Direito, ou mercadoria?
O que é visto como gasto inútil na escola pública torna-se investimento nas particulares;
Algures, alguém escreveu que existe uma cultura de inovação entre nós, que fica reprimida por agendas presas ao passado, ou por falta de visão de futuro.
Exemplo da justeza dessa afirmação é o desfecho da chamada pública para projetos inovadores, iniciativa que, em boa hora, o MEC desenvolveu. Mudanças no elenco ministerial deixaram os projetos inovadores à espera de avaliação e acompanhamento, que o MEC garantiu, mas não realiza.
Ciclicamente, com a mudança de orientação política das prefeituras, muitos dos melhores projetos em curso nas escolas brasileiras são extintos. No início de 2017 e para não variar, assistimos a mais uma destruição maciça de projetos.
O prédio que albergava uma escola com projeto inovador virou colégio militar, oferta da secretaria de Educação. A equipe de projeto foi destruída e os professores foram dispersados por nove escolas. Os alunos foram transferidos para outras escolas da região. Apenas famílias com melhores condições econômicas mantiveram os seus filhos matriculados no, agora, colégio militar. Para tal, tiveram de pagar mais de mil reais em uniforme e material escolar. O que era público e gratuito virou mercadoria.
Outros projetos, que o MEC reconheceu como inovadores, foram extintos sob pretexto de serem caros. Mas os técnicos das secretarias não souberam dizer, por exemplo, qual é o custo aluno-ano no seu município…
Se, no contexto da escola dita pública, reina o desperdício, na economia de mercado surgem indícios de atividade lucrativa. Isso mesmo: aquilo que no setor público é gasto inútil, na iniciativa privada é considerado investimento. A comunicação social tem sido pródiga em notícias deste jaez: uma empresa comprou 80% do capital de uma escola de São Paulo por R$ 34,4 milhões. Do rol de compras consta ainda a aquisição de 5% do capital social de uma escola do Rio de Janeiro, por R$ 7,75 milhões, bem como a aquisição de uma participação minoritária numa escola de Belo Horizonte. A compra de escolas particulares com fama de “boas escolas” é um fenômeno, mais ou menos, recente. Por que será?
Acompanhei uma discussão no Facebook: Com raras exceções, onze em cada dez pais querem para seus filhos a educação do passado, a tal do “ensino forte”, que reprova o “aluno burro”, desde que, claro, não seja o seu filho. Porém, aquilo que, até há poucos anos, era fenômeno residual, o das escolas com a etiqueta de “alternativas”… Eu completo: as “alternativas” começam a ser objeto de desejo de investidores, que identificaram o imenso potencial de expansão de algo que, antes, era nicho de famílias bicho-grilo.
Apesar dos receios expressos por bons e preocupados educadores, não creio que vá mudar o enfoque pedagógico das escolas onde foi investida uma grana preta. Se tal acontecesse, os investidores correriam o risco da debandada de famílias que desejam o que essas “boas escolas” oferecem.
Em outdoors e na comunicação social, as ditas “boas escolas” atraem clientes propagandeando que adotam “novos métodos”, que as sucateadas escolas da rede pública não praticam. Quase todos os professores das escolas particulares fazem “bicos” na rede pública. Esses professores adotam “métodos” baseados na filosofia de Steiner, no modelo montessoriano, em construtivismos… Deixai ver se eu entendo: se recorrem a esses “métodos” nas manhãs do seu emprego nas escolas particulares, por que razão não praticam os mesmos “métodos” nas tardes das escolas da rede pública?
Mistério…
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