Filmes da Esquerda
Os 50 Melhores Filmes da Esquerda
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31 Dezembro 2013
Diário Liberdade - [António Santos para o Diário Liberdade] Cinema e socialismo foram colegas de escola no princípio do século XX. Às vezes juntos, cresceram, apaixonaram-se, magoaram-se, desiludiram-se e continuaram a aprender.
Após uma primeira experiência com 35 títulos, aqui fica o um catálogo a 50, alargado pelas críticas e sugestões de largas dezenas de leitores. Esta lista, inevitavelmente incompleta e truncada de injustiças, resgata da História do Cinema as melhores e mais belas encarnações dos ideais da (e não de) esquerda. Convidados, ficam os leitores a sugerir na caixa de comentários as obras que aqui faltam e a propor a alteração deste ordenamento.
50º Capitalismo, uma História de Amor (Capitalism, a Love Story)
Esta história de amor é o retrato da crise do capitalismo a partir do seu próprio berço. De Michael Moore, também poderíamos incluir Sicko ou Bowling for Columbine, mas Capitalismo corresponde ao zénite da evolução ideológica do realizador norte-americano, não acabasse o filme ao som da Internacional. Mas sobretudo, o documentário perfaz a lista pelos relatos dramáticos dos trabalhadores que pagam na pele o preço do amor dos EUA pelo capitalismo.
49º Machuca
Chile, 1973. Dois rapazes são unidos pela amizade e separados pelas classes sociais. Este é um filme sobre a adolescência, com toda a esperança e violência que ela comporta e, por isso mesmo, a melhor lente sobre a História recente do Chile. Mas Machuca é muito mais do que uma rara janela para a experiência socialista de Allende e uma crítica à podridão da burguesia que engendrou Pinochet. É por direito, um dos melhores filmes chilenos alguma vez produzidos.
48º As Actas de Marusia (Actas de Marusia)
Por muitos considerada melhor película mexicana de sempre, As Actas e Marusia contam a história verdadeira do massacre que ocorreu na cidade mineira que dá o nome do filme. O enredo pode parecer deprimentemente aborrecedor: em 1907 os mineiros do salitre de Marusia, no norte do chile, organizam uma greve e são confrontados com a mais violenta repressão. Na verdade, As Actas de Marusia é a mesma história contada com uma originalidade refrescante. Littín presta-se a liberdades artísticas que só muito mais tarde seriam consagradas como estilo. A poesia que perpassa o guião, os belíssimos planos distantes, a narração em voz-off e a banda sonora de Mikis Theodorakis impõem este grandioso filme na lista dos melhores filmes da esquerda.
47º The Black Power Mixtape 1967-1975
Entre 1967 e 1975 um grupo de jornalistas suecos percorreu os EUA para capturar a quase-revolução do movimento afro-americano. A qualidade e interesse histórico destas imagens e a profundidade das entrevistas com os membros mais destacados do Partido Pantera Negra fazem parecer impossível que as mais de 200 horas de imagens se tenham perdido numa cave da Televisão Sueca. Até agora. The Black Power Mixtape entrecorta o belíssimo filme de há quarenta anos com o comentário cortante de artistas, activistas e académicos da comunidade afro-americana contemporânea e muita música negra. Um documentário essencial para compreender as potencialidades e contradições do Poder Negro americano.
46º Cabra Cega
Cineastas brasileiros ofereceram mais à causa socialista do que qualquer outra nacionalidade sul-americana. Poderíamos falar dos grandes nomes do Cinema Novo, de Glauber Rocha a Cacá Diegues ou de filmes mais recentes, de Para a Frente Brasil a Eles não Usam Black Tie, que irradiam um brilho tão brasileiro como a moqueca e o feijão com arroz. Mas Cabra Cega, embora injustamente relegado ao ilustre desconhecimento, é um dos filmes mais interessantes e originais sobre a ditadura militar. O Che dizia que numa revolução ou se vence ou se morre, mas essa opção não tem Thiago, militante de uma organização armada, que é ferido e obrigado a se esconder numa casa clandestina. A sua prisão domiciliária é palco de diálogos enternecedores e para memórias tenebrosas que se desenrolam entre o pavor da prisão e da tortura e a paixão de Rosa, que confirma o axioma: a mulher que luta é mesmo a mais bonita. E já disse que a banda sonora tem Chico Buarque?
