Folha dos inativos
Folha salarial do Executivo estadual bate recorde de servidores inativos em abril
Número de aposentados passa de 153 mil e consome quase 55% da despesa. Piratini defende medidas contra o rombo previdenciário
Enquanto o debate sobre a reforma da Previdência patina no Congresso, o percentual de servidores estaduais inativos bate recorde no Rio Grande do Sul e pressiona as finanças do Estado. Ao final do primeiro quadrimestre do ano, eles representaram 54,1% da folha de pagamento do Poder Executivo, com 153,2 mil vínculos — mais do que a população de municípios como Bagé, Sapucaia do Sul e Uruguaiana.
No início da gestão do governador José Ivo Sartori, em 2015, os ativos ainda eram maioria. De lá para cá, o número caiu 10,5%, e as despesas com os funcionários públicos aposentados tiveram aumento real (acima da inflação) de 8,7%, chegando a R$ 763,9 milhões em abril (veja gráfico da folha de pagamento e do número de vínculos). O valor supera a capacidade anual de investimento do Estado.
Como existem 9,8 mil pessoas aptas a se aposentar somente em 2017, a tendência é de que os gastos sigam crescendo e aprofundando o rombo previdenciário. Em teoria, as contribuições dos servidores ativos deveriam ser suficientes para financiar os benefícios dos inativos, mas a matemática não fecha há tempo. Em 2016, o Estado teve de cobrir déficit de R$ 8,97 bilhões, recurso que poderia ter sido aplicado, por exemplo, em saúde e educação.
— Ao mesmo tempo que vemos crescer barbaramente o número de inativos, há um descolamento do ponto de vista financeiro, porque, na maioria dos casos, eles acumulam vantagens e se aposentam ganhando mais. Não quero dizer, com isso, que não mereçam esses benefícios. A questão é que a sociedade precisa saber disso para compreender as limitações que esse desequilíbrio impõe — diz o secretário estadual da Fazenda, Giovani Feltes.
Parte do problema se explica pelo fato de que, entre o fim dos anos 1970 e a década de 1980, os ocupantes do Piratini fizeram contratações em massa para ampliar a oferta de serviços públicos. O erro foi ter demorado a fazer ajustes capazes de dar sustentabilidade ao sistema previdenciário e arcar com as futuras aposentadorias.
Em 2011, o ex-governador Tarso Genro (PT) deu o primeiro passo, lançando um fundo de capitalização. Em 2015, Sartori avançou ao criar a aposentadoria complementar.
Apesar de importantes, as medidas contemplam apenas novos servidores e levarão anos para surtir efeito. Na melhor das hipóteses, o buraco na Previdência vai parar de crescer a partir de 2023.
Até lá, o Estado seguirá enfrentando dificuldades para repor quadros e manter serviços essenciais, não só pela falta de recursos em si, mas pelas imposições da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). A norma limita a 49% da receita as despesas com pessoal no Poder Executivo, incluindo ativos e inativos. Ao final do primeiro quadrimestre de 2017, o índice ficou em 44,6%. Mesmo que Sartori tivesse dinheiro para suprir automaticamente todas as vagas abertas por aposentadorias, correria o risco de ser punido por extrapolar o teto da lei.
O impasse se repete em outros Estados, mas o caso do Rio Grande do Sul preocupa o economista Cláudio Hamilton dos Santos, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ele é um dos autores de ampla pesquisa nacional sobre o tema.
— Na maior parte dos Estados, o número de inativos ainda não superou o de ativos. No Rio Grande do Sul, o quadro é extremo. Há pelo menos uma década o governo não consegue repor os aposentados. De 2006 a 2015, a queda no número de ativos foi de quase 20% — afirma Santos.
A solução, na avaliação do economista, passa por alterações na Previdência pública, cujas discussões acabaram eclipsadas pelas polêmicas envolvendo o regime geral e pela crise política que recai sobre o governo de Michel Temer.
— Nos próximos 10 anos, cerca de 40% dos servidores públicos brasileiros vão poder se aposentar, sem que os entes consigam restituir as vagas. As pessoas ainda não se deram conta do problema que isso vai causar — adverte o pesquisador.
Déficit cresceu 57% nos Estados em seis anos
O rombo nos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos Estados deu salto de 57% entre 2009 e 2015, atingindo a marca de R$ 77 bilhões. O dado veio à tona em março, em nota técnica elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
No estudo, o Rio Grande do Sul aparece entre as unidades da federação mais afetadas, ao lado de Minas Gerais e Santa Catarina. O trio compromete mais de 20% de suas receitas com a Previdência — a média geral é de 13,2%.
Segundo o economista Cláudio Hamilton dos Santos, do Ipea, dois fatores levaram à deterioração do quadro: a queda acentuada de funcionários em atividade e a concessão de reajustes salariais generalizados na última década — em sua maioria, repassados integralmente aos inativos.
A aposentadoria especial, que contempla categorias numerosas, como professores e policiais, também agrava a situação. Cedo ou tarde, segundo Santos, essa modalidade terá de passar por revisão — em abril, reportagem de ZH mostrou que 73,6% dos servidores da ativa têm direito ao benefício. Em média, os PMs se aposentam com 48,3 anos.
— Isso precisa ser discutido, é insustentável — diz Santos.
Em março, depois de tirar os servidores estaduais e municipais da proposta de reforma em debate no Congresso, o presidente Michel Temer voltou atrás e decidiu estabelecer prazo de seis meses para que governadores e prefeitos alterem as regras de seus regimes próprios, assim que as novas normas forem promulgadas. Caso contrário, valerá o regramento federal. Desde então, a discussão não avançou.
Nos bastidores, as aposentadorias especiais são alvo de preocupação no governo de José Ivo Sartori, mas há a avaliação de que não haveria chance de aprovar normas mais rígidas na Assembleia às vésperas de um ano eleitoral.
Sindicatos repudiam alterações nas regras
A possibilidade de mudanças previdenciárias, principalmente nas aposentadorias especiais, é alvo de resistência no funcionalismo. O presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs), Sérgio Arnoud, diz que, antes de cogitar alterar as regras, o Palácio Piratini deve trabalhar para ampliar a capacidade de arrecadação.
— O que o Estado tem é uma crise de receita, e precisa enfrentar isso. É necessário rever os critérios das isenções fiscais, cobrar devedores com maior eficiência, exigir as compensações da Lei Kandir, combater a sonegação e não simplesmente jogar a conta nas costas dos servidores. Extinguir benefícios quando nem o salário é pago em dia é absurdo. Já estamos sendo sacrificados — lamenta Arnoud.
O líder sindical afirma que a aposentadoria especial é compensação justa a professores e a servidores da segurança pelo tipo de atividade que exercem e pela importância de suas funções para a população:
— São profissões extremamente desgastantes e, ao mesmo tempo, essenciais. Justamente por isso são tratadas de forma diferenciada em todos os países do mundo, e não poderia ser diferente.
Segundo o sindicalista, modificações poderiam se refletir na piora do serviço à população. Opinião compartilhada pelo presidente em exercício da Abamf — associação dos servidores de nível médio da Brigada Militar —, Solis Paim, que avalia as possíveis alterações como uma afronta:
— Não tem cabimento. Como vão querer que um PM corra atrás de vagabundo com 60, 65 anos? Isso não seria bom para ninguém, muito menos para a sociedade.