Educação Infantil na BNCC

Educação Infantil na BNCC

Educação Infantil na nova versão da Base Nacional Comum Curricular

Professor Paulo Sergio Fochi, que participou da elaboração da primeira e segunda versões da BNCC

No dia 6 de abril, quinta-feira, o Ministério da Educação divulgou a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O documento será agora apreciado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que já agendou audiências públicas em cada região do Brasil para discutir o texto. Na etapa de Educação Infantil, a divulgação da terceira versão abriu uma controvérsia relacionada ao Campo de Experiência que passou a ser intitulado “Oralidade e Escrita”.
 
O processo de construção da Base Nacional Comum Curricular foi iniciado concretamente com a nomeação no Diário Oficial da União, em 2015, de 116 especialistas de todo país, de várias instituições universitárias, reunidos para elaborar um documento inicial que servisse de base de discussão.
 
Quatro destes 116 especialistas foram nomeados para formular propostas relacionadas à educação infantil: Maria Carmen Silveira Barbosa (UFRGS), Zilma de Moraes Ramos de Oliveira (USP), Silvia Helena Vieira Cruz (UFCE) e Paulo Sergio Fochi (UNISINOS).
 
A primeira versão da BNCC foi disponibilizada pelo Ministério da Educação em outubro de 2015 e até março de 2016 o documento recebeu 12 milhões de contribuições, de educadores individualmente, de organizações e redes de educação de todo país, além de pareceres analíticos de especialistas, associações científicas e membros da comunidade acadêmica.
 
As contribuições foram sistematizadas por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), como subsídio para uma segunda versão da base, novamente com a participação dos 116 especialistas nomeados originalmente.
 
Essa segunda versão foi publicada em maio de 2016 e foi então discutida em seminários estaduais, sob coordenação do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
 
Em seguida foi elaborada a terceira versão da BNCC, agora sob coordenação de uma nova equipe do Ministério da Educação, sem a participação dos especialistas nomeados em 2015.
 
Educação Infantil - A terceira versão da BNCC, divulgada no início de abril de 2017, mantém as linhas gerais das duas primeiras versões. Foram mantidos, por exemplo, com algumas mudanças de redação, os Direitos de Aprendizagem que devem ser garantidos na Educação Infantil:

- Conviver com outras crianças e adultos (a segunda versão falava em “Conviver democraticamente com outras crianças e adultos”);

- Brincar de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), de forma a ampliar e diversificar suas possibilidades de acesso a produções culturais;

- Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas pelo educador, quanto da realização das atividades cotidianas;

- Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: a arte, a escrita, a ciência e a tecnologia (a segunda versão falava em exploração “interagindo com diferentes grupos e ampliando seus saberes, linguagens e conhecimentos”, não especificando as áreas “arte, escrita, ciência e tecnologia”);

- Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens (a segunda versão falava em “EXPRESSAR, como sujeito criativo e sensível, com diferentes linguagens, sensações corporais, necessidades, opiniões, sentimentos e desejos, pedidos de ajuda, narrativas, registros de conhecimentos elaborados a partir de diferentes experiências, envolvendo tanto a produção de linguagens quanto a fruição das artes em todas as suas manifestações”); e

- Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário.
 
Também foram mantidos os chamados Campos de Experiências, no âmbito dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Nesta área houve uma mudança que gerou grande polêmica no âmbito da educação infantil.
 
A terceira versão manteve, na íntegra, quatro dos cinco Campos de Experiências, na forma como foram nomeados na primeira e segunda versões da BNCC: O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas (“Traços, sons, cores e imagens”, na segunda versão); e Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.
 
Um quinto Campo de Experiência, entretanto, teve sua nomenclatura modificada, de “Escuta, fala, linguagem e pensamento”, na segunda versão, para “Oralidade e Escrita”, na terceira versão, o que gerou inquietação entre muitos setores da educação infantil.
 
A ênfase em Oralidade e Escrita, como um dos Campos de Experiência que devem ser oferecidos às crianças na educação infantil, representa “um empobrecimento muito grande, pois as crianças nascem com possibilidades muito maiores de expressão”, afirma Maria Thereza Marcilio, fundadora e presidente da Avante, uma das organizações referenciais em direitos da infância no Brasil.
 
Essa ampla capacidade de expressão dos pequenos, nota Maria Thereza, é ressaltada por exemplo por Loris Malaguzzi, idealizador das inovações em educação infantil em Reggio Emilia, na Itália, e que fala nas “100 linguagens das crianças”. “A escola deve acolher e incentivar todas essas experiências de linguagem e não enfatizar oralidade e escrita, que são importantes mas apenas duas formas de linguagem. Essa mudança de nome revela um reducionismo fantástico”, lamenta a presidente da Avante.
 
Maria Thereza Marcilio cita um ponto que na sua visão é igualmente preocupante. Trata-se da ênfase – dada na etapa do ensino fundamental – na alfabetização até os 7 anos, o que aconteceria então até o segundo ano do ensino fundamental. “Fazer da alfabetização até os 7 anos um cavalo de batalha não ajuda, apenas atrapalha. A escrita é um objeto social, ao contrário de outras formas de expressão que nascem com as crianças. Forçar a alfabetização de crianças oriundas de ambientes de pouco contato com a escrita, e tentar fazer isso mecanicamente, sem que haja contextualização, significado para essas crianças, pode ter efeito contrário”, afirma a especialista.
 
