Diretor: educador ou gerente?

Diretor: educador ou gerente?

Diretor escolar: educador ou gerente?”, de Vitor Henrique Paro.

O sequestro do caráter público da instituição escolar: razão mercantil e amadorismo pedagógico em políticas educacionais.

Resenha por Rosana Evangelista da Cruz.

Vitor Henrique Paro, professor titular na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, autor de inúmeras publicações sobre educação e administração escolar, tem oferecido à comunidade educacional, com suas obras, contribuições efetivas para a reflexão dos problemas que envolvem a gestão educacional na realidade brasileira. É incontestável a importância deste intelectual para o meio educacional, a partir do compromisso com a produção e adoção de modelos de gestão educacional verdadeiramente democráticos, com vistas à construção de uma escola pública libertária e de uma sociedade comprometida com a emancipação humana.

O livro “Diretor escolar: educador ou gerente?” é fruto de pesquisa acerca dos determinantes pedagógicos e políticos da escola sobre a prática administrativa do diretor escolar. Resultado de investigação empírica em escola pública municipal de ensino fundamental da cidade de São Paulo e de pesquisa bibliográfica documental, o trabalho dialoga com os problemas atuais da administração escolar e com os estudos clássicos da área no Brasil, sintetizando e aprofundando reflexões realizadas pelo autor em outras publicações sobre o papel da educação, da escola e da administração e direção escolares.

No presente livro, de modo coerente com a prática de pesquisa sistemática em escola pública, com vistas a desvelar seu cotidiano e suas contradições, Paro efetiva um belo diálogo entre aqueles que constroem o dia a dia da educação pública e a teoria que embasa sua produção, oferecendo elementos importantes para a reflexão sobre a gestão escolar, na perspectiva da defesa da escola pública como um direito. O resultado da investigação é apresentado em quatro instigantes seções, as quais despertam no leitor o interesse em conhecer toda a obra do autor.

Na primeira seção é apresentado o conceito de administração como mediação ou “utilização racional de recursos para a realização de fins determinados” (Paro, 2015, p.18). Este conceito, amplo e original, indica a indissociabilidade entre a ação administrativa e o fim que pretende alcançar; dessa forma, supera a ideia do senso comum de que administrativo é sinônimo de burocrático, com fim em si mesmo, negando seu papel de mediação para o alcance de fins determinados.

No campo da administração escolar, o autor informa que toda prática pedagógica está impregnada do administrativo, assim como o administrativo é potencialmente pedagógico. No caso da escola, o fim almejado é o aluno educado, portanto, o pedagógico deve ser a razão do administrativo no interior dessa instituição. Por esta compreensão, Paro advoga que qualquer diretor escolar deve, antes de tudo, ser um educador.

Na escola, nas diferentes atividades realizadas pelos sujeitos que a compõem, está presente o problema administrativo, no sentido da consecução do fim a que se propõe. É neste sentido que o autor apresenta os dois amplos campos da administração: a racionalização do trabalho e a coordenação do esforço humano coletivo, que inclui a questão das relações na escola e do papel desempenhado pelos diferentes sujeitos envolvidos, reconhecido o caráter político das referidas relações.

A política é compreendida por Paro como “produção da convivência entre grupos e pessoas […] que possuem vontades e interesses próprios que podem ou não coincidir com os interesses dos demais” (2015, p. 33). Com isto, fica evidente que a coordenação do esforço humano coletivo na escola para o alcance dos fins educacionais está prenhe de política. Dependendo do tipo de convivência estabelecido entre os envolvidos, pode contribuir para a afirmação de cada um como sujeito ou para a negação dessa mesma subjetividade.

É nesse contexto que o autor diferencia os objetivos (os fins) de uma empresa capitalista e os da escola. A empresa busca alcançar o lucro, viabilizado pela exploração do trabalhador, negando-lhe o usufruto pleno do valor produzido pelo seu trabalho. No caso da escola, o objetivo é justamente a afirmação do sujeito, mediante a função precípua de contribuir para a atualização histórico-cultural dos sujeitos envolvidos. Como os fins são antagônicos, o autor questiona a adoção do modelo gerencial na escola.

