Dinheiro da Copa na educação
E se todo dinheiro da Copa fosse investido em educação pública?
Estima-se que a Copa do Mundo de 2014 custará R$ 28 bilhões. Tomando o estudo do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) como referência, com R$ 25,277 bilhões daria para construir unidades escolares para todos os 3,7 milhões de brasileiros de 4 a 17 anos que estão fora da escola.
Daniel Cara
Um dos motivos da justa onda de protestos que toma o Brasil é o alto custo da Copa do Mundo de 2014.
Estive a trabalho na África do Sul no período da Copa das Confederações (2009) e da Copa do Mundo (2010). É bom que todos os brasileiros tenham ciência: em qualquer lugar do mundo, os eventos FIFA são demasiadamente onerosos e elitizados. Contudo, no Brasil a situação está mais grave.
Ontem (19/6), o jornalista Jamil Chade, do grupo Estado, informou que em abril o governo estimava que a Copa do Mundo de 2014 custaria de R$ 25,5 bilhões. Anteontem (18/6), o secretário-executivo do Ministério dos Esportes, Luis Fernandes, anunciou que a Copa deverá custar R$ 28 bilhões.
Em comparação com outros Mundiais, o evento no Brasil é o mais dispendioso. Em 2006, a Alemanha gastou na 3,7 bilhões de euros para sediar a Copa, cerca de R$ 10,7 bilhões.
Em 2002, Japão e Coreia, gastaram juntos US$ 4,7 bilhões, cerca de R$ 10,1 bilhões. Na África do Sul, em 2010, o custo do evento foi de US$ 3,5 bilhões, perto de R$ 7,3 bilhões.
Conclusão: a Copa do Mundo de 2014 será a mais cara da história.
E é um acordo estranho. O Brasil paga a conta, mas é a FIFA quem lucra. Segundo seus próprios dados, a "entidade máxima do futebol" estimava, em 2011, que gastaria US$ 3,2 bilhões para organizar o Mundial, obtendo uma receita de US$ 3,6 bilhões. Mas Jerome Valcke, o mal humorado secretário-geral da FIFA, admitiu que a renda irá superar a marca de US$ 4 bilhões, dobrando o lucro da entidade com o evento.
Com base nessas informações, realizei um rápido exercício de cálculo. Fui estimulado pela imagem de um cartaz que figurou nos protestos de São Paulo, altamente compartilhada nas redes sociais. O texto dizia: "Eu quero escolas e hospitais 'padrão FIFA'".
Aviso, logo de cara, que tal como ocorre com os estádios de futebol, o chamado padrão FIFA é um luxo desnecessário. Portanto, como referência, vou tomar o único instrumento brasileiro capaz de contabilizar o custo de construção, equipagem e manutenção de escolas dedicadas à relação de ensino-aprendizagem. O mecanismo é de autoria da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e se chama CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial).
Fiz o seguinte exercício: o que os R$ 28 bilhões que serão gastos com a Copa do Mundo de 2014 fariam pela educação pública?
Como parâmetro de demanda, tomei como base o dado do relatório brasileiro "Todas as crianças na escola em 2015 - Iniciativa global pelas crianças fora da escola", produzido pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e, novamente, pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A principal conclusão do documento é que 3,7 milhões de crianças e adolescentes brasileiros, de 4 a 17 anos, estão fora da escola. No entanto, segundo a Emenda à Constituição 59/2009, todos os cidadãos dessa faixa-etária devem estar obrigatoriamente matriculados até 2016.
Assim, o primeiro desafio é o de dimensionar o volume de pré-escolas e escolas que precisam ser construídas. Operando os cálculos, faltam 5.917 estabelecimentos de pré-escolas, 782 escolas para os anos iniciais do ensino fundamental, 593 escolas para os anos finais e 1.711 unidades escolares de ensino médio. Em segundo lugar, é preciso dimensionar os custos de construção e aquisição de equipamentos. Para os 5.917 prédios de pré-escola são necessários R$ 15,047 bilhões. No caso das unidades de ensino fundamental, o custo seria de R$ 1,846 bilhão para os anos iniciais e 1,769 bilhão para os anos finais. Por último, para construir e equipar as escolas de ensino médio, o investimento seria de R$ 6,615 bilhões.
Tudo somado, o Brasil deve aplicar R$ 25,277 bilhões para construir e equipar pré-escolas e escolas capazes de matricular todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos até 2016. Ainda assim, subtraindo esse montante dos R$ 28 bilhões que devem ser despendidos com a Copa, sobram R$ 2,721 bilhões. É um bom recurso!
