Ensino Médio exige atenção
Novos modelos de Ensino Médio exigem atenção às desigualdades`
ANTÔNIO AUGUSTO GOMES BATISTA - Revista Época - 22/03/2016 - São Paulo, SP
O pesquisador Antonio Augusto Gomes Batista, do Cenpec, fala da importância de dar condições de escolha para o jovem de baixa renda - que normalmente é obrigado a estudar à noite e não consegue aproveitar as melhores escolas
O Ensino Médio está no centro do debate da Educação Básica: uma nova proposta formulada em conjunto pelas Secretarias de Educação do país propõe a completa reformulação da área. O foco é tornar o currículo flexível. Com ele, o aluno do ensino médio teria sua carga horária dividida entre disciplinas fixas (comum a todos os estudantes) e disciplinas escolhidas conforme as aptidões, talentos e necessidades de cada adolescente.
Nesse modelo, alunos que queiram ir para a faculdade cursarão disciplinas preparatórias para isso. Aqueles que forem trabalhar podem optar pelo profissionalizante. Nessa área também há segmentação, com opções entre ciências humanas e exatas.
É certo dar aos jovens possibilidades de escolha e esta é uma medida importante. Já se reconhece que o jovem de 16 anos pode escolher votar, pode ser emancipado e ter uma vida sexualmente ativa. Nesse período da vida, muitos jovens anseiam por assumir mais protagonismo na condução de suas vidas, inclusive no ambiente escolar. Escolher seu percurso formativo no ensino médio pode ser um poderoso instrumento para estreitar o laço do jovem com a escola e com seu currículo, muitas vezes, distante de seus interesses e projetos de futuro.
á um ano e meio, demos início, no Cenpec, a uma ampla pesquisa sobre o ensino médio em quatro estados: São Paulo, Ceará, Pernambuco e Goiás. Nesses estados, o jovem pode optar por matricular-se no ensino médio em período integral ou parcial, com turno diurno e noturno. Resultados preliminares mostram a importância de se ter cautela na diversificação de alternativas para o ensino médio. Observamos até aqui que as diferentes modalidades de oferta do ensino médio não se dão por uma questão de preferências, mas sim de oportunidades (ou pela falta delas).
A investigação demonstra que tendem a optar pelo integral aqueles jovens de nível socioeconômico mais elevado. Mostra ainda que optam pela escola de tempo parcial, especialmente pelo noturno, aqueles que têm nível socioeconômico mais baixo e que, pelas condições de vida, precisam conciliar trabalho e estudo ou, pelo menos, colocar essa necessidade no horizonte das possibilidades mais imediatas. Segundo a pesquisa, haveria, assim, uma relação entre as supostas escolhas dos jovens e sua origem social. Àqueles de nível social mais baixo, as escolhas não são reais. Eles cursam o ensino médio que conseguem cursar – normalmente é o parcial noturno.
Existiria ainda uma desigualdade de oportunidades associada a essas supostas escolhas: as escolas de tempo integral oferecem melhores condições para o aprendizado e a formação dos alunos – mais tempo para dedicação aos estudos, professores com melhores condições trabalho e dedicados exclusivamente a uma única escola, melhores instalações, melhor clima escolar. Enfim, aqueles melhores indicadores que asseguram à escola fazer a diferença, mesmo diante de fatores como a origem social dos alunos, que, como se sabe, é um dos principais preditores de desempenho de estudantes e escolas. Desse modo, qualquer forma de diversificação e flexibilização no Ensino Médio deve ser examinada com cautela, porque, apesar de seus benefícios, pode trazer mais desigualdades.
Há uma correlação entre a origem social e a matrícula nos diferentes tipos de escolas. Isso não significa que todos os jovens e suas famílias sempre façam essas escolhas, nem tampouco que essa correlação ocorra em todos os estados. Os dados de Pernambuco, por exemplo, não indicam a existência dessa associação entre a origem social e a matrícula. É que na implementação das escolas de tempo integral tomou-se a decisão de que em todos os municípios pernambucanos haveria uma escola de tempo integral. Como 76,8% dos municípios do estado são de pequeno porte e possuem uma única escola, a política teve um ganho de equidade. Além disso, muitas famílias mesmo de meios pouco favorecidos fazem esforços para que seus filhos se matriculem nos estabelecimentos de tempo integral, pois eles adquiriram, em todos os estados, a reputação de serem escolas de excelência.
Apesar dessas exceções, o que predomina na análise dessas políticas educacionais é a possibilidade de um agravamento das desigualdades. Para evitá-lo é preciso atenção ao mecanismo social envolvido na diversificação da matrícula. Para alguns jovens, as escolhas são mais livres e remediáveis, uma vez que seu impacto na trajetória profissional do aluno pode ser reparado pelos capitais econômico, cultural e de relações sociais de sua família. Para outros, porém, as escolhas são impostas pelas circunstâncias de vida e constrangidas pelo cálculo, racional ou pouco consciente, das trajetórias de outros iguais, sejam vizinhos, amigos, irmãos. Trata-se do que alguns sociólogos denominam de “causalidade do provável”, ou seja, um ajuste de expectativas, aspirações e condutas àquilo que, “de acordo com o ocorre com os meus iguais, é mais provável que aconteça comigo”.
Em suma, se queremos que os jovens façam escolhas que rompam com seus condicionantes originados pela posição social – pois é disso que trata a Educação –, é preciso não só dar a possibilidade de fazer escolhas; é necessário dar as condições de fazer escolhas qualificadas. Ou seja, escolhas na forma da construção progressiva de um projeto de vida, e não de reajuste paulatino, como se vê hoje, das ambições dos jovens mais pobres: de médicos, passam a querer ser enfermeiros; de enfermeiros, se conformam em ser ajudantes de enfermagem; de ajudantes de enfermagem, passam a ser cuidadores. Todas as ocupações são dignas. Mas é hora de darmos oportunidades e condições reais de escolha para que os jovens sejam o que eles querem ser – e não apenas o pouco que a sua origem social lhes impõem hoje