Ensino da história afro-brasileira

Ensino da história afro-brasileira

Justiça decide verificar cumprimento do ensino da história afro-brasileira

  • 08/04/2018 Rio de Janeiro

Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil

 

Pela primeira vez a Justiça foi favorável à verificação do cumprimento da Lei 10.639/2003, que incluiu no currículo oficial da rede de ensino e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. Em decisão unânime, a Quarta Câmara Cível do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro deu provimento ao recurso impetrado pelo Instituo de Pesquisa e Estudos Afro-brasileiros (Ipeafro) e ao Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara).

O caso específico se refere ao município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e engloba escolas das redes municipal, estadual e particular. No pedido, os autores pleitearam “juntada dos currículos, grades curriculares e conteúdos das escolas requeridas e orientações das autoridades apontadas no polo passivo, para que, em perícia judicial, seja aferido o cumprimento ou descumprimento da lei 10.639/03”. Também são citadas a lei 11.645/2008, que inclui a obrigatoriedade do ensino da história indígena, e a lei 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial.

Na decisão, relatada pelo desembargador Antônio Iloízio Barros Bastos, é ressaltado que não há provas quanto ao cumprimento da lei em nenhuma escola. “Até mesmo o acesso ao inquérito resta prejudicado, pois, em que pese a atuação diligente do ilustre Promotor de Justiça signatário do parecer de fls. 546, olvidou-se de mencionar o número do inquérito civil. Dessa forma, a ausência de documentos inviabiliza o direito dos autores de fiscalizar a aplicação da norma, o que evidencia a presença do interesse de agir”.

A decisão aponta também que há apenas alegação por parte dos apelados do cumprimento da referida lei. “Diferente do que afirma o Estado do Rio de Janeiro, de rigor não existe prova, mas sim, quando muito, mera alegação de cumprimento da lei, que não retira dos autores o interesse de agir. Nessa toada, não há falar em inexistência de resultado útil na reforma da sentença, pois persiste o interesse dos autores, no âmbito da legitimação disjuntiva, em tirar suas próprias conclusões a respeito da efetiva observância da lei modo a atender aos interesses coletivos”.

Batalha judicial

O advogado do Iara Humberto Adami explicou que já faz mais de uma década que o movimento negro pede na Justiça que a lei 10.639/2003 seja cumprida. “Eu tinha feito, em 2005, representações ao Ministério Público Federal com 15 entidades do movimento negro. Essas denúncias foram espalhadas pelo Brasil, umas 5 mil ações multiplicadas pelos municípios. Daí abriram-se inquéritos civis públicos, com cada promotor ou procurador fazendo o inquérito e intimando as secretarias de educação e as diretoras de escola para saber porque não estava cumprindo a lei. Isso serviu como motivador para as pessoas conhecerem o problema”.

Adami lembrou que na época que integrou os quadros da extinta Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), foram enviados 1.200 ofícios cobrando as universidades públicas e privadas para oferecer formação sobre cultura e história afro-brasileiras. Porém, segundo ele, a maioria dos processos foi arquivado, muitos sem chegar a ser analisados.

“Nessa decisão de [Duque de] Caxias, o promotor arquivou a denúncia do inquérito civil público, dizendo que estava em funcionamento. Mas não estava, como ainda não está em lugar nenhum. Alguns promotores disseram isso, promotores que não gostavam do tema, promotores evangélicos, que achavam que tudo que se fala em cultura da África é religiosa, aí vão lá e arquivam o inquérito dizendo que a lei está funcionando. Ou por falta de conhecimento, ou por comodidade. Outra promotora, em Itaperuna, arquivou dez inquéritos civis públicos dizendo que a lei era ilegal, inconstitucional e desnecessária”.

Ele disse que 15 anos após a aprovação da lei, os avanços que ocorreram na implementação foram por iniciativas próprias e isoladas de profissionais. “Quando a gente começou as denúncias, tinha quatro nãos: não tem professor, não tem livro, não tem dinheiro e não tem currículo. Hoje, depois desse tempo todo, as professoras de história da África vêm construindo isso, mas não pode dizer que está numa situação confortável. Em muitos lugares que você vai, e eu tenho andado pelo Brasil inteiro, vejo professoras fantásticas de história da África, mas isso não pode ser visto como política pública, sempre depende do esforço pontual e individual. E sem contar com orçamento público”.

Agora, com essa decisão favorável, Adami espera que a Justiça siga o modelo em outras ações e pede união do movimento negro para fazer a inspeção nas escolas.

“Não tem ninguém fiscalizando nada. A escola faz uma capoeira no 13 de maio e um samba no 20 de novembro e diz que está fazendo e tudo bem. Ninguém verifica. O movimento negro vem denunciando há um tempão o descumprimento da lei. Tem coisas boas que estão sendo feitas, mas como iniciativas individuais. Como política não se verifica isso”.

Ainda cabe recurso da decisão de permitir a verificação da aplicação da lei 10.639/2003 no município de Duque de Caxias. A prefeitura informou que, para cumprir a lei, tem promovido capacitações para os docentes por meio da Secretaria Municipal de Educação, "além de grupos de estudos nas unidades escolares para subsidiar discussões com os professores e alunos sobre a temática, de forma ampla e transversal para toda a Rede Municipal de Ensino".

 

Edição: Fernando Fraga

 

http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2018-04/justica-decide-verificar-cumprimento-do-ensino-da-historica-afro-brasileira 




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