Ela lembra que “o contato com a escrita já ocorre na educação infantil, às vezes de forma equivocada, levando crianças a serem pressionadas a estar sempre com lápis e caderno, mas também há experiências muito ricas, em que a escrita aparece junto com tantas outras linguagens”, diz a presidente da Avante.
 
Dois dos quatro especialistas nomeados em 2015 pelo Ministério da Educação, e que participaram ativamente da elaboração da primeira e segunda versão da BNCC na etapa da educação infantil, também manifestaram, em entrevista ao Fundo Juntos pela Educação, a sua discordância com a evidência dada a “Oralidade e Escrita” como um dos Campos de Experiências na terceira versão.
 
Para a professora Maria Carmen Silveira Barbosa, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a ênfase na oralidade e escrita contraria uma discussão já consolidada em âmbito internacional, no sentido da ideia de valorização dos direitos das crianças, e não apenas em termos de uma visão de escolarização. Trata-se de garantir que mesmo na escola as crianças “tenham direito a viver sua infância, e não apenas a ter contato com conteúdos curriculares”.
 
Quando se evidencia a questão instrumental, associada à ênfase na oralidade e escrita, “a abordagem fica empobrecida”, diz a professora da UFRGS. “O equilíbrio de linguagens é muito importante para o desenvolvimento infantil. A criança ganha muito com a presença do teatro, da música, da dança, da exploração do meio ambiente na educação infantil. A ênfase na escrita e oralidade contraria esse equilíbrio”, ela adverte.
 
A pressão para que a alfabetização ocorra até os 7 anos, como está previsto na terceira versão da BNCC, também preocupa Maria Carmen Silveira Barbosa, pelo que isso significa quanto ao impacto na educação infantil, sobretudo na pré-escola.
 
Ela cita que grandes referências na neurociência, como o espanhol Francisco Mora, destacam a importância da infância como o momento em que a criança “constrói sua capacidade simbólica, se vivenciar diversas linguagens, e a ênfase na oralidade e escrita e na antecipação forçada da alfabetização vai na direção contrária disso”.
 
Outro membro do grupo inicial que elaborou o texto da BNCC na etapa da educação infantil, o professor Paulo Sergio Fochi, da UNISINOS, também manifesta a sua grande preocupação com a ênfase na Oralidade e Escrita. “Leitura e escrita devem ter valor como outras linguagens, é a diversidade de linguagens que qualifica a criança a enfrentar a complexidade da experiência com o mundo”, afirma o especialista. Ele nota que não se trata de excluir a Oralidade e Escrita da educação infantil, pois as crianças têm todo direito a ler e escrever, mas há momento e forma adequada de se fazer isso.
 
Paulo Sergio Fochi lamenta que o grupo inicial que participou de toda a construção da primeira e segunda versão da BNCC não tenha sido convidado a se integrar na elaboração da terceira versão. Ele nota que, em 2015, o grupo de quatro especialistas que trabalhou na etapa da Educação Infantil participou de cerca de 100 reuniões, ao longo de seis meses, em várias regiões do Brasil, ouvindo opiniões de diferentes grupos e movimentos, justamente para que o texto refletisse o que há de mais atual no conhecimento e espelhasse as demandas concretas de quem trabalha na área. Toda essa experiência, lamenta o professor da Unisinos, não foi considerada na formulação da terceira versão, sem a participação dos colaboradores originais. “Os direitos de aprendizagem, os campos de experiência, toda essa arquitetura vem desse diálogo que mantivemos com muitos setores. É lamentável que não tenha havido o convite à participação na construção da terceira versão”, completa.
 
Conselho Nacional de Educação – Paulo Sergio Fochi manifesta a esperança em que a ênfase na Oralidade e Escrita seja revista no momento de discussão e apreciação da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). O parecer do Conselho será então remetido para homologação, pelo ministro da Educação, o que deve ocorrer até o final de 2017.
 
As audiências públicas do Conselho Nacional de Educação serão iniciadas em Manaus (AM) no dia 7 de junho e serão encerradas em 11 de setembro em Brasília. Serão cinco encontros, um em cada região do Brasil. As demais acontecem dia 28 de julho, em Recife (PE); 11 de agosto, em Florianópolis (SC); e 25 de agosto, em São Paulo (SP).
 
O conselheiro César Callegari preside a comissão do CNE responsável pela formulação de parecer e projeto de resolução sobre a BNCC. Os conselheiros Joaquim José Soares Neto e Francisco Soares dividem a relatoria da comissão.
 
Callegari já afirmou que as audiências públicas (que serão transmitidas pela Internet) são uma forma de apresentar o documento à sociedade e ao mesmo tempo poder ouví-la. “Nosso trabalho será intenso e, se for necessário, o CNE poderá fazer modificações e aperfeiçoamentos no texto que nos foi entregue”, destacou, abrindo a possibilidade de que o Conselho ouça propostas apresentadas nas audiências.

 

http://juntospelaeducacao.com.br/educacao-infantil-na-nova-versao-da-base-nacional-comum-curricular/ 
 
 




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