Currículos para o E.M.
Currículos para o E.M. e o terror da autenticidade
Quando acompanhamos os recentes investimentos realizados nas reformas curriculares para o Ensino Médio, no Brasil e em outros países, deparamo-nos com uma situação que merece uma reflexão mais aprofundada. Delineia-se uma tendência em posicionar os currículos escolares, em suas variadas formas de desenvolvimento, como estratégias de customização. Fala-se demasiadamente em personalizar percursos, ajustar trajetórias aos perfis individuais, currículos baseados em escolhas individuais e até mesmo em diferenciais competitivos para o ensino médio. A recente reforma curricular desta etapa da educação básica, em nosso país, caminha nessa direção. Em outros estudos, tenho nomeado tais formas pedagógicas como “dispositivos de customização curricular”.
Obviamente que é desejável contar com a participação ativa (e crítica) dos estudantes no processo de planejamento de seus próprios currículos. Também é pertinente fornecer formação complementar que diversifique a escolarização juvenil a partir de seus desejos, necessidades ou aspirações. Então, o que me incomoda na customização curricular? Preocupa-me a delegação da responsabilidade educativa às escolhas individuais dos estudantes, responsabilizando-os por tais escolhas. Por outro lado, inquieta-me politicamente a emergência de um “imperativo da autenticidade”, que induz os jovens a produzirem a si mesmos como um objeto original.
O filósofo Byung-ChulHan (2017), em obra recente, argumenta que a autenticidade, no interior das ideias neoliberais difundidas atualmente, instaura-se com uma roupagem emancipadora. “Ser autêntico” é conseguir se libertar das formas de conduta predeterminadas, evitando referências vindas “de fora”. Nas palavras do filósofo, dessa concepção advém “o imperativo de ser igual somente a si mesmo, de definir-se unicamente por si mesmo, e mais, de ser autor e criador de si mesmo”. Um imperativo da autenticidade, em tais condições, desenvolve certa obrigação consigo, intensificando a construção de uma “referência narcisista”.
De acordo com Han, “o imperativo da autenticidade força o eu a produzir a si mesmo. Enfim, a autenticidade é a forma neoliberal de produção do eu”. Cada indivíduo torna-se autoprodutor – divulgando-se, representando-se e colocando-se em comparação com os demais. Em outras palavras, a autenticidade supõe a comparabilidade; todavia, a cultura da comparação tende a igualar as diferenças, como postula o filósofo. Quanto mais se defende “indivíduos autênticos”, ampliam-se as dificuldades em aceitar limitações, bem como de construir um mundo compartilhado. Em decorrência desse argumento que Han prefere chamar este cenário de “terror da autenticidade”.
Inspirado nos argumentos de Han que considero problemático o desenvolvimento de currículos escolares para o Ensino Médio – isto é, para adolescentes e jovens – centrados em seu potencial de escolha. A customização curricular, ainda que movida por intenções democráticas, pode constituir-se como pedagogicamente irresponsável. Quando os indivíduos tomam a si mesmos como referência, tenho a impressão de que nosso horizonte de experiências vai tornando-se cada vez mais limitado. Enquanto professores, junto a nossos estudantes, que saibamos inventar formas curriculares capazes de promover novos encontros com o outro e com o mundo!
Referência:
HAN, Byung-Chul. La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder, 2017.
SILVA, Roberto Rafael Dias da. Emocionalização, algoritmização e personalização dos itinerários formativos: como operam os dispositivos de customização curricular?.Currículo sem Fronteiras, v. 17, n. 3, p. 699-717, 2017. Disponível em: http://www.curriculosemfronteiras.org/vol17iss3articles/silva.pdf