Extinção de fundações é grave
Extinção de fundações é grave erro, diz coordenador do plano de governo de Sartori
Marco Weissheimer
A decisão de extinguir fundações na área da cultura, ciência e tecnologia é gravemente errada e revela uma falta de visão de longo prazo e perspectiva histórica sobre as responsabilidades do Estado. A avaliação foi feita por João Carlos Brum Torres, coordenador do plano de governo de José Ivo Sartori na eleição de 2014 e ex-secretário do Planejamento nos governos de Antônio Britto e Germano Rigotto, durante o seminário “O futuro do RS: fundamentos e fundações”, realizado quinta-feira (9) à noite, no auditório Dante Barone, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Organizado pelo coletivo ProsperArte, o encontro reuniu representantes das fundações que estão na lista de extinções do governo Sartori, professores universitários, intelectuais e artistas, que debateram o impacto que essas extinções terão na vida do Estado e possíveis alternativas a elas.
Doutor em Ciência Política, professor aposentado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atualmente lecionando Filosofia na Universidade de Caxias, Brum Torres é um nome histórico do PMDB gaúcho. Ele abriu sua intervenção na segunda mesa do encontro, coordenada por Luís Augusto Fischer, explicitando essa ligação, o que tornou sua fala ainda mais eloquente. “Tenho uma relação histórica com o PMDB e uma relação próxima com esse governo, mas estou convencido que essas decisões são gravemente erradas. O que a gente faz depende de nossas crenças. Não é muito fácil entender as razões que motivam essa decisão”.
Ao comentar essas possíveis razões, Brum Torres criticou a extinção de instituições ligadas à inteligência do Rio Grande do Sul. “As manifestações do governo variam. Falam que há um diagnóstico que apontaria determinadas funções que não deveriam mais ser exercidas pelo Estado. Mas todas elas são ligadas à área científica, cultural e do pensamento do Estado. Como professor de Filosofia, essas decisões me dizem muito respeito. São gravemente erradas”. Citando o caso da Fundação de Economia de Estatística (FEE), Brum Torres lembrou que, quando ocupou a secretaria do Planejamento por duas ocasiões, essa instituição cumpriu uma função muito importante para o governo e para a informação da opinião pública. E acrescentou:
“Não penso que o Estado possa se desonerar de ter uma participação ativa nestas áreas. Até acho que nem todas as instituições envolvidas têm a mesma expressão e interesse social. Mas, mesmo quando são mais frágeis, é importante lembrar que gerar uma instituição e criar uma cultura leva muito tempo. Não houve nenhum estudo para basear essa decisão. O que a explica, então?”, questionou.
Ao falar ainda sobre essas possíveis motivações, Brum Torres apontou o enorme aperto financeiro vivido pelo governo. No entanto, ressaltou, “o peso financeiro dessas fundações está sempre duas casas depois da vírgula”. Ele indicou ainda um segundo extrato do diagnóstico apontado por integrantes do governo, segundo o qual essas instituições desempenhariam funções que “não cabem mais ao Estado”. “Várias das funções que são exercidas por essas fundações não podem ser exercidas pelo setor privado. O próprio governo reconhece isso ao dizer que muitas delas serão transferidas para órgãos da administração direta. Estas, porém, não têm estrutura para prestar esses serviços que são alheios a suas capacidades”.
O ex-secretário do Planejamento disse ainda que contou uma história ao governador José Ivo Sartori para tentar convencê-lo da importância das fundações. “Nas latitudes altas, os invernos são frios e as árvores perdem as folhas neste período. Mas, nem por isso, os administradores dos parques chamam o cara da motosserra para cortar as árvores neste período de inverno. É preciso ter um pouco de paciência. As fundações podem estar debilitadas, mas isso não justifica sua extinção. É preciso fazer um exame mais profundo sobre isso. Penso que é uma decisão profundamente equivocada que revela uma falta de visão de longo prazo, de visão histórica sobre as responsabilidades do Estado”, concluiu.
“País foi reduzido a um campo de caça”
A decisão de extinguir as fundações foi criticada também por outro ex-secretário de Planejamento em governos do PMDB, o economista Claudio Accurso, professor aposentado da UFRGS, que ocupou a pasta no governo Pedro Simon. “Quando vemos governos tomarem decisões que não nos parecem as mais justas e oportunas, temos sentimentos que variam da frustração à indignação. O que estamos vendo agora é um afastamento do governo em relação à sociedade que não é compatível com a democracia. Neste momento, a democracia está em jogo. Quando a voz das ruas não entra nos gabinetes de decisão, passam a prevalecer decisões de castas. Esse é o princípio do enfraquecimento da ordem democrática”, assinalou.