45º Os Edukadores (Die Fetten Jahre sind Vorbe)
Uma estudante universitária tem um pequeno acidente de carro. Até aqui tudo bem. Acontece que não tinha seguro. Menos bem. E a isto acresce que o tipo do carro da frente, não é nem mais nem menos que um dos maiores bilionários do país e que os danos provocados valem dezenas de milhares de euros. Condenada em tribunal a pagá-los por inteiro, a jovem é forçada a deixar os estudos e a aceitar empregos precários por salários de miséria. Mas quando não se tem nada, também não se tem nada a perder. Os Edukadores correspondem o terror dos capitalistas na mesma medida. Como? A) Entrar furtivamente nas mansões dos ricos B) Criar pirâmides com toda a mobília e alterar toda a configuração da casa. C) Deixar uma nota: “Os vossos dias de abastança acabaram”.
44º As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath)
O clássico de Steinbeck encontra uma justa homenagem nesta adaptação de John Ford. As Vinhas da Iraconta a história de uma família de camponeses que, expulsa pelos latifundiários das terras onde viviam e trabalhavam, é forçada a uma longa viagem rumo à Califórnia em busca de trabalho. Pelo caminho, encontram a fome e a discriminação, mas também a solidariedade, a consciência de classe e a dignidade.
43º Os Companheiros (I Compagni)
Monicelli pintou em Os Companheiros um fresco sobre as lutas sociais na Itália do fim do século XIX. Numa fábrica de Turim, um acidente laboral com contornos criminosos é a última gota para os trabalhadores. Uma espiral de repressão e resistência leva os humaníssimos operários a subir a parada para um nível que surpreende tanto o patrão como o espectador. Mas o mais original é a fluidez do guião, o sentio de humor que Monicilli injecta em todas as cenas e a desentorpecida imperfeição como que todos os personagens (com destaque para Marcello Mastroianni) se movem por temas sérios.
42º O Pequeno Grande Homem (Little Big Man)
Este um filme de cowboys anti-racista com um sentido apurado de justiça poética: a história ora divertida, ora trágica da guerra entre as várias identidades de um homem. Aos 121 anos, Jack Crabb descreve-nos a sua viagem pela História dos EUA como uma luta constante por se manter à tona de sucessivas marés de intolerância. Criado por nativos americanos, Jack parece não se conseguir adaptar ao mundo dos invasores brancos, onde apenas encontra ódio, medo e violência. Dustin Hoffman é brilhante: consegue arrancar a nossa simpatia por um personagem aparentemente volátil e superficial e torna impossível não chegar o fim do filme com um profundo desprezo pela homofobia, o racismo, o machismo e a guerra.
Realizador: Julie Gavras
A Culpa é de Fidel, de Julie Gavras, a filha do mestre Costa-Gavras é a história ternurenta do ritual de passagem de Anna (Nina Kervel-Bey), uma menina parisina de 9 anos que, de repente, vê o seu estilo de vida pequeno-burguês devassado pela radical transformação ideológica dos pais. A pequena resiste à opção comunista dos pais com argumentos inteligentíssimos e, muito à semelhança de O ano em que os meus pais saíram de férias, constrói à sua volta um ambiente de sonho e inocência apenas quebrado pelos geniais e improváveis diálogos sobre política, sexo e família.
40º Sambizanga
Sambizanga arruma com o mito do “brando colonialismo português” numa clara e inequívoca afirmação da estética e cultura africanas. Domingos, militante do MPLA, é sequestrado pela PIDE e torturado durante vários dias. Entretanto, a sua família procura-o desesperadamente entre o desespero do povo angolano. Filmado no Congo com guerrilheiros do MPLA e do PAIGC na maioria dos papéis e baseado na obra de José Luandino Vieira, Sambizanga é um dos mais poderosos filmes anti-coloniais de todo o continente africano.
