Dívida com precatórios no RS

Dívida com precatórios no RS

Dívida com precatórios bate recorde no Rio Grande do Sul

Em julho, contabilizados os títulos já inscritos para pagamento no orçamento do Estado de 2017, passivo chegou a R$ 11,6 bilhões 

Por: Juliana Bublitz    15/08/2016

 

A dívida do Estado do Rio Grande do Sul com precatórios atingiu novo recorde: pela primeira vez, ultrapassou a marca de um dígito, chegando a R$ 11,6 bilhões. A cifra precisa ser paga até o fim de 2020 e equivale ao triplo do valor previsto para a saúde neste ano.

Em meio a uma das mais graves crises financeiras de sua história, o governo do Estado tem repassado ao Judiciário o mínimo exigido por lei para quitar os títulos, que são dívidas do poder público com pessoas e empresas. Muitos credores aguardam há décadas na fila e temem não receber a indenização em vida.

Por mês, são cerca de R$ 39 milhões — o equivalente a 1,5% da receita corrente líquida do Estado — para cobrir o débito bilionário. No início de 2016, o Tribunal de Justiça (TJ) conseguiu garantir o repasse de mais R$ 6 milhões mensais até dezembro (cerca de R$ 70 milhões no ano), a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo assim, neste ano, a soma não passará de 5% do total devido.

— É pouco. Todas as semanas recebemos pessoas perguntando quando os seus créditos serão pagos, e não temos como dar uma previsão. O Estado precisa urgentemente aumentar o percentual destinado aos precatórios — adverte a juíza Kétlin Carla Pasa Casagrande, convocada para a Central de Conciliação e Pagamento de Precatórios do TJ.

Em um cálculo simples, considerando a média mensal de depósitos, seriam necessárias mais de duas décadas para fechar a conta. O problema é que, em 2015, o STF impôs o prazo de cinco anos. O Estado teria de quadriplicar os aportes mensais para cumprir a determinação e alega não ter condições.

Subsecretário do Tesouro, Leonardo Busatto afirma que o débito, na prática, é menor, entre outras razões, porque muitos processos antigos já foram liquidados e não receberam baixa. Ele também projeta tendência de queda no número de novos papéis, já verificada nos precatórios inscritos no orçamento de 2017. Isso porque, segundo Busatto, o passivo judicial decorrente das leis Britto — reajustes salariais concedidos e não pagos no governo Antônio Britto, 1995-1998, uma das principais responsáveis pela explosão da dívida — está perto do fim. Apesar disso, o subsecretário reconhece a gravidade da situação, diz que o governo está fazendo o que pode e que não existe saída fácil.

— A questão é: se não conseguimos sequer pagar em dia os vencimentos dos servidores do Poder Executivo, como vamos aumentar o percentual destinado aos precatórios? Para fazer isso, teremos de tirar de outro lugar — afirma Busatto.

Há duas propostas de emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Congresso que podem ajudar o Estado. Uma defende a ampliação do prazo dado pelo STF até 2025. A outra sugere que governadores e prefeitos sejam autorizados a fazer financiamentos para saldar o que devem, mesmo sem margem para endividamento.

Se nada mudar, o governador que assumir o comando do Palácio Piratini em 2019 terá uma bomba nas mãos. A partir dali, a elevação das alíquotas de ICMS aprovada na gestão de José Ivo Sartori perderá a validade, derrubando a arrecadação. Fora isso, o Estado estará pagando as parcelas da dívida com a União de forma integral outra vez.

A perspectiva preocupa o coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Pagamento de Precatórios e RPVs da Assembleia, deputado Frederico Antunes (PP). Ele sugere que a União assuma a dívida.

— Temos de voltar a falar na federalização do passivo, que está prevista na Constituição. Esse assunto acabou ficando para trás nas negociações com o governo federal, mas precisa mudar. Agora é o momento ideal para isso — sugere o deputado.

O que são
Precatórios são dívidas do poder público resultantes de ações judiciais superiores a 10 salários mínimos (R$ 8,8 mil). No caso do RS, decorrem principalmente de questões salariais (envolvendo servidores ativos, inativos e pensionistas), desapropriações e cobranças indevidas de impostos.


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Famílias seguem à espera de pagamento

Gobatto (de camisa azul) afirma que, enquanto estiver vivo, continua ¿esperançoso. Foto: Diego Vara / Agencia RBS

Há três décadas, a Rota do Sol partiu ao meio as terras, os parreirais e os sonhos das famílias Gobbo, Gobatto e Manica, no limite entre Garibaldi e Carlos Barbosa, na Serra. De lá para cá, sem receber um centavo de indenização, os vizinhos da Linha Vitória se tornaram donos de precatórios. Eles foram retratados por ZH na reportagem "Uma longa espera", publicada em outubro de 2015. Passados 10 meses, continuam esperando pagamento.

Aos 77 anos, o aposentado Sadi Domingos Gobatto afirma que, apesar de tudo, ainda não perdeu a confiança.

— Enquanto estiver vivo, continuo esperançoso. Sei que é difícil, porque o Estado está atrasando salários, quem dirá pagar os velhinhos como eu e os meus vizinhos — brinca Gobatto.

Disposto a pressionar o governo, Alcindo Manica, 51 anos, pensa em organizar um protesto na Rota do Sol. Ele perdeu metade do que ganhou de seu pai em razão da construção da rodovia.

— Fui a Porto Alegre falar com a juíza, mas ela disse que não tinha o que fazer. Estou cansado de esperar — desabafa.

Câmara de conciliação enfrenta obstáculos

Criada em outubro do ano passado, a Câmara de Conciliação de Precatórios conseguiu firmar, até agora, 26 acordos com credores. Segundo a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), foram pagos R$ 28,8 milhões, com desconto de 40% no valor dos títulos envolvidos.

A primeira leva teve 77 precatórios convocados, contemplando papéis de 1987 a 1998. Um segundo chamamento foi feito em junho, abrangendo 184 títulos, de 1988 a 1999, com 104 manifestações de interesse. A expectativa da PGE é liberar uma nova lista de convocados antes da conclusão da rodada que está em andamento, para acelerar o trabalho.

A demora nos acordos é alvo de críticas. A cada mês, desde outubro passado, o Tribunal de Justiça (TJ) reserva 50% do dinheiro repassado pelo Estado para a câmara. Até julho, havia cerca R$ 160 milhões à disposição para acordos.

— Por mais que a PGE tenha boa vontade, o trabalho é lento, e os recursos estão se acumulando. Poderiam estar sendo usados para pagar precatórios integralmente — afirma Ricardo Bertelli, vice-presidente da Comissão de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB-RS) e assessor jurídico do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado (Sinapers).

O TJ argumenta que a reserva de valores segue regras definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Conforme o coordenador da Procuradoria de Precatórios e RPVs da PGE, Vitor Hugo Skrsypcsak, o pagamento dos valores depende da precisão das informações prestadas pelos tribunais, que estão em constante evolução, e da procura dos credores pelo acordo, que tende a aumentar com o passar do tempo.

Quanto ao ritmo dos trabalhos, Skrsypcsak lembra que os títulos em questão são antigos e, por isso, exigem cuidados especiais. É necessário checar valores e confirmar a identificação dos credores. Houve casos, por exemplo, em que os nomes estavam incompletos e não havia sequer registro de CPF.

— Temos consciência de que o procedimento precisa melhorar, mas precisamos ter certeza de que não haverá erros. Estamos trabalhando para agilizar o processo e acelerar o passo. Somos os maiores interessados nisso — garante Skrsypcsak.

 

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