Documentário história do Brasil
Documentário leva história do Brasil para a sala de aula
por Bruno Alfano* - O Globo - 24/08/2016 - Rio de Janeiro, RJ
Cinquenta crianças negras escravizadas não chocavam a pequena Campina de Monte Alegre, interior de São Paulo, na década de 1930. Levadas de um orfanato do Rio por uma família rica, elas foram submetidas a trabalho forçado. É este o triste passado do Brasil descrito no documentário “Menino 23”, que será o ponto de partida para um debate sobre novas formas de utilização de recursos audiovisuais em sala de aula durante o encontro Educação 360. Realizado pelos jornais O GLOBO e “Extra”, em parceria com o Sesc e a Prefeitura do Rio e com apoio da TV Globo e do Canal Futura, o evento acontecerá nos dias 23 e 24 de setembro, na Escola Sesc de Ensino Médio, em Jacarepaguá.
Além de “Menino 23”, a iniciativa Criativos da Escola e o projeto social da Escola Sesc serão apresentados no mesmo módulo do encontro. O debate terá a presença do sociólogo Cesar Callegari, diretor da Faculdade Sesi-SP de Educação e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), e da professora Jaqueline Moll, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), com mediação do jornalista Antônio Gois, colunista do GLOBO.
— Vamos falar sobre a expansão do processo de educação para além da sala de aula. Serão dois focos: um nas plataformas multimídias, como cinema e redes sociais, e outro na valorização da memória — adianta o historiador Sidney Aguilar Filho, autor da tese de doutorado em História da Educação que serviu de base para a o filme de Belisário Franca, em cartaz nos cinemas.
Aguilar defende que a memória histórica é fundamental para se pensar, através dos recursos audiovisuais e mídias sociais, a atual educação brasileira. O processo deve levar em consideração o que deu certo e o que deu errado.
— O filme trata justamente de um projeto educacional da década de 1930 que produziu resultados vitoriosos para uma determinada parcela da sociedade, que não foram as crianças ou os que defendem a democracia — afirma Aguilar: — Há uma interseção entre as plataformas multimídias e a produção educacional básica, principalmente do 5º ao 9º ano do ensino fundamental e no ensino médio.
O pesquisador dava uma aula em 1998 sobre a Segunda Guerra Mundial quando uma aluna disse que conhecia uma fazenda feita de tijolos com o símbolo do nazismo. A investigação do professor levou à história dos 50 meninos que foram escravizados pela família Rocha Miranda, influente na região e no Rio, então a capital do Brasil. O historiador conseguiu encontrar duas vítimas ainda vivas: Aloísio Silva e Argemino Santos.
— Esse trabalho teve o poder de me transformar. Passei a ser mais cuidadoso na relação com meus alunos. O que encontrei nessa pesquisa foi uma sociedade que julgava aquilo aceitável e até desejável. Isso me traz uma preocupação em sempre ter cuidado e refletir sobre nosso comportamento — afirma.
Os garotos viveram quase dez anos na fazenda. Lá, eram tratados apenas como números. Aloísio Silva foi o menino 23, que dá nome ao documentário. O cárcere terminou quando o presidente Getúlio Vargas se aliou aos Estados Unidos, na Segunda Guerra, e passou a ser crime fazer menção ao nazismo. “Eles (os fazendeiros) abriram a porteira e mandaram a gente embora. Simplesmente, que nem gado”, lembra, na obra, Aloísio Silva, que morreu em 2015.
— Quando seu Aloísio contou sua história, a narrativa que ele apresentava coincidia com os documentos que eu tinha encontrado. Ele falava, por exemplo, que tinha saído de uma tal Casa da Roda no Rio de Janeiro, e eu já tinha encontrado a Casa da Roda, que era o orfanato Romão de Mattos Duarte. Tinha também encontrado os livros de entrada e saída dos órfãos, conhecia o nome da maioria dos meninos, inclusive de Seu Aloísio. Então, tinha tudo nas mãos, e conforme ele ia contando, aquilo ia se encaixando — diz o pesquisador.
OUTRA DIMENSÃO DE ESTUDO
Para o professor Sidney Aquilar Filho, o filme contribui para a realização de fóruns - Divulgação
Toda uma campanha de impacto foi montada para transformar “Menino 23” num dispositivo pedagógico para instituições de ensino e ONGs voltadas aos mais variados públicos.
— Devido às temáticas espinhosas dentro de um contexto histórico, estruturamos a campanha em torno de “Menino 23” para promover a reflexão sobre temas como racismo, exploração do trabalho infantil negro, trabalho escravo e direitos humanos. Organizamos o debate de acordo com o público, e cada aluno responde de acordo com o contexto cultural em que vive — conta Rossana Giesteira, responsável por levar o filme para as escolas e promover os valiosos debates.
Participaram do projeto 34 instituições educacionais, impactando 3200 pessoas.
— Assuntos difíceis dentro do audiovisual podem e devem ser explorados de forma mais profunda e estruturada para impactar as pessoas de forma que elas reflitam mais sobre o tema — acredita Rossana.
* Do Extra.