Cumulação de proventos
É possível a cumulação de proventos de aposentadoria entre regimes
O presente artigo discorre sobre a cumulação de proventos de aposentadoria entre regimes.
Fonte: Bruno Sá Freire Martins
1. Introdução:
O artigo 40 da Constituição Federal, em seu § 6º, veda o recebimento de mais de uma aposentadoria pelo Regime Próprio de Previdência Social, ressalvada a hipótese de o servidor ter exercido cargos cumuláveis enquanto esteve em atividade, assim é franqueado ao servidor público o recebimento de proventos em decorrência da ocupação de dois cargos efetivos durante o período em que esteve exercendo as atribuições de seu cargo.
Além disso, o Texto Maior não traz qualquer vedação quanto ao recebimento simultâneo de aposentadorias junto ao Regime Próprio e junto ao Regime Geral, permitindo-se, dessa forma, a conclusão de que é possível ao cidadão o recebimento de aposentadorias em ambos os regimes.
2. Autonomia e Independência dos Regimes Básicos:
O sistema previdenciário brasileiro, na forma pela qual foi concebido no âmbito da Constituição Federal de 1988 é composto por dois regimes básicos cuja principal característica é a obrigatoriedade de filiação.
O primeiro denominado Regime Geral de Previdência Social destinado aos trabalhadores da iniciativa privada e aos servidores abarcados pelo § 13 do artigo 40 da Constituição Federal que mesmo figurando no rol de Agentes Públicos, em razão da sua efemeridade de vínculo, não se encontram contemplados pelos Regimes Próprios.
E o segundo, o, já mencionado, Regime Próprio de Previdência Social, onde a filiação alcança apenas os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo, os estabilizados, os vitaliciados e os militares.
A Constituição Federal reservou o artigo 40 para a regulação dos Regimes Próprios, enquanto que o Regime Geral encontra fundamento existencial no seu artigo 201.
A existência de dois regimes básicos, apesar de combatida por parte dos estudiosos, decorre das peculiaridades atinentes às atividades desempenhadas pelos servidores públicos as quais implicam direta e indiretamente na sua inativação.
Dos quais pode-se destacar a estabilidade no serviço após a aprovação no estágio probatório, possibilidade que inexiste no âmbito do Regime Geral, salvo em situações excepcionais e por período legalmente definido.
Além da impossibilidade, em regra, do exercício de novo cargo público efetivo, por parte daqueles servidores que venham a se aposentar.
Tais peculiaridades aliadas à necessidade de se estabelecer mecanismos de proteção aos segurados, fundados nos princípios da seguridade social, também afasta e impossibilita, pelo menos a princípio, a possibilidade de existência de um único regime contemplativo desses dois segmentos profissionais.
Até porque não se pode olvidar o fato de que a própria Carta Magna outorgou aos Entes Federados a autonomia legislativa, administrativa e financeira para tratar dos assuntos pertinentes a seus servidores.
E essa autonomia entre os Regimes faz com que a aplicação das regras contidas em um somente se estendam ao outro quando houver previsão expressa nesse sentido ou nos casos de omissão compatível conforme autoriza o § 12 do artigo 40 da Constituição Federal.
3. Cumulação de Cargos:
É bem verdade que essa autonomia encontra limites no próprio Texto Maior, onde, inclusive, o legislador optou por estabelecer as hipóteses em que o servidor público poderia exercer mais de uma atividade no âmbito do serviço público, quando os cargos por ele ocupados sejam considerados como de provimento efetivo.
Daí o artigo 37 estabelecer que:
Art. 37 ...
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
Portanto, somente se admite o exercício cumulativo de cargos efetivos nas hipóteses taxativamente elencadas no inciso XVI e quando houver compatibilidade de horário, ou seja, é preciso que o servidor possa cumprir a jornada de trabalho legalmente exigida para os dois cargos sem qualquer prejuízo e sem comprometer seu descanso.
Tanto que recentemente o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ENFERMEIRA DO QUADRO DE PESSOAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE. ART. 37, XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. JORNADA SEMANAL SUPERIOR A 60 (SESSENTA HORAS). IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA. ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AUSÊNCIA DE VÍCIOS. PRETENSÃO DE REEXAME. NÃO CABIMENTO.
PREQUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. É certo que os aclaratórios, ainda que manejados para fins de prequestionamento, são cabíveis apenas quando o julgado embargado padecer de vícios de omissão, contradição ou obscuridade, na forma do art. 535 do CPC, ou erro material, o que não ocorre na espécie, porquanto o acórdão embargado apreciou a demanda em toda a sua extensão, fazendo-o de forma clara e precisa, estando bem delineados os motivos e fundamentos que a embasam, tendo decidido que a acumulação remunerada de cargos públicos, na forma do inciso XVI, do art. 37 da Constituição Federal, deve respeitar o princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), restrição esta que não esvazