Fora da sala de aula
“Todo o currículo pode ser ensinado fora da sala de aula”
POR THAIS PAIVA
Abra a porta de sua sala de aula e leve imediatamente seus alunos para aprender fora dela. É o que aconselha a britânica Juliet Robertson, consultora de educação especializada em aprendizagem ao ar livre, para aulas mais criativas e envolventes.
Autora do livro Dirty Teaching: a beginner’s guide to learning outdoors (Ensino sujo: um guia para iniciantes para aprender ao ar livre, em tradução livre), Juliet defende que a interação e exploração dos espaços abertos trazem oportunidades educativas muito mais efetivas e perduráveis para as crianças e jovens.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, a especialista , falou sobre a importância de utilizar a natureza e outros ambientes externos, bem como o asfalto das ruas, para o processo de ensino-aprendizagem e compartilhou dicas de como planejar práticas que deem “vida” para o currículo escolar.
Confira:
Centro de Referências em Educação Integral: Primeiramente, por que ensinar ao ar livre? Quais são os benefícios para a aprendizagem das crianças?
Juliet Robertson: Existem várias maneiras de responder a esta pergunta:
1. Por que não ensinar ao ar livre? Vale lembrar que foi somente no contexto de gerações recentes que começamos a incorporar a aprendizagem em espaço fechados, em salas de aula. Durante a maior parte de nossa história, aprendemos predominantemente nos ambientes externos, brincando e nos espelhando nos exemplos dados pelos membros de nossas famílias e outros adultos da nossa comunidade.
2. Existem muitas pesquisas mostrando que as crianças se beneficiam ao aprender e brincar ao ar livre. Um resumo disso pode ser encontrado no site Children and Nature Network. Mas se você observar as crianças brincando em um espaço natural já é possível testemunhar estes resultados: as crianças que passam mais tempo na natureza aparentam ser fisicamente mais ativas, têm melhor coordenação, capacidade de resolver problemas, de se autorregular, demonstram mais independência e são mais sociáveis.
3. Outro ponto é: aquilo que você não conhece, você não sente falta. Isto é, as crianças que não têm oportunidade de brincar na natureza, não sabem o que estão perdendo. Isso também significa que elas não conhecem o valor da natureza, exceto de maneira superficial. Portanto, não conseguem compreender por que cuidar do meio ambiente e ter uma conexão emocional ou espiritual com a terra. Além disso, quando você ouve educadores falarem sobre as habilidades necessárias o século 21 – como criatividade, capacidade de resolver problemas ou resiliência -, eles estão falando de habilidades que são precisamente desenvolvidas por meio do brincar e da aprendizagem ao ar livre.
CR: Diante da predominância do modelo escolar tradicional, isto é, da educação feita em sala, como os professores podem idealizar aulas e atividades fora deste espaço?
JR: Deve-se começar com aquilo que os professores conhecem e podem fazer bem. Como regra geral, os professores são profissionais altamente qualificados e que se importam profundamente com o aprendizado e bem-estar de seus alunos. Então, ao trabalhar fora de sala, é preciso focar nos pontos fortes do professor ao invés de criticá-lo por não saber como ensinar em um ambiente externo. Outro ponto importante é que no lugar de criar “lições ao ar livre” é melhor falar sobre “matemática ou alfabetização fora da sala”. Isso valida essa aprendizagem e garante-lhe espaço dentro de um currículo apertado.
Durante a maior parte de nossa história, aprendemos nos ambientes externos, brincando e nos espelhando nos adultos da comunidade
Outro cuidado é ter objetivos claros. Por exemplo, se o professor quer que as crianças identifiquem e aprendam os nomes de diferentes ângulos, pode então desafiá-las a encontrar um graveto que tenha todos os ângulos: raso, reto, obtuso, agudo e côncavo. É um prazer ouvir as descobertas matemáticas na medida em que as crianças vão dando feedback sobre o que aprenderam. Naturalmente, uma lição única é insuficiente. Crianças precisam de introduções passo a passo, seguidas de tempo, que as ajudam a esquecer para depois reaprender, para então fixar as habilidades e o conhecimento na memória de longo prazo.
CR: O que é alfabetização ao ar livre e como pode ser encorajada?
JR: É qualquer leitura, escrita, conversa ou escuta que ocorre no ambiente externo. Para que seja brilhante, é necessário que aproveite ao máximo o lugar onde acontece, seja o asfalto, a praia ou a mata. Por exemplo, uma criança pode criar um mundo em miniatura a partir da terra, galhos, pedras e folhas. Este pode ser o contexto de uma história escrita, dentro ou fora da sala. Com crianças pequenas, ter lugares para se esconder, estar com um amigo ou um grupo pequeno também pode ajudar a desenvolver a confiança para conversar e ouvir.
CR: E quanto à matemática ao ar livre?
