Defender a Constituição
Defender a Constituição não é uma liberdade, é um dever do professor
Guilherme Perez Cabral - UOL Educação - 12/09/2016 - São Paulo, SP
A repetida acusação de que professores estariam praticando `doutrinação ideológica` em sala de aula, infundindo o pensamento tido como de `esquerda` na mente dos alunos, trouxe, ao centro do debate, o tema da liberdade docente, a liberdade de ensinar (seu conteúdo, seus limites...).
Várias posições, vários partidos. Uns a defendem, argumentando que se posicionar sobre a matéria de estudo é fundamental e nada tem a ver com `doutrinação`. Outros querem limitá-la, exigindo que o docente seja neutro e não tome partido.
Para conter a tal `doutrinação`, o Projeto de Lei nº 867/2015 do `Programa Escola Sem Partido` nem sequer menciona a liberdade de ensinar, prevendo, ainda, como um novo princípio educacional, a neutralidade política e ideológica do Estado. Quanta confusão.
Nossa Constituição, promulgada em 1988, é bastante generosa e enfática em relação à liberdade para o exercício da docência. Estabelece, como princípios educacionais, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Estabelece, também, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Isso não significa, evidentemente, que o professor possa tudo dentro da sala de aula. Não significa que ele tem liberdade para falar e fazer o que quiser de sua cátedra – o lugar mais alto, a tribuna, a cadeira de onde ensina. Não, não pode.
O professor de História não tem liberdade para ensinar Física, por motivo de preferência pessoal, tampouco para deixar de lado determinado conteúdo curricular, por achá-lo chato ou desnecessário.
Pois ele tem de respeitar as diretrizes curriculares nacionais, o projeto político-pedagógico da escola, o regimento escolar, os componentes curriculares a serem ministrados, tudo na forma da legislação. No final das contas, olhando para o todo, o que vemos é que não resta lá muita liberdade para o professor.
E, no âmbito daquilo que ele está obrigado a fazer, destaco, para além do ensino da matemática, do português, etc., e por meio dele, a defesa e a prática cotidiana da Constituição.
Já disse isso e repito: nem a Constituição Federal nem o Estado brasileiro são neutros. Comete um erro grosseiro quem afirma isso. Ao organizar o Estado, a Constituição toma um monte de partido, o da democracia, o da dignidade da pessoa humana, o dos direitos humanos, etc. Prevê, como objetivos do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais; e a promoção do bem de todos sem discriminação.
Cabe, por isso, ao professor, no exercício da docência, defender todos os partidos assumidos na Constituição, buscando a concretização de todos os objetivos e direitos nela inscritos.
Assim, é seu dever, por exemplo, ensinar que a democracia deve prevalecer sobre o fascismo e o golpismo. Que o desrespeito aos direitos humanos, a desigualdade, a descriminação, a violência, embora uma constante na nossa história, são coisas erradas, que devem acabar.
Não se trata de algo que se faça no exercício da liberdade de ensinar. Tomar partido, aqui, é um dever constitucional do professor. Se isso é `doutrinação`, eis uma questão que merece uma reflexão profunda de todos nós.