39º Sacco e Vanzetti
Realizador: Giuliano Montaldo
Sacco e Vanzetti é uma arma carregada de humanismo. A história dos dois anarquistas italianos condenados à cadeira eléctrica por um tribunal estado-unidense é surpreendente e apaixonante. O compromisso político e a simpatia pela causa dos anarquistas é assumida frontalmente do princípio ao fim, sem cair na caricatura nem na propaganda. Ennio Morricone e Joan Baez oferecem o melhor das suas longas carreiras à banda sonora deste filme que devia fazer parte da educação política de todos nós.
38º Clube de Combate (Fight Club)
Muita tinta já correu sobre o Clube de Combate, que tal como o livro homónimo, já foi acusado de proto-fascista, sexista e niilista. Mas como dizia Saramago, todas as histórias se podem contar de outra maneira.
37º Doutor Estranhoamor (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb)
Poucas etiquetas políticas cabem na lapela de Kubrick mas Doutor Estranhoamor é em si mesmo, um manifesto político. Rodada no auge da guerra fria, quando a sombra de um holocausto nuclear pairava sobre as cabeças de toda a humanidade, esta sátira expõe ao ridículo a lógica anti-comunista da América do senador McCarthy. Curiosamente, 50 anos mais tarde, os EUA estão de novo no centro de uma escalada de provocações nucleares. A única diferença, é que ainda não acusaram os coreanos de querer envenenar o abastecimento de água dos EUA.
36º Inside Job - A Verdade da Crise (Inside Job)
Inside Job - A Verdade da Crise, obra prima de Ferguson, é um documentário que todos deveríamos ver. Num momento em que os desejos e caprichos do Deus-Mercado são cada vez mais descritos como insondáveis e ininteligíveis pelos comuns mortais, este filme explica as origens da crise capitalista que hoje vivemos de uma forma brilhante. Ferguson entrevista os maiores responsáveis directos pela crise, encosta-os à parede e faz o nosso sangue ferver.
A Batalha do Chile é justamente considerado o melhor documentário latino-americano de todos os tempos. Justamente. No total, são quatro horas e meia de História com H grande, centrada na luta dos trabalhadores, nas conquistas da sua revolução e na resistência ao fascismo. Mas nenhuma das três partes que compõem A Batalha do Chile são filmes de arquivo: tudo foi filmado no momento e no local. O operador de câmara Jorge Müller Silva foi sequestrado pela polícia de Pinochet durante as filmagens e é um dos 3000 chilenos que continuam desaparecidos.
34º O Complexo Baader Meinhof (Der Baader Meinhof Complex)
O Complexo Baader Meinhof é a crónica da organização armada alemã Facção do Exército Vermelho nas décadas de sessenta e setenta. Um filme repleto de acção que se serve de uma narrativa consistente, boas actuações e uma direcção eficaz para conseguir algo extremamente difícil: um retrato desapaixonado mas honesto sobre o idealismo, a legitimidade da luta armada, o esquerdismo e as ilusões e desilusões de toda uma geração.
33º Norma Rae
Tal como todos na sua família e nesta pequena cidade da Carolina do Norte, Norma Rae (uma impecável Sally Field) trabalha na fábrica de algodão. Recebe o salário mínimo e parece condenada a aceitar todas as condições que o patrão lhe impõe. Até que um dia, chega Reuben Warshowsky (Ron Leibman), um sindicalista decidido a organizar os trabalhadores da fábrica. Baseado em factos reais, Norma Rae é uma homenagem despretensiosa à classe operária americana como ela é e à luta que tem em comum com os trabalhadores do mundo.
32º Cinco Dias, Cinco Noites
José Fonseca e Costa consagrou-se neste filme como um dos mais competentes realizadores portugueses. Cinco Dias, Cinco Noites é uma espantosa e fidedigna viagem ao Portugal dos anos 40. Conta a viagem de um preso político evadido que procura cruzar a fronteira com a ajuda de um intratável “passador”. A antipatia entre os dois homens dá lugar a uma bela amizade nesta excelente adaptação ao cinema do romance homónimo de Manuel Tiago, pseudónimo de Álvaro Cunhal.