Obviamente, esse cálculo trata apenas do investimento em construção e aquisição de equipamentos, com base em um padrão mínimo de qualidade mensurado no CAQi. Não estão sendo considerados, por exemplo, a imprescindível construção de creches, instituições de ensino técnico profissionalizante e de ensino superior. Muito menos estão sendo contabilizados custos essenciais para a manutenção das matrículas com qualidade, como salários condignos para os professores e demais profissionais da educação, custos com uma boa formação inicial e continuada para o magistério, além de uma política de carreira atraente. Como é de conhecimento geral, se tudo isso fosse considerado, tomando outros fatores do CAQi como referência, além de outros instrumentos, o Brasil precisaria investir, em 10 anos, cerca de R$ 440 bilhões em educação pública, ou o equivalente a 10% do seu PIB (Produto Interno Bruto) de 2012.
Hoje investe, conforme dados oficiais, cerca de R$ 233,2 bilhões.
Portanto, o exercício apresentado aqui serve basicamente para estimular uma reflexão: o orçamento público deveria obedecer a uma lógica de prioridade. Por mais que o povo brasileiro ame o futebol, os manifestantes têm declarado que preferem educação pública, saúde pública e transporte público de qualidade. A FIFA tem dito que a Copa de 2014 será um festa, a nossa festa. Se for verdade, será uma comemoração indigesta, pois já estamos sendo obrigados a engolir regras, padrões e ingressos caros e para poucos. E pior: todos os contribuintes brasileiros pagarão a conta.
O pronunciamento de Dilma e a educação pública
Dilma (re)abre diálogo com movimentos sociais. Além disso, pauta mais uma vez a educação, o que é muito importante. Contudo, sempre é necessário lembrar: as políticas públicas educacionais precisam de todo o recurso arrecadado com o petróleo, não apenas as receitas dos contratos futuros da área de concessão e metade dos rendimentos do Fundo Social do Pré-sal.
Daniel Cara
Não pude ouvir o pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff em cadeia de rádio e televisão. Acabo chegar em Santos, após ter feito no Guarujá a abertura da Etapa Intermunicipal da Conae da Baixada Santista. Antes, pela manhã, estive na mesa de abertura da Etapa Municipal de Curitiba. Logo mais, continuo na jornada...
Com internet lenta, só foi possível ler a íntegra do discurso da presidenta. Vídeo, nem pensar. Em termos gerais, o pronunciamento trouxe uma boa notícia. Dilma quer reabrir o diálogo com os movimentos sociais, algo que ocorria com certa frequência com Lula.
Outro bom presságio é que, mais uma vez, a presidenta Dilma Rousseff falou de educação. É tão importante a disposição dela em pautar o tema, quanto é fundamental sua vontade em vincular 100% dos royalties dos novos contratos da área de concessão para a educação, além de 50% do resultado do Fundo Social do Pré-sal.
Contudo, há um problema. Nos termos atuais do Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados, a melhoria da educação pública não será alcançada.
Hoje o Brasil investe o equivalente a 5,3% do seu PIB em educação pública. O texto do PNE aprovado na Câmara dos Deputados determina que o país invista um patamar equivalente a 10% do PIB em educação pública. Assim, é preciso somar um volume de 4,7% do PIB ao orçamento educacional.
Considerando o texto original do PL dos royalties, encaminhado pela presidenta Dilma ao Congresso Nacional, em 10 anos, a educação deverá receber, no máximo, o equivalente a 1% do PIB em dinheiro novo. Faltaria ainda um montante de 3,7% do PIB.
Isso ocorre porque não basta destinar 100% dos royalties dos contratos futuros da área de concessão, mais 50% do resultado do Fundo Social do Pré-sal. É preciso destinar todos os recursos do petróleo para a educação, considerando o principal e os rendimentos do Fundo Social do Pré-sal, além dos recursos provenientes dos royalties, bônus e participações especiais da área de concessão, em contratos já firmados e futuros.
Somente assim, até 2022, chegaríamos bem próximos da somatória de recurso novo que a educação pública realmente precisa, desde a creche até a pós-graduação.
Convidado pelo Deputado Carlos Zarattini (PT-SP), apresentarei esses argumentos na Câmara dos Deputados no dia 25/6. Além disso, lembrarei que não basta falar sobre dinheiro do petróleo para a educação. É preciso que o Governo Federal também assuma a pauta do PNE, tal como fez com o futuro Plano Nacional de Mobilidade Urbana, anunciado hoje no discurso.
Para finalizar, quero insistir na crítica aos eventos FIFA. Dilma tem razão. Parte do custo de R$ 28 bilhões da Copa das Confederações e da Copa do Mundo foi viabilizada por meio de empréstimos para a construção de estádios e demais obras. Contudo, são financiamentos realizados com juros subsidiados pelo BNDES, ou seja, pelo contribuinte brasileiro. Afora o frequente apoio do Tesouro Nacional ao banco público. Ademais, quando um governo estadual contrai um empréstimo para construir um estádio, a prioridade da saúde e da educação já fica prejudicada.
O fato mais revoltante no caso dos eventos FIFA é a postura da "entidade máxima do futebol". Ela exige tudo para ser bem atendida: estádios com infraestrutura excessiva, desoneração de tributos e obras não-prioritárias de mobilidade urbana. E como se isso tudo não bastasse, lucra (muito) com o evento. Considero um absurdo.