Accurso também afirmou que faltam razões objetivas para justificar a extinção das fundações. “O Estado quer modernizar o seu método de trabalho? Modernizar com que roupa? Colocando para a rua quem exerce essas funções? Com que direito e moral podem subtrair das gerações vindouras as opções que temos hoje? Isso não é correto. Essa ofensiva contra as funções não tem justificativa econômica nem ética. Estamos vivendo um período muito triste no Brasil. Perdemos partidos, lideranças e não temos projeto. O país está vivendo de expedientes e a nação está desaparecendo. A nação desaparecendo, o país fica reduzido a um campo de caça, onde vale tudo”, disse o economista.
“Governo está matando a inteligência do Estado”
Diretor de Ação Sindical do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS), Diego Mizette Oliz, também chamou a atenção para a gravidade das implicações das extinções das fundações. “O governo está matando a inteligência do Estado”. Para Diego Oliz, ao contrário do que alguns pensam, o governo Sartori sabe muito bem o que está fazendo. “Essas fundações são a inteligência do Estado. Acabando com as fundações, o trabalho que elas executam passará a ser controlado por consultorias privadas. É puro negócio”, resumiu. O diretor do Senge informou que o sindicato não assistirá a esse processo de braços cruzados. “Ficaremos de olhos nessas contratações e tentaremos barrá-las, como já estamos fazendo em relação no caso da concessão do aeroporto Salgado Filho”. O Sindicato dos Engenheiros ajuizou uma ação civil pública para discutir os estudos de viabilidade técnica do aeroporto.
O diretor do Senge-RS fez também um chamado à mobilização, lembrando que, por enquanto, as extinções ainda estão só no papel. “Não adianta ficar só resistindo nas redes sociais. Precisamos sair às ruas, como fizemos em dezembro aqui na Praça da Matriz, só que em um número muito maior. Vamos lutar para preservar esse acervo”.
“O perigo da situação atual é muito mais a ignorância do que a miséria”
A professora Lucia Carpena, diretora do Instituto de Artes da UFRGS, leu um trecho de um texto do escritor francês Victor Hugo, apresentado durante a Assembleia Constituinte de 1848, em Paris. O autor de “Os Miseráveis” criticava na época cortes propostos pelo governo da época, qualificando-os como insignificantes do ponto de vista financeiro e danosos sob todos os outros pontos de vista. O perigo da situação atual é muito mais a ignorância do que a miséria, advertiu o escritor. Destacando a atualidade do texto de Victor Hugo, Lucia Carpena criticou a “política de terra arrasada praticada por quem deveria proteger essa terra”. “Seremos condenados à amnésia cultural e histórica. Viraremos zumbis, vítimas da farsa da austeridade econômica.
“Estamos retrocedendo 70 anos”
Na mesma linha, o professor Pedro Dutra Fonseca, da Faculdade de Economia da UFRGS, criticou a decisão do governo Sartori, destacando que não há clareza nem racionalidade nos motivos apresentados. “O argumento oficial é o de corte de gastos, mas o fechamento das fundações é irrisório do ponto de vista econômico. Há ainda um argumento político, segundo o qual essa decisão seria uma forma de mostrar serviço ao governo federal para conseguir uma renegociação da dívida. Mas não mostra serviço algum, pois é uma medida inócua e o próprio governo federal , na PLP 343, que estabelece contrapartidas dos estados, não exige essas extinções. O Rio Grande do Sul está entregando essas fundações de bandeja, sem obter benefício algum com isso”, advertiu.
Pedro Fonseca classificou como “vergonhosa” a decisão da Assembleia Legislativa de aprovar os projetos de extinção encaminhados sem nenhum estudo técnico. “No setor público, qualquer projeto exige estudos de viabilidade e projetos. O governo não apresentou estudo algum, sequer na parte financeira, o que torna a situação ainda mais grave. Não houve qualquer estudo, só discursos vazios”. As fundações que estão na lista de extinção, lembrou Fonseca, foram criadas quando se pensava o futuro do Estado e do País. “Estamos retrocedendo 70 anos. É o fim de um ciclo, mas ele não aponta para o início de nenhum outro ciclo”.
O seminário contou com outras duas mesas. Na primeira, coordenada por Carla Ferreira, servidores das fundações apresentaram um resumo do trabalho desenvolvido pelas instituições e dos prejuízos que a sua extinção trará para o Estado e para a sociedade gaúcha como um todo. Na outra mesa, coordenada por Antonio Villeroy, André Scherer (FEE), Carlos de Martini (Afocefe – Sindicato dos Técnicos Tributários do RS) e Josué Martins (auditor do TCE), debateram alternativas para a crise do Estado. A tônica dessa mesa foi a crítica ao diagnóstico da crise que se concentra apenas na questão da despesa, deixando de lado os problemas de receita.
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