31º O Fim de São Petersburgo (Конец Санкт-Петербурга)
Um camponês desempregado chega a São Petersburgo à procura de trabalho. Sem querer, acaba por denunciar um velho amigo à polícia, que o envia para a frente de batalha da I Guerra Mundial. O Fim de São Petersburgo é poesia celuloide em estado puro, 80 minutos de beleza intensa e golpes poderosos. É o irmão gémeo do famoso Outubro de Eisenstein mas ao contrário deste, que se centra nas massas, Pudovkin dedica-se ao indivíduo e à sua importância na revolução, sem nunca no entanto o demitir da sociedade, da sua classe e do seu partido.
30º Os Santos Inocentes (Los Santos Inocentes)
Ver Os Santos Inocentes é como entrar num museu cheio de Goyas. As cenas lúgubres, cinzentas e magistralmente bem compostas podem-nos fazer duvidar do século em que o filme tem lugar, mas esta família espanhola sobrevive sem água nem electricidade nos vizinhos anos 60. O arcaísmo do latifúndio como ele é: um sistema medieval onde os caprichos dos senhores valem mais que a vida dos camponeses; Mas até nesta enorme prisão a céu aberto que reduz mulheres e homens a cães de caça (literalmente), todas as criaturas têm um limite.
29º O Que É Isso, Companheiro?
A realização é delicada, o texto é vigoroso e os personagens são cativantes. Um dos melhores filmes alguma vez produzidos no Brasil reconta a história verídica do rapto do Embaixador norte-americano no Brasil pelo MR-8 e pela ALN. O enredo consistente ganha a moldura de uma embalagem técnica de excelência, da fotografia à direcção de arte passando pela direcção minuciosa das explosivas cenas de acção. Tudo em O Que É Isso, Companheiro? é motivo de orgulho para o cinema brasileiro: uma obra prima sobre resistência, rebeldia e redenção.
28º Queimada
Um provocador inglês enviado à ilha fictícia de Queimada para incitar uma revolta de escravos contra o colonialismo português. Os ingleses servem-se dos sentimentos independentistas dos escravos para se apropriarem eles próprios do comércio do açúcar, mas a revolta dos escravos ganha pernas próprias e prova-se difícil de controlar. Marlon Brando é irrepreensível no papel de William Walker, um cínico mercenário inglês que compreende demasiado bem a lógica do lucro e a desumanidade do colonialismo para lhes ser indiferente.
27º Matewan
Este filme é uma refrescante surpresa de Hollywood, que com um elenco salpicado de estrelas (Chris Cooper, James Earl Jones, Mary McDonnell, etc.) e numa linguagem típica dos blockbusters, narra a Batalha de Matewan, na Virgína Ocidental, com acuidade histórica e destemido comprometimento político. O argumento centra-se na chegada de Joe Kenehan, sindicalista e comunista, à pequena comunidade mineira de Matewan, onde se dará uma batalha de classes pela dignidade e contra o racismo, o capitalismo e a exploração do homem pelo homem.
26º Também a Chuva (También la Lluvia)
Um dos filmes mais inteligentes dos últimos anos, cheio de subtilezas e resultado da colaboração de pesos pesados da sétima arte como o guionista Paul Laverty e os actores Gael García Bernal e Luis Tosar. Com apurada sensibilidade, Icíar Bollaín apresenta-nos uma equipa de rodagem espanhola que ruma à Bolívia para, ao mais baixo preço, filmar um documentário sobre a chegada de Cristóvão Colombo à América. Paulatinamente, o guião do documentário, que narra a história do genocídio e resistência dos indígenas, inspira e reflecte uma luta de vida ou morte contra a privatização da água, em que os índigenas contratados como extras se decidem a ser, de uma vez por todas, protagonistas da sua própria História. Uma bela história, sobre um povo ajoelhado que aprende a caminhar.
