Fies repassa bilhões
Fies: em 5 anos governo repassa 43 bilhões a grupos privados de ensino
O Fies se destina a sustentar – com dinheiro público – a privatização do ensino, isto é, locupletar tubarões do ensino, inclusive os estrangeiros, que oferecem uma educação de péssima qualidade, com raras exceções
ANTÔNIO ROSA
O governo Temer, há poucos dias, limitou os financiamentos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) a R$ 5 mil (de mensalidade) e cortou 40% das vagas novas, em relação ao ano passado. Além disso, tem realizado, através de critérios draconianos de aproveitamento, um corte violento nos alunos que estão em faculdades particulares, através do Fies.
O resultado são milhares de alunos excluídos, e, ao mesmo tempo, com a triste perspectiva de ficarem endividados, mesmo sem terminar seu curso.
Há muito, porém, o Fies, desde o tempo de Dilma, tem sido uma forma de sustentar entidades privadas – e muito pouca coisa além disso, se é que existe alguma. Para o estudante, além de um ensino de baixo nível, é ilustrativo esse trecho de um documento oficial:
“Para os contratos firmados entre 2010 e o 1º semestre de 2015 o prazo de amortização definido era de três vezes o período de utilização acrescido ainda de doze meses. Desse modo, para um estudante que tenha utilizado o Fies em um curso de cinco anos, a dívida somente será quitada ao final de vinte e dois anos e meio, contados do início do curso, sendo cinco anos de utilização, um ano e meio de carência e dezesseis anos de amortização. Durante todo este prazo será devido às instituições financeiras o pagamento pela administração da carteira, no montante de 1,5% a 2% do saldo devedor existente” (cf. Relatório de Auditoria, TC 011.884/2016-9, p. 32).
O que quer dizer que o Fies tornou-se um pesadelo até para quem concluiu o curso. Pior – muito pior – para aqueles que foram excluídos, sobretudo em 2015 e 2016, mas que estão endividados, mesmo sem concluir o curso.
No meio da saraivada de cortes, que é o governo Temer, apesar disso, as faculdades privadas que são sustentadas pelo Fies terão um privilégio – e não é qualquer privilégio: os recursos gastos pelo governo no Fies não serão incluídos no cálculo do superávit (ou déficit) primário. O que significa que, enquanto a Educação Pública será cortada brutalmente em suas verbas, e entrará no congelamento de investimentos e gastos federais por 20 anos, os recursos do Fies – destinados a entidades que, não somente são privadas, mas, quase via de regra, são pertencentes a fundos norte-americanos – não terão os mesmos cortes, pois a despesa com o Fies é considerada “despesa financeira” e não “despesa primária”.
No governo Temer, assim como no governo Dilma, as despesas financeiras estão liberadas. Só as despesas com o povo são cortadas ou estão congeladas.
Mas, o Fies não é uma despesa com o povo?
O mais incrível é que, essencialmente, não. O Fies se destina a sustentar – com dinheiro público – a privatização do ensino, isto é, locupletar tubarões do ensino, inclusive os estrangeiros, que oferecem uma educação de péssima qualidade, com raras exceções.
Entre 2009 e 2015, o governo federal repassou a essas faculdades privadas e/ou sob controle estrangeiro, R$ 43 bilhões, 217 milhões, 292 mil e 371 reais, através do Fies.
Esse dinheiro foi subtraído do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – ou seja, poderia ser aplicado nas universidades e escolas públicas, mas foi desviado para faculdades privadas ávidas por lucro e, geralmente, sem nenhum escrúpulo de oferecer um ensino medíocre.
Este e os outros dados desta matéria são de auditoria realizada no Fies pelos técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e foram divulgados no final do ano passado (cf. Relatório de Auditoria, TC 011.884/2016-9). As tabelas e gráficos também foram retirados da auditoria do TCU.
O Fies, a partir de 2010, virou o principal programa de acesso ao ensino superior no governo de Dilma e Temer, deixando de lado programas essenciais do governo, que poderiam ampliar as vagas nas universidades públicas, como o Reuni, programa de investimentos federal, abandonado após 2011.
Pelo que dizia o governo na época, estudantes de baixa renda poderiam financiar seu estudos em instituições privadas, sob as condições de pagamento de juros de 3,4% ao ano, carência de 18 meses, e prazo de até três vezes o período de duração do curso para o pagamento de financiamento.
Para isso, as faculdades privadas receberiam, como contrapartida pela prestação do serviço, títulos públicos emitidos pelo Tesouro, denominados CFT-e - e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) pagaria, em dinheiro, por esses títulos, ao Tesouro.
Caso as mantenedoras de faculdades privadas não possuíssem débitos – ou, o que é a mesma coisa, sobrassem títulos públicos após o pagamento dos débitos com a Previdência e com o Fisco – o FNDE seria obrigado a recomprá-los, se assim quisessem essas mantenedoras, trocando-os por recursos financeiros – isto é, por dinheiro - equivalentes ao valor dos títulos emitidos, com correção monetária pelo IGP-M.