Na segunda seção, Paro apresenta a discussão sobre direção/diretor escolar. Embora os componentes da administração (racionalização do trabalho e coordenação) estejam presentes na direção, esta se coloca acima daquela devido ao poder que lhe é inerente: “podemos dizer que direção é a administração revestida do poder necessário para fazer-se a responsável última pela instituição” (Paro, 2015, p. 38). O conceito de poder adotado pelo autor, amplamente discutido em obra anterior (Paro, 2014), refere-se à capacidade de determinar o comportamento de outros.

Na terceira seção, dedicada à análise da escola como objeto de gestão escolar, o autor afirma que a concepção hegemônica de educação, de senso comum, restringe o papel da escola à transmissão de conhecimentos para as novas gerações. Questiona tal concepção por entender que o educando não aprende por transmissão, mas ao se apropriar de determinado componente cultural historicamente produzido, incorporando-o à sua personalidade viva, mediante a aplicação de sua vontade na ação de educar-se. Ademais, reduzir o papel da escola à transmissão de conhecimentos é limitar sua função a somente um aspecto da “cultura produzida historicamente e necessária à formação do ser humano-histórico em seu sentido pleno” (Paro, 2015, p. 48).

O autor ressalta que o ser humano se apropria da cultura como sujeito; por isso, para não ferir o princípio de adequação de meios a fins, a escola precisa propiciar condições para que o educando se faça sujeito de seu aprendizado, o que demanda a revisão de sua estrutura e de todo o processo de organização do seu trabalho pedagógico.

Para aqueles envolvidos com as políticas educacionais, seja como sujeitos da política, seja como pesquisadores, o ponto alto do livro de Vitor Paro fica por conta da discussão sobre a interferência da concepção de educação e da razão mercantil nas políticas da atualidade, elementos destacados no título desta resenha. Para o autor, as duas grandes ameaças à educação estão relacionadas à razão mercantil que orienta as políticas educacionais e ao amadorismo pedagógico dos que cuidam da educação.

A razão mercantil está calcada na perspectiva de privilegiar os resultados econômicos e na inserção de mecanismos típicos do sistema capitalista no âmbito dos sistemas e unidades escolares. Nas políticas educacionais, segundo o autor, a razão mercantil se faz presente na defesa de interesses particulares, na privatização do ensino, no favorecimento de escolas particulares, na compra de pacotes ou sistemas de ensino, no estabelecimento de parcerias com a iniciativa privada e na secundarização das condições dos trabalhadores da educação em favor de outros insumos que favorecem o acúmulo privado, entre outras formas.

No que se refere ao amadorismo, Paro argumenta que este, acrescentado da ignorância, é solo fértil para a absorção do paradigma mercantil nas políticas educacionais, pois a ausência do conhecimento técnico-científico sobre o fato educativo – a “cegueira pedagógica” – leva à adoção de “princípios, métodos e técnicas dominantes no mundo dos negócios, ignorando por completo a especificidade do trabalho escolar e a necessidade de levar em conta sua singularidade na tentativa de fazê-lo efetivo” (Paro, 2015, p.54).

Paro contrapõe a esfera privada à esfera pública. Esta última envolve a universalidade de direitos e deveres de cidadãos, no âmbito do Estado democrático. Este Estado é o domínio da política, vista como “convivência entre indivíduos ou grupos que detêm ou reivindicam sua condição de sujeitos, ou seja, detentores de interesses e atuantes em sua realização” (Paro, 2015, p. 56-57). Justamente esta condição de sujeito caracteriza o homem como humano-histórico, que demanda a convivência com a subjetividade do outro, condição “que caracteriza a ação política em seu sentido amplo” (Paro, 2015, p. 57).

A referida convivência, nos termos do autor, pode ocorrer pela dominação ou pelo diálogo. No primeiro caso, a dominação, mediante autoritarismo, ou seja, o poder de uns sobre outros. No segundo, o diálogo entre sujeitos, o que consubstancia a convivência democrática, livre e pacífica entre indivíduos e grupos, os quais estariam se afirmando como sujeitos. Para o autor, o aprendizado escolar precisa ser necessariamente democrático, já que a natureza do processo pedagógico evidencia que a aprendizagem só se faz com a vontade do educando.