25º Os Diários de Motocicleta (Diarios de motocicleta)
24º Salmo Vermelho (Még kér a nép)
Salmo Vermelho é arrebatador. Um tratado sobre o simbolismo socialista e a essência espiritual do comunismo. Baseado nas revoltas populares húngaras do fim do século XIX, o mestre Jancsó fala-nos sobre o trabalho e a canseira, o trigo e o sangue, a humilhação e a raiva. Poder-se-ia dizer que Salmo Vermelho é a adaptação ao cinema dos quadros de Álvaro Cunhal e o filme que Kusturica faria se fosse comunista: filmado em apenas vinte e seis planos (praticamente de rajada), leva-nos a uma eira onde camponeses dançam em grandes rodas e cantam canções de amor e de revolta. Nada neste filme é ao acaso. A belíssima fotografia e a magistral realização (que valeu a Jancsó a Palma de Ouro) sublimam o retrato das mulheres mais bonitas que vi em muitos anos e gravam indelevelmente na nossa memória a melodia infatigável dos coros libertários.
Numa entrevista, Laurent Cantet explicava o título do filme como uma denúncia do cinismo da própria expressão "recursos humanos": a gestão de homens e mulheres como mercadoria ou capital. Este é um filme que nos mostra com uma autenticidade comovedora (e sem qualquer pretensão de nos pregar seja o que for) a vida no interior de uma fábrica actual. Cantet não se desvia nem um milímetro do trilho que nos convida a percorrer, apresenta-nos a operários reais e burgueses como os que conhecemos, desafia-nos a nos colocarmos no lugar do activista intransigente, do pai de classe operária e do filho dividido entre a simpatia pelos trabalhadores e a ambição profissional. Um dos trabalhos mais luminosos que o cinema francês nos ofereceu na década de noventa.
22º Spartacus
A pergunta já foi repetida milhões de vezes e em todas as línguas: "Quem é Spartacus?". E os que lutam estão condenados a ter que dar a mesma resposta: "Eu sou Spartacus". Não é mentira. Spartacus somos todos os humilhados e ofendidos desde o escravo da Trácia, que há dois mil anos deu guerra aos ricos e poderosos. Apesar de inserido no índex negro dos filmes pró-omunistas, Spartacus conquistou quatro óscares da Academia e derrotou a censura do McCarthismo. É um épico histórico que honra o romance homónimo de Howard Fast com um guião brilhante e um elenco de luxo, liderado por Kirk Douglas.
21º A Melhor Juventude (La meglio gioventù)
Seis horas de filme não é brincadeira. Mas em A Melhor Juventude não há nem um minuto em excesso e o resultado final prima pelo brilhante exercício de economia. É que Giordanna está a contar-nos a história de um grupo de amigos ao longo de 50 anos e qualquer grupo de amigos a sério tem muito que contar. As actuações são brilhantes e o argumento é tocante. Mas o que mais sobressai, é a honestidade com que se aborda a história recente de Itália, das lutas dos estudantes universitários às Brigadas Vermelhas até à diluição dos ideais socialistas. Um filme que todos deveriam conhecer.
20º Che
O Che dizia que numa revolução, se for verdadeira, ou se triunfa ou se morre. As duas partes deste filme revelam a crueza da guerra revolucionária, para lá de quaisquer fantasias esquerdistas. Benicio del Toro converte-se em Guevara com tanta arte que nada nas suas palavras, nos seus trejeitos ou mesmo na sua aparência física o denuncia. Che é uma sublime e original lição de humanidade, que salpica com generosidade e comunismo os mais ínfimos detalhes de uma guerra tão sangrenta e brutal como cada vez mais necessária.
19º Corações e Mentes
Um dos melhores documentários alguma vez feitos. Quem assistir a Corações e Mentes nunca mais verá a guerra da mesma forma. A sangrenta agressão imperialista contra o Vietname é posta completamente a nu na sua desumanidade e pelo chão vão ficando as roupagens de hipocrisia e cinismo com que se trajam sempre os senhores da guerra. Pudovkin dizia que o cinema é o melhor método de aprendizagem porque nos ensina o coração e a cabeça: apesar de amiúde brutal e chocante, Davis consegue dar forma pictórica a à lição anti-belicista que toda a humanidade devia aprender.
