Desvendando o PNE
Desvendando o PNE: professores necessitam de plano de carreira, formação e boas condições de trabalho
14/10/2014 Por Ana Luiza Basílio
Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.
Meta 16: Formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da Educação Básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos os(as) profissionais da Educação Básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.
Meta 17: Valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas da Educação Básica, a fim de equiparar o rendimento médio dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do 6º ano da vigência deste PNE.
Meta 18: Assegurar, no prazo de 2 anos, a existência de planos de Carreira para os(as) profissionais da Educação Básica e Superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de Carreira dos(as) profissionais da Educação Básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.
O papel dos professores é tema central dos debates educacionais. Se por um lado se espera que o docente seja um mediador da aprendizagem, há de se considerar o que é necessário para sustentar essa atuação, ou seja, uma carreira bem estruturada, bom processo formativo e boas condições de trabalho. No Brasil ainda há muito que se avançar; dados do Observatório do PNE mostram que os professores ainda enfrentam defasagens no percurso formativo – cerca de 25% dos que atuam na educação básica não têm curso superior, outros 67% que atuam nos anos finais do ensino fundamental não possuem licenciatura na área em que atuam e, no ensino médio, cerca de 51% .
Os números também trazem à tona problemas de ordem estruturante relativos à própria carreira. Os especialistas ouvidos pelo Centro de Referências em Educação Integral, nesta reportagem da série Desvendando o PNE, são unânimes ao reconhecer que a atuação do professor deve ser embasada por essa tríade (condições de trabalho, formação e carreira). Para a presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, os elementos equalizados compõem uma carreira justa, garantindo a valorização e desenvolvimento dos profissionais.
Entre avanços e retrocessos
Esse percurso, segundo os especialistas, tem sido trilhado entre erros e acertos. Embora reconheçam avanços no que diz respeito à formação dos professores, e entendam a viabilidade de uma política nacional de formação dos profissionais de educação, prevista pelo Plano Nacional de Educação, entendem que essa deve considerar o diálogo entre teoria e prática.
A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rosana Heringer, indica que hoje esse é um dos grandes gargalos educacionais. “O próprio currículo acaba nos deixando desconectados do cotidiano. Há tentativas de trazer as reflexões para a prática, mas esse processo não é fácil e ainda assim se dá de maneira descolada”, reconhece. Para ela, é fundamental que o setor considere residências docentes para que os futuros professores possam vivenciar a sala de aula e, a partir dela, se habilitar para as demandas concretas da comunidade escolar.
Coparticipação
Outro programa defendido pelos especialistas é o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência(PIBID), do Ministério da Educação. O programa concede bolsas a alunos de licenciatura participantes de projetos de iniciação à docência desenvolvidos por Instituições de Educação Superior (IES) em parceria com escolas de educação básica da rede pública de ensino. Para Andrea Caldas, quando um professor atuante recebe um estudante em formação, ele se torna copartícipe de seu percurso, agregando mais valor à sua prática.
A professora do curso de pedagogia doInstituto Singularidades, Maria Estela Lacerda Ferreira, acredita que, para o sucesso dessas ações, no entanto, é preciso se ter clareza do que se espera do professor, a partir de uma concepção definida dos alunos que se quer formar. Por isso, entende que é preciso trabalhar para que o projeto político pedagógico das escolas esteja alinhado àshabilidades e competências pretendidas. Para ela, também é crucial considerar o contexto local. ”As escolas do sertão, por exemplo, têm a sua realidade socioeconômica, e isso precisa ser respeitado para que o processo educativo aconteça em sintonia com a cultura local, com as características do território”, explica, entendendo que essa é base para estabelecer uma aprendizagem significativa para professores e alunos.
Questões como diversidade, relação com a família e comunidade e as dimensões sociais, prevendo a articulação das escolas com outros equipamentos para garantir um atendimento integral à comunidade também devem estar amparadas nessa proposta. Nesse ponto, os especialistas julgam ser fundamental a articulação das universidades com os sistemas de ensino, por se tratar de um movimento vivo e permanente, que acaba sendo alimentado pelas demandas cotidianas. Para a presidente do Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras (Forumdir), Andrea Caldas, é preciso considerar a escola como um centro irradiador de cultura, “que aporte atividades culturais, de esporte, e que construa outras para fora de seu espaço”, movimento que, segundo ela, deve ser orientado e garantido também pelas formações continuadas.
Por fim, ela ainda defende que essas oportunidades sejam ofertadas a todos os professores das redes, sem exceção, ponto que a faz discordar da mudança trazida à Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em seu artigo 62, por meio da Lei nº 12796, de 2013. A nova redação considera como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a de nível médio na modalidade normal. “Precisamos entender o ensino superior como lócus de formação de professores e lutar contra os diversos níveis de resistência, que tendem a acomodar as coisas. Considerar formação de nível médio para esses professores é retrocesso, a partir do ponto que aceitamos ‘menos’ para a educação infantil e fundamental, justamente o início do processo formativo”, condena.
Mais diálogo e flexibilidade
Os entrevistados entendem que para salvaguardar as condições necessárias à atuação docente, é preciso um ordenamento das políticas. Andrea Caldas frisa a importância de se levar as discussões para fóruns regionais, buscando sempre diálogo com as políticas macro. Ela visualiza que as instâncias estaduais e municipais podem contribuir muito a partir de sua realidade local e, para tanto, devem contar não só com os próprios sistemas de ensino como com as instituições formadoras.
Esses espaços de diálogo, na visão de Rosana Heringer, são fundamentais para que os professores efetivem trocas de experiências e possam ser orientados e participados de definições e diretrizes que afetam diretamente a sua atuação.
Essas ações não devem acontecer de cima para baixo, como reforça Cleuza Repulho, e devem ser entendidas como processuais. A gestora conta que um dos pontos satisfatórios do programa de educação integral de São Bernardo do Campo, o Tempo de Escola, foi o de enfrentar na formação de professores o diálogo entre escola e comunidade. “A partir do momento que as demandas locais foram trazidas para o universo escolar, foi possível acompanhar uma mudança de atitude por parte dos professores e, consequentemente dos alunos”, esclarece. A estratégia, como bem reforça, envolve financiamento e maturidade por parte dos envolvidos. “Não há como prever uma mudança dessa sem falar em contratação de recursos e pessoas”, defende.
Em seu entendimento, isso foi crucial para que o programa se estabelecesse a partir da articulação com outras pastas do município, como saúde, assistência social, esportes e transporte. “Trabalhar articuladamente é sempre um desafio e a matricialidade precisa partir de uma decisão conjunta”, observa. O contexto educacional do município também garante aos professores turno dedicado, maneira encontrada para criar maior vínculo e integração entre a sua figura e a dos alunos atendidos.
“Eu defendo as 30 horas de atuação para o professor e entendo que ela atende bem a organização da escola. Temos que garantir um terço para a jornada formativa e as cinco horas de atendimento com as crianças”, coloca Cleuza. Para ela, não há um modelo de educação integral único, visto que a forma como equacionar essas questões deve ser entendida por cada entidade, a partir da análise da dinâmica e da orientação de esforços para isso.