Ampliando sobremaneira o que entendemos por gestão democrática, o autor informa que o processo pedagógico é autêntica ação política, porque está no âmbito da relação de convivência entre sujeitos, o que vai remeter diretamente ao tipo de profissional responsável pelo processo de ensino-aprendizagem. Neste sentido, compreende que o professor é um trabalhador com caráter específico, diferente de outros profissionais, porque precisa de envolvimento pessoal e político com o educando, condição para a eficiência do processo educativo.

A importância e a complexidade da ação docente requerem que sejam garantidas condições políticas e técnicas para o efetivo cumprimento de seu papel. Na ausência das referidas condições, ocorre o sequestro do caráter público da instituição escolar e a degradação do desempenho pedagógico, levando à negação do direito à educação. Tal sequestro ocorre, por exemplo, quando o Estado descuida das políticas educacionais e adota sistemas e pacotes de ensino da iniciativa privada, visando favorecer os interesses particulares e desqualificar o trabalho do professor, ou quando limita o conceito de qualidade aos resultados de testes padronizados em larga escala, nos termos do autor.

A quarta seção do livro, intitulada “Diretor escolar: dirigente ‘sui generis’ para um trabalho singular”, é dedicada especificamente ao papel do diretor. Nesse espaço, Paro discute a natureza da função de diretor em seu papel de mediação para a garantia da educação escolar. Pondera que a escola de antigamente era seletiva e elitista, porque não universalizada e com fatores evidentes de estratificação, dentre os quais os testes seletivos e a reprovação escolar, mecanismos de culpabilização dos alunos pelo fracasso da escola. No entanto, hoje, como a escola precisa receber todos os que a procuram, o fracasso escolar fica evidente, havendo um movimento intenso de adoção acrítica dos princípios e métodos da empresa capitalista nas escolas, mediante proposições de modernização, qualidade total, empreendedorismo, bonificação, remuneração por mérito, ranqueamento, entre outras denominações que contribuem para a precarização da escola.

Combatendo a ideia de que o diretor deva ser um gerente, o autor reforça o entendimento de que a administração escolar é uma função que somente pode ser exercida por educadores, dada a necessidade de adequação dos meios aos fins típica da administração, a singularidade do trabalho desenvolvido nas escolas e a necessidade de seu compromisso com a construção de personalidades humano-históricas, portanto, de verdadeiros cidadãos.

A peculiaridade da escola e do trabalho nela desenvolvido, segundo Paro, requer um dirigente escolar democrático, cuja legitimidade advenha da vontade e do “consentimento daqueles que se submetem à sua direção” (Paro, 2015, p. 115). Neste sentido, o autor contesta não somente a compreensão do diretor como um gerente, mas também o provimento do cargo por indicação político-partidária ou concurso público, formas que ferem os princípios democráticos. Na realidade, além da defesa da eleição, o autor advoga que a coordenação não precisa ser feita sempre a partir de um coordenador unipessoal que determine a conduta de grupos e pessoas, mas pode ser realizada coletivamente, diretamente ou por meio de conselhos, representantes ou de colegiado diretivo.

A leitura da obra de Vitor Henrique Paro é imprescindível, pois apresenta contribuições fundamentais para pais, educadores, gestores e pesquisadores, que defendem a educação pública como direito fundamental, especialmente em contexto de ampliação da razão mercantil em políticas educacionais. Além do relevante livro ora resenhado, os interessados em aprofundar estudo sobre as instigantes questões apresentadas pelo autor podem obter maiores informações sobre suas produções no ‘site’: .

Referências Bibliográficas


PARO, V. H. Diretor escolar: educador ou gerente? São Paulo: Cortez, 2015.
PARO, V. H. Educação como exercício do poder: crítica ao senso comum em educação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2014.

Rosana Evangelista da Cruzrosanacruz@ufpi.edu.br Universidade Federal do Piauí

http://desidades.ufrj.br/bibliographic_info/679/




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