18º Estado de Sítio (État de Siège)
Costa-Gavras foi um dos realizadores mais politicamente comprometidos do século passado. E também um dos melhores. Em Estado de Sítio, o génio grego explora as brutais consequências do imperialismo norte-americano nos regimes sul-americanos. Com Yves Montand e Renato Salvatori nos papéis principais, o filme segue o grupo de guerrilha urbana durante o sequestro e interrogatório de um dirigente da CIA. Baseado no sequestro de Dan Mitrioni pelos Tupamaros uruguaios, Estado de Sítio foi apedrejado pelos críticos de cinema dos EUA que o acusaram de propagandear mentiras sobre o envolvimento dos EUA na promoção de ditaduras na América do Sul. Um ano mais tarde, a CIA oferecia o Chile para abate a Pinochet.
17º Brisa de Mudança (The Wind that Shakes the Barley)
Da Irlanda à Colômbia, passando pelo País Basco ou pelo Vietname, há um sentimento que predispõe povos pacíficos a se levantarem em armas para matarem os seus irmãos. É do antiquíssimo sentimento de humilhação que trata este filme. É pesado, triste e duro de se ver, mas indispensável para quem pretender compreender a luta dos irlandeses pela liberdade. Com trabalhos de fotografia e direcção de primeira classe, Ken Loach traz-nos aos anos vinte do século XX irlandês, para conhecer o trágico percurso de dois irmãos no IRA.
16º A Greve (Стачка)
A primeira longa-metragem de Eisenstein faz os filmes mudos coevos parecerem anémicos. A Greve é uma obra de arte tão original como arriscada, que define já a finura de Eisenstein e, por corolário lógico, a genética do cinema moderno. Ao contrário de muitos outros filmes mudos da época, os actores não precisam de exagerar as expressões faciais para compensar com histrionismo a incapacidade de falar. Eisentein consegue tudo por todos os meios. Através de colagens, ângulos de câmara loucos, rápidas sequências entrecortadas e efeitos especiais, ficamos a conhecer a miséria dos operários russos, as suas reivindicações, a sua corajosa luta e, por fim, a sua brutal supressão.
15º Apocalyspe Now
Um dos clássicos do cinema americano e provavelmente a melhor adaptação ao cinema de qualquer livro. Baseado no Coração das Trevas de Joseph Conrad, Apocalypse Now substitui o colonialismo belga no Congo pelo imperialismo norte-americano no Vietname, denunciando a monstruosidade da guerra e a desumanização dos soldados. Fotografado com a mestria de Coppola, Apocalypse Now é uma poderosa metáfora sobre a natureza humana e o mais competente dos ensaios cinematográficos sobre a guerra.
Obra exponencial do neo-realismo italiano, Ladrões de Bicicletas conta-nos a história de Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani), um trabalhador desempregado que investe o que tem e o que não tem numa bicicleta. Da bicicleta depende o seu trabalho, do seu trabalho depende a sua sobrevivência e da sua sobrevivência depende o seu filho. As actuações são magnificas sob a direcção graciosa de Sica, trazem-nos à Roma do pós-guerra, mergulhada num desespero e numa desumanidade que não pertencem nem a Itália nem aos anos quarenta, mas à sociedade dos capitalistas.
13º Outubro (Октябрь (Десять дней, которые потрясли мир))
Estreado no quadro das comemorações do 10º aniversário da Revolução de Outubro, o filme Outubro é uma revolução em si próprio: a abordagem à teoria da montagem de Eisenstein desconstrói a formalidade narrativa do cinema convencional e introduz a edição e a pós-produção como meios de alcançar a dialética. Esteticamente tão arrojador como o período histórico que retrata, Outubro definiu para sempre o imaginário mundial da revolução socialista russa.
12º Eu Sou Cuba (Soy Cuba)
Eu sou Cuba é o impensável resultado da colaboração entre um poeta e um realizador soviéticos, e um escritor cubano, que contam a História de Cuba na primeira pessoa. Uma nação arrastada pelos rodapés de historiografias estrangeiras levanta-se do chão e consegue a verdadeira independência. Eu Sou Cubaé inacreditável, uma viagem sideral filmada num preto e branco belissimamente fotografado. Os ângulos de câmara são acrobáticos, os cortes são psicadélicos e a música é autenticamente cubana.
