Desescolarização
Desescolarização será um dos temas apresentados no seminário internacional Educação 360
Fora das salas de aula, crianças são livres para escolher o que aprender, mas especialistas questionam
BRUNO ALFANO - O GLOBO - 19/08/2015 - RIO DE JANEIRO, RJ
Os irmãos Raquel e David Baum, de 6 e 4 anos, nunca foram à escola. Já o primogênito da família, Gabriel, de 13, deixou o colégio quando tinha 8. Nenhum deles, no entanto, está sem estudar. A mãe, Sabrina Bittencourt, decidiu aderir à modalidade unschooling (na tradução, desescolarização). Nela, a criança deixa o ambiente escolar para praticar “uma aprendizagem livre e autônoma”. Quem explica é Carla Ferro, filósofa e pesquisadora do assunto que vai participar do encontro Educação 360, promovido pelos jornais O GLOBO e “Extra” nos dias 11 e 12 de setembro, em parceria com Sesc e Prefeitura do Rio e apoio da TV Globo e Canal Futura.
— Essa modalidade permite que as crianças e os adolescentes vivam oportunidades de encontros com outras pessoas; em vez de serem ensinadas, aprendem pelos próprios interesses — explica Carla, que estima um aumento no número de adeptos. — Conheci o unschooling durante minha pesquisa sobre aprendizagem sem ensino, em 2010. Consegui mapear cerca de 300 famílias brasileiras. Hoje, a rede da qual participo tem mais de três mil integrantes.
A desescolarização é diferente do homeschooling, quando a criança, em vez de ter aulas na escola, as tem em casa. De acordo com Carla, o unschooling não cria um planejamento de estudo nem um cronograma de aulas ministradas por pais ou professores. Nessa modalidade, a criança aprende aquilo pelo qual se interessa, com a ajuda dos responsáveis, que lhe dão acesso às ferramentas necessárias ou às pessoas que podem ajudar.
Há, no entanto, um debate em torno do modelo, que sofre críticas. A pedagoga Lúcia Maria Wanderley Neves acredita que o aluno possa perder em convivência com estudantes de sua idade.
— Tirar a criança da escola pode causar um prejuízo para a socialização — diz Lúcia. — É importante que ela tenha contato com outras da mesma idade.
Já a ex-presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia Maria Irene Maluf afirma que essa é uma modalidade muito “trabalhosa” para os pais, que precisam estar preparados para essa opção.
— É um trabalho muito difícil. Os pais precisam de preparo e de um padrão cultural para passar à criança. A família tem que sentir uma necessidade de optar por esse tipo de desescolarização. Se for para criar um modismo, não funciona — alerta Maria Irene.
No Brasil, o homeschooling e o unschooling não são regulamentados. Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), é dever dos responsáveis matricular na escola os filhos com idades de 4 a 17 anos. Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.179/12, que propõe a inclusão do ensino familiar na LDB. Mas ainda não há previsão de votação da proposta. Além disso, uma ação movida por uma família gaúcha que reivindica o direito de educar seus filhos em casa espera julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Sabrina, brasileira que está passando uma temporada no México a trabalho, conta que Gabriel pediu para sair da escola porque, dizia o menino, o colégio não o incentivava a realizar o sonho de “ajudar as crianças com uma alimentação saudável”. Sabrina começou, então, a mudar sua vida. Buscou um trabalho que lhe desse flexibilidade para estar mais com os filhos e diminuiu despesas para investir no que as crianças sentem vontade de aprender.
— Todos eles me dão feedback imediato e diário. Então, vamos avançando, dando pausas, aprofundando conforme suas necessidades. Esses são os meus parâmetros de sucesso ou bom desenvolvimento: a tranquilidade, a segurança e o entusiasmo dos meus filhos — diz Sabrina.
Segundo ela, Gabriel foi alfabetizado na escola e não gostava muito de matemática. Raquel teve ajuda dos pais para aprender a ler e a escrever; além disso, entendeu sozinha a multiplicação antes da adição. Já David está se interessando pelas letras e entende os números e as operações quando estão ligados à música, por exemplo. (*Do “Extra”)
Nesta breve entrevista, a filósofa Carla Ferro defende esta nova modalidade.
O que a criança ganha estudando fora da escola?
Em geral, as pessoas fazem essa opção quando apostam na vitalidade das relações interpessoais. O ganho principal não é formar alguém mais especial do que quem está na escola. A motivação não é porque a escola é ruim. O ganho é a confiança que acaba sendo expressa na própria criança. E ela se sente capaz de saber o que quer e o que quer aprender. Sem aquele medo de errar, de falar uma bobagem. Não criar uma criança com medo, nem se sentindo melhor ou pior do que as outras.
Como manter o estímulo para o aprendizado?
A criança precisa de estímulo quando a gente decide o que ela tem que aprender. Porque não é necessariamente aquilo o que ela quer aprender. Ela percebe que a situação de não fazer nada não é legal. E vai acabar mostrando interesse por uma ou outra coisa.
Como saber se ela está aprendendo?
Quando a gente não se preocupa com conteúdos e resultados, o que indica que está tudo bem é a convivência. Em geral, quando você pode fazer o que gosta, você se dedica muito a isso. Quando gostam de um instrumento ou de uma atividade qualquer, elas se dedicam.
Como manter as relações com outras crianças?
Fica um pouco diferente a socialização fora da escola pelo fato de a criança não ter a exigência de conviver com pessoas da mesma idade. Ela acaba se relacionando com gente de várias idades. É uma coisa mais fluida.
Não fica uma lacuna de conhecimento naquilo pelo que o aluno não se interessa?
A criança aprende o que interessa a ela e o que ela precisa. Quando saímos da escola, da universidade, não sabemos, de verdade, tudo aquilo que nos foi passado. Vamos para a escola para aprender a funcionar como esperam de nós. A escola é eficiente para a pessoa ter funções.