JR: Os números são uma ferramenta para interpretar o mundo que nos rodeia. Acho que alguns aspectos da matemática são melhor ensinados fora da sala de aula, particularmente, até a idade de 11 ou 12 anos. Por exemplo, medidas, formas, posições, movimentos e direções fazem muito mais sentido quando ensinados ao ar livre. Existem tantas formas a serem encontradas nos ambientes externos e simples desafios como “há ângulos retos na natureza?” provocam uma investigação entusiasmada.
CR: É possível estender esse princípio ao resto do currículo?
JR: Todo o currículo pode ser ensinado fora da sala de aula. Sete anos atrás, eu tive que analisar o currículo escocês com objetivo de identificar quais aspectos precisavam de um elemento externo para ser efetivamente incorporado, quais precisavam de um elemento interior e quais era indiferentes. Os únicos conteúdos que realmente precisavam ser ensinados dentro de uma sala foram conceitos de Química que exigiam condições laboratoriais.
CR: Como educadores, escolas e comunidade podem transformar os espaços ao ar livre?
JR: Defendo uma abordagem participativa em que crianças e outras partes interessadas são consultadas e seus pontos de vista considerados para cada um dos passos. Uma abordagem inclusiva, colaborativa e fundamentada em direitos. Podemos, por exemplo, pedir para que peguem um cartão de papel e dividam em dois pedaços.
Em um, devem desenhar um grande coração e colocá-lo no local ao ar livre que mais gostam. A justificativa pode ser escrita no próprio cartão como “este é o lugar com a melhor vista” ou “eu jogo futebol aqui”. No outro pedaço, devem fazer um pequeno coração para marcar o lugar do espaço exterior que precisa de mais amor e cuidado. O motivo também pode vir escrito como “este lugar é escuro e não cheira muito bem”.
Crianças que não têm oportunidade de brincar na natureza, não sabem o que estão perdendo. Isso significa que elas não conhecem o seu valor, exceto de maneira superficial
Os cartões podem ser fotografados e os depoimentos reunidos. A partir desse ponto, todos devem colocar suas ideias para melhorar as questões que não estão bem. Em seguida, essas ideias são divididas em três categorias:
· Agora: ações que podemos tomar no presente, que não exigem tempo e dinheiro.
· Logo: ações que levam mais tempo ou mais dinheiro para resolver.
· Mais tarde: ações que levam muito tempo e dinheiro para implementar.
Ao fazer isso, mesmo que uma criança tenha sugerido algo muito caro ou difícil de alcançar, este pode entrar na categoria “mais tarde” e gerar um brainstorming para alternativas mais baratas e fáceis. Por exemplo, se uma criança decidir que a escola precisa de uma piscina, podemos pedir para que considere ideias como uma visita a uma piscina pública, à praia ou talvez montar uma piscina inflável.
Além disso, na minha experiência, as mudanças mais ricas surgiram de ideias criativas envolvendo reciclar e reutilizar objetos e doações, muito mais que de reformas caras trazendo equipamentos estáticos de recreação.
CR: A senhora poderia nos dar alguns exemplos práticos de aprendizagem ao ar livre e mão na massa?
JR: Em meu livro, reúno centenas de ideias e mais centenas podem ser encontradas no meu site Creative Star. Uma das minhas favoritas é pegar o medo ou a preocupação em relação a aprender fora da sala de aula e transformá-los em uma música, jogo ou atividade. Por exemplo, muitas vezes vejo crianças com medo de abelhas e vespas. Então, jogamos o “jogo das abelhas” que nos ensina a parar, ficar quietos e fechar a boca se uma abelha se aproximar. Também encorajo as crianças a descobrirem mais sobre estes insetos. Podemos dissecar algumas abelhas mortas que achamos no chão ou plantar “flores amigas” das abelhas. Então, cantamos músicas sobre abelhas e criamos danças de abelhas para mostrar às pessoas onde plantamos as flores que elas gostam.
CR: Temos uma infância cada vez mais permeada pela tecnologia. Como combinar essa dimensão com a brincadeira e a aprendizagem ao ar livre?
JR: Um bom ponto de partida é considerar a tecnologia digital como uma ferramenta que pode ser tanto um obstáculo como uma ajuda. A partir daí, podemos começar a pensar sobre os elementos positivos, como ser capaz de tirar fotos e aprender a observar o mundo que nos rodeia. Existem muitos aplicativospara tablets e celulares que podem ser úteis, como as funções de câmera e vídeo, a bússola, a calculadora e assim por diante. Meu conselho é sempre fazer o melhor uso disso.
Por exemplo, você pode pedir para sua classe escolher e escrever três valores, como cuidado, compaixão e gentileza. Então, as crianças devem sair da sala e encontrar exemplos desses valores. Um exemplo pode ser um jardim bem cuidado. Outro, flagrar alguém gentilmente abrindo uma porta para outra pessoa. E uma criança pode ser exemplo de compaixão ao mover uma minhoca da rua para a terra.
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