11º O Leopardo - Il Gattopardo
O Leopardo é por direito próprio um dos melhores filmes de sempre. Mas o grande épico de Visconti não esconde uma visão marxista da sociedade, dividida por classes e movida pela guerra que as opõe. Para além de uma magnífica aula sobre História da Itália do século XIX, O Leopardo é todo um caleidoscópio de sensibilidades e opções estéticas dos anos 60, refinadas ao nível da perfeição por um orçamento milionário e um elenco composto por alguns dos mais talentosos actores europeus dessa geração.
10º Reds
Esta mega-produção de Hollywood entra no décimo lugar da lista pela porta grande da sétima arte. Não sei o que neste filme é mais apaixonante: as inspiradoras actuações de Jack Nicholson, Diane Keaton, Maureen Stapleton e, sobretudo Warren Beatty no papel de John Reed (o jornalista americano que no calor da Revolução de Outubro escreveu Os Dez Dias que Abalaram o Mundo)? Ou o brilhante guião que nos transporta aos loucos anos 20, às eternas discussões e contradições da esquerda e ao mais relevante acontecimento histórico do século XX? Ou as adoráveis entrevistas a uns improváveis e brilhantes velhinhos americanos?
9º Às Segundas ao Sol (Los Lunes al Sol)
Um monumento à classe operária como ela é e não como nós gostaríamos que ela fosse. A história dos operários navais de Vigo, na Galiza, a quem o capitalismo roubou o trabalho, a vida e a esperança mas nunca a dignidade. Um filme que só não fará chorar os ricos e os corações empedernidos que nos fala das pequenas misérias e prazeres do povo trabalhador: a operária de peixaria que não se consegue libertar do fedor; o imigrante de leste que conta aos amigos que na URSS era cosmonauta; o desempregado de meia-idade que se recusa a aceitar que ninguém lhe dá trabalho por ser velho demais; o antigo operário que lutou, fez greves e manifestações, que perdeu e voltaria a fazer tudo outra vez; o cínico que traiu a sua classe por uns trocos. O retrato perfeito de quem sobrevive num eterno domingo.
8º Tempos Modernos (Modern Times)
A arte de Charlie Chaplin é agarrar um argumento sem nada de especial e num conjunto de cenas cómicas do mais simples que há e criar uma das obras primas do cinema: uma peça de arte de valor cinematográfico, artístico e histórico transcendente, que ressoa através do tempo e chega aos nossos dias com a mesma autoridade. O protagonista é um trabalhador que apenas quer levar uma vida honesta e ganhar para o pão, mas por alguma razão, tudo lhe corre mal. Essa razão chama-se capitalismo.
7º Horizontes de Glória (Paths of Glory)
Horizontes de Glória é talvez a obra cinematográfica que melhor personifica os ideias anti-belicistas da esquerda. A película leva-nos às trincheiras fratricidas da I Guerra Mundial, onde seres humanos são jogados contra a lógica no campo de batalha pelos burocratas da morte. Quando um batalhão se recusa a avançar para uma morte certa, quatro soldados são escolhidos para ser fuzilados como bodes-expiatórios, pondo em marcha um debate marcante sobre o nacionalismo burguês, a autoridade e o valor da vida.
6º O Ódio (La Haine)
O Ódio é um murro no estômago. Nesta Paris já não mora Amélie Poulain. Nesta França não há gente bonita a sonhar acordada entre os cafés dos anos sessenta, os jardins renascentistas e os apartamentos Haussmann. O Ódio é uma viagem com os excluídos da sociedade francesa, os que cheiram mal e não gostavam da escola. Não paternaliza nem idealiza, limita-se a seguir e a escutar os embaixadores da racaille, que cometem pequenos crimes, enfrentam os neonazis e o desprezo da sociedade, mantêm alguns dos diálogos mais autênticos do cinema francês e, contra todas as expectativas, sonham.
