Educação e meritocracia

Educação e meritocracia

A maioria dos professores dá aula em condições difíceis, com alunos em situação de risco e sem materiais pedagógicos básicos para dar uma boa aula

  • Fabricio Maoski     

 

Em nossa sociedade há um debate sobre a meritocracia na educação pública. Muitos, ao analisar os resultados invariavelmente ruins do Ideb, apontam com o dedo em riste que a solução é a meritocracia, ou seja, atrelar o salário do professor (ou parte dele) à melhora dos resultados dos índices. Os defensores da meritocracia argumentam que o resultado do índice é responsabilidade dos professores e que os péssimos resultados estariam relacionados à falta de interesse (preguiça?) dos professores em fazer um bom trabalho em sala de aula. Nesse sentido, a aprendizagem do aluno não teria relação com a situação socioeconômica das crianças, nem com as condições materiais da escola, nem com falta de materiais didáticos e espaços pedagógicos, como livros, laboratórios de informática, laboratórios de ciência e projetores multimídia.

Apenas por exercício intelectual, vamos extrapolar a ideia da meritocracia para outras áreas da gestão pública. Afinal, se a ideia é boa (como argumentam seus defensores), por que não aplicá-la em outros contextos do serviço público? Um lugar onde poderíamos facilmente aplicar a meritocracia são os hospitais. Se há filas no atendimento da emergência e pessoas reclamando do tempo para fazer exames, obviamente o problema não deve ser a falta de funcionários ou de estrutura de atendimento, mas a falta de mérito (ou, quem sabe, de empenho?) das pessoas que lá trabalham. Por que não criar um índice de satisfação do usuário e atrelar o salário (ou parte dele) dos médicos e enfermeiros ao índice? Ou, ainda, poderiam criar um índice de mortandade de pacientes para cada hospital e atrelar um bônus salarial para quem conseguisse reduzir os óbitos. Afinal, de acordo com a meritocracia, a culpa pelos problemas ocorridos na instituição deve ser dos funcionários que lá trabalham.

Analisar a educação apenas pelo mérito é ver só um pequeno pedaço do problema 

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Outro lugar onde a meritocracia também poderia ser aplicada é na Justiça. Há muitos anos vê-se na mídia que há milhares de processos parados e os juízes não dão conta de analisar, fazer audiências e proferir sentenças. Utilizando o princípio da meritocracia, vemos que isso não é falta de estrutura de trabalho ou de funcionários, mas um problema de mérito das pessoas que lá trabalham. Por que não criar um índice de produtividade para juízes e atrelar seus salários à quantidade de processos analisados?

Há muitos anos ouço dizer que um dos problemas das obras públicas é o excesso de aditivos nos contratos e que isso ocorre por erros nos projetos básicos. Utilizando o princípio da meritocracia, vemos que o problema são os engenheiros que trabalham no serviço público e não a falta de estrutura, de pessoal e a interferência política nos setores de obras. Por que não criar um índice de produtividade em que o engenheiro responsável perde uma gratificação ou direito a progressão de carreira quando há um aditivo numa obra?

Ideias absurdas? Alguns vão dizer que o aditivo no contrato não é culpa do engenheiro e que há outros fatores a serem levados em conta; outros, que as filas e problemas de atendimento são problemas estruturais de falta de investimento. Eu não tenho nenhuma dúvida de que os magistrados, os engenheiros e os médicos não têm culpa pelos problemas de atendimento e, muitas vezes, são vítimas de um sistema imoral de trabalho.

Há uma máxima que diz que para todo grande problema há uma resposta simples, objetiva e errada. E esse é o caso da meritocracia na educação. Analisar a educação apenas pelo mérito é ver só um pequeno pedaço do problema. A maioria dos professores dá aula em condições difíceis, com alunos em situação de risco e sem materiais pedagógicos básicos para dar uma boa aula. Eu concordo que alguns professores estão realmente na profissão errada e fazem um trabalho ruim – o que ocorre em todas as profissões –, mas generalizar como se todos os professores fossem profissionais de segunda categoria é injusto. Afirmar que a solução dos problemas da educação é a meritocracia é ignorar todas as questões estruturais que simplesmente são muito maiores que os professores.

Fabricio Maoski é professor de História, psicólogo e mestre em Psicologia.

 

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/educacao-e-meritocracia-5g18jmczs3t8nx75d202ityiu 




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