissionais despreparados. Para evitar isso, professores e alunos usam da criatividade para recauchutar equipamentos. Eles utilizam muitas peças de lixo eletrônico que recebem, mais componentes doados, e fazem adaptações.
O secretário-executivo do Ministério da Educação, Luiz Cláudio Costa, prometeu agir com rigor.
– Recurso público, principalmente em educação, tem de ser aplicado com toda a transparência. Vamos abrir uma sindicância para apurar todos os fatos apontados – afirmou Costa.
Combinação de lances
Escutas feitas com autorização judicial mostraram representantes de empresas combinando dividir licitações em Caxias do Sul. Eles falam em "dividir a cidade no meio, metade tu, metade eu". Dois empresários combinam os lances no pregão:
Empresário 1: "Tá. Vou bem alto. Pode ser?".
Empresário 2: "Tá. Pode ser. Acima de vinte".
Empresário 1: "Tá. Vou a trinta".
Empresário 2: "Então tá”.
A avaliação
Segundo o promotor de Justiça Flávio Duarte, "eles loteavam os órgãos públicos, determinando previamente qual seria o vencedor da licitação em cada órgão, estadual ou municipal. E entendiam como se eles fossem mesmo os proprietários desses órgãos".
Como funciona
O pregão eletrônico estipulado pelo governo federal para compras de equipamentos é uma espécie de leilão ao contrário, em que os concorrentes dão lances pela internet.
Tudo é feito pelo computador. Quem oferece um bem ou serviço pelo menor preço, vence a disputa.
Secretário da Educação diz que vai investigar fraudes em pregões no RS
Investigação da Controladoria Geral da União apurou superfaturamento.
Carrinhos de mão para escola custaram 630% mais caro, por exemplo.
As compras foram feitas através dos chamados pregões eletrônicos, considerados até então a forma mais segura de licitação.
A reportagem teve acesso a uma investigação sigilosa da Controladoria Geral da União, que apurou todas as compras, confirmando superfaturamento. O Ministério Público Federal também investiga o caso.
O secretário da Educação do Rio Grande do Sul, Vieira da Cunha, disse que também vai investigar. "Trata-se de denúcias graves. Nós vamos instaurar processo de investigação que nos compete e, havendo indícios de prática criminosa, remeteremos os elementos para o Ministério Público", garante.
Luiz Cláudio Costa, secretário-executivo do Ministério da Educação, afirma que a pasta vai abrir uma sindicância. "Recurso público, principalmente em educação, tem que ser aplicado com toda a transparência. Nós vamos abrir uma sindicância para apurar todos os fatos apontados pelos relatórios", destaca.
O procurador da República em Santo Ângelo, Osmar Veronese, entende que há corrupção. "Vai além da ideia da má gestão. Eu acho que aqui nós temos indicativos de corrupção, sim", argumenta.
Indícios de fraude
O Programa Brasil Profissionalizado foi criado pelo Ministério da Educação em 2007 para estimular o Ensino Técnico no Brasil. No Rio Grande do Sul, foram liberados R$ 16 milhões em equipamentos para aulas práticas em 39 escolas de 34 municípios.
Visitas a algumas dessas cidades mostraram que há aparelhos de custo elevado estragando em depósitos improvisados. Algumas máquinas os professores nem sabem para que servem, e nem funcionam.
É o caso da Escola Parobé, em Porto Alegre, a maior do estado, que recebeu R$ 1,6 milhão em equipamentos. "A maioria dos equipamentos é muito antigo. Alguns têm 60 anos, outros têm 70 anos. E são equipamentos que vêm trabalhando ano a ano com condição de manutenção não muito condizente, precária", diz o professor de mecânica Sérgio Merlin.
O programa do Ministério da Educação enviou para a escola uma caldeira de vapor nova, porém inútil. "Caldeira geradora de vapor serve para movimentar equipamentos que funcionam a vapor, tipo lavanderias, máquinas de cozinhas industriais, que nós não tempos aqui, não tem utilização realmente... Sem nenhuma utilidade", conta o professor de mecânica Fernando Alves da Silva.
"Nós não temos o curso de caldeireiro aqui. Com o dinheiro dessa caldeira, avaliada em mais de R$ 30 mil, poderíamos equipar as aulas de soldagem", completa.
No curso de construção civil, foi identificado superfaturamento. Carrinhos de mão custaram 630% mais caro. "No mercado aqui de Porto Alegre é na base de R$ 70, R$ 80 a unidade. Vieram na época por R$ 700", diz o diretor da escola Parobé, Luiz Carlos de Oliveira, que acrescenta que os equipamentos ainda são de má qualidade. "são muito fraquinhos".
No Noroeste do Rio Grande do Sul, em Ijuí, a Escola Técnica 25 de Julho recebeu R$ 870 mil em equipamentos para aulas práticas. Uma máquina que serve para afiar ferramentas custou ao governo 1.100% a mais que o valor real. "Em torno de R$ 6 mil, R$ 5 mil você consegue máquina nova. E para nós custou R$ 72 mil", conta o coordenador do curso de mecânica.
Na mesma escola, duas máquinas de marcenaria também levantam suspeitas. Além disso, os professores não sabem para que servem outras máquinas enviadas à instituição.
No Vale do Taquari, a Escola de Educação Profissional de Estrela recebeu R$ 130 mil em computadores. Os equipamentos, porém, não abrem os programas que os alunos precisam usar nos cursos técnicos.
"Eu me senti debochada. Uma escola técnica recebendo esse tipo de equipamento. Equipamento bom que está faltando nas escolas de ensino fundamental. Que tem muita escola que está precisando. Mas nós, para atendermos o mercado de trabalho, para atendermos a formação do nosso aluno técnico, não podemos brincar de ensinar", desabafa a diretora Ana Rita Berti Bagestan.