5º Harlan County, USA
Como cantam os mineiros no filme, “Dizem que em Harlan County / por lá não há neutrais. / Ou és um sindicalista / ou um arruaceiro para o J. H. Blair. / De que lado estás, rapaz? / De que lado estás?” Este documentário está para os anos setenta como Outubro de Eisenstein está para os anos 20: é um autentico manual de organização de greves e um indescritível testemunho da coragem dos mineiros americanos. Os protagonistas desta luta, especialmente as mulheres, são tão genuínos que reduzem as personagens de qualquer obra de ficção a meras caricaturas. Nunca ouvi falar de quem terminasse o filme com os olhos secos.
4º O Sal da Terra (The Salt of the Earth)
“Como posso começar a minha história que não tem começo? O meu nome é Esperanza, Esperanza Quintero. Sou a mulher de um mineiro. Esta é a nossa casa. A casa não é nossa. Mas as flores… as flores são nossas. Esta é a minha aldeia. Quando eu era uma criança, chamava-se São Marcos. Os “anglos” mudaram o nome para Zinc Town. Zinc Town, Novo México. As nossas raízes neste lugar são profundas. Mais profundas que os pinheiros, mais profundas que a mina”. Assim começa O Sal da Terra, que esteve banido nos Estados Unidos até aos anos 60. Todos os envolvidos na sua produção foram adicionados à infame lista negra do cinema norte-americano; a protagonista foi deportada para o México e o argumentista passou mais de um ano na prisão. Porquê? Porque este filme é perigoso por ser simultaneamente tão belo e tão corajoso. A luta dos mineiros norte-americanos vista de uma perspectiva de classe em que as mulheres e os imigrantes são líderes e iguais.
A Batalha de Argel, banido em dezenas de países e censurado em quase todos. A magnum opus de Pontecorvo não se comociona com o falso humanismo burguês nem cede à vertigem infanto-militarista do esquerdismo. Num corte de direcção geniais e com actores tão hábeis que muitos espectadores acreditaram tratar-se de um documentário, mergulhamos numa das mais sangrentas revoluções da História e somos forçados a colocarmo-nos de um dos lados desta brutal barricada, opção que os oprimidos nunca tiveram. Nenhuma outra narrativa cinematográfica descreve de forma tão vívida e detalhada a revolta dos povos colonizados e as questões que A Batalha de Argel coloca são tão válidas para a Argélia dos anos 50 como para o Afeganistão dos nossos dias.
2º O Couraçado de Potemkin (Броненосец «Потёмкин»)
Aos 88 anos, este filme mudo ainda não perdeu o pio. Pelo contrário, O Couraçado de Potemkin é uma lufada de frescura e ousadia no sapal por onde hoje paira o cinema comercial. A obra-prima de Eisenstein, não é nem mais nem menos que a obra fundadora do cinema moderno, tão bela como inspiradora, tão transgressora formal e esteticamente como revolucionária politicamente. Eisenstein domina a celuloide como Miguel Ângelo domina a pedra ou Matisse domina a cor e consegue levar-nos a cada emoção, a cada surpresa, a cada momento de indignação e solidariedade com tanta subtileza que só nos apercebemos do caminho percorrido chegados ao fim da jornada. Esta é a história verídica dos marinheiros que se recusaram a comer carne podre, porque eram gente. Esta é a história da luta de vida ou morte que se seguiu pela dignidade dos trabalhadores de Odessa, porque também eram gente. Esta é a história do massacre policial que se seguiu e das vozes que não puderam estrangular, porque, como dizia Adriano Correia de Oliveira, ninguém pode vencer um povo que resiste.
1º 1900 (Novecento)
1900 é inigualável. Os campos da Emília-Romanha são a tela para a metáfora acabada do que foi o século XX, onde dois rapazes e duas classes sociais crescem e aprendem, separados por interesses inconciliáveis. Cada fotografia deste filme é um quadro repleto de beleza; todas as actuações, de Gérard Depardieu a Robert de Niro, são brilhantes; a música, de Ennio Morricone, é sublime. 1900 fala sobre a génese do fascismo, a vida dos que trabalham e a luta pelo socialismo na linguagem comum de toda a humanidade: o amor, o ódio, a compaixão e a solidariedade.
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