Assim, a partir de 2011, com a política de Dilma – aquela que sempre considerava a “gestão privada” superior à gestão pública, social, coletiva – houve uma explosão no orçamento do Fies.
De R$ 2 bilhões e 486 milhões em 2011, o orçamento do Fies, por ano, passou para R$ 17 bilhões e 581 milhões em 2015.
Um aumento de 607% em quatro anos (ver gráfico 1).
O número de contratos firmados por ano, subiu de 32.654 (2009) para 732.593 contratos firmados em 2014.
Um aumento de 2.144% em cinco anos (ver tabela 2).
Somente em 2015 houve uma diminuição no número de novos contratos, mas o total deles continuou subindo: de 76 mil em 2010 para 1 milhão, 863 mil e 176 contratos.
Um aumento de 2.352%.
Por outro lado, o aumento do lucro de grupos educacionais como Kroton Educacional S.A, Estácio Participações S.A, SER Educacional S.A e GAEC Educação S.A (Anima) foi devido, inteiramente, ao Fies.
Assim, o Kroton, uma sociedade promíscua entre fundos estrangeiros (Oppenheimer Funds, Coronation Fund Managers, Capital World Investors, GIC Private Limited, Blackrock, Inc.) e a família do ex-ministro do Turismo e de Relações Institucionais do governo Lula, Walfrido dos Mares Guia Neto, passou de um prejuízo de R$ 8 milhões e 104 mil em 2009 para um lucro líquido de R$ 1 bilhão, 785 milhões e 338 em 2015.
Portanto, graças ao Fies, o Kroton aumentou seu lucro líquido em 22.130%! (ver tabela 3).
Da mesma forma, a Estácio de Sá aumentou seu lucro líquido em +565,1%; a Ser Educacional, em +483%; a Anima (GAEC Educ.), em +820%, no mesmo período – e graças ao Fies.
Em suma, esses grupos ditos educacionais tiveram uma evolução do lucro (lucro líquido, ou seja, já deduzidas todas as despesas) semelhante – ou, talvez, superior em termos proporcionais – ao lucro dos bancos.
O incrível é que, mesmo com essa derrama de dinheiro público nas universidades privadas, o crescimento no número de financiamentos do Fies, no período de 2010 a 2013, não representou um grande avanço para a criação de novas vagas no ensino superior, como propunha o programa - e as metas do governo.
Se observada a Taxa Bruta de Matrículas (=total de matriculados/população com idade para cursar determinado nível) do ensino universitário no Brasil, em 2009, esta era de 26,7%, evoluindo para 30,3% em 2013. Disto, entre 2010 e 2013, a acelerada expansão do Fies correspondeu a 3,6 pontos percentuais.
Entretanto, se forem comparados os quatro anos anteriores à expansão do Fies, 2006 a 2009, a taxa bruta de matrículas no Brasil avançou 6,8 p.p., de 19,9% em 2005 para 26,7% em 2009, o que corresponde a um avanço que é quase o dobro (1,8 vezes) daquele do período de expansão do Fies.
O mesmo ocorre se analisarmos a taxa líquida de matrículas (=número total de matrículas de alunos entre 18 e 24 anos/população total na mesma faixa etária) para o mesmo período.
Em 2009 a taxa líquida era de 17,5%, evoluindo para 20,2% em 2013, representando evolução de 2,7 p.p. Entretanto, no período imediatamente anterior à expansão do Fies, o acréscimo foi de 4,4 p.p, passando de 13,1% em 2005 para os 17,5% de 2009: “Os dados apresentados sugerem, portanto, que não obstante o vigoroso crescimento no número de financiamentos do Fies no período de 2010 a 2013, atingindo mais de 1,1 milhão de novos contratos, tal expansão não representou inflexão para cima nas linhas de tendência das taxas bruta e líquida de matrícula no mesmo período” (cf. rel. cit. p. 28).
A consequência é que, com toda essa injeção de dinheiro, as universidades públicas aumentaram mais as vagas, proporcionalmente, do que as faculdades privadas.
Vejamos os dados que constam da Tabela 4.
Em 2009, havia 1.351.168 estudantes universitários nas universidades públicas. Em 2014, esse número subira para 1.821.629.
Um aumento, portanto, de +34,82%.
Na rede privada, que recebeu dezenas de bilhões do Fies nesse período, o número de matriculados subiu de 3.764.728 estudantes (2009) para 4.664.452 estudantes (2014).
Um aumento, portanto, de +23,9%.
Como se explica tal fenômeno?
Simplesmente, boa parte dos novos contratos do Fies foi composto por alunos que já estavam matriculados na rede privada – portanto, apesar do vertiginoso aumento dos contratos, não houve aumento correspondente no número de estudantes matriculados.
Por hoje, ficaremos por aqui. Mas continuaremos na próxima edição.
http://www.horadopovo.com.br/2017/02Fev/3511-10-02-2017/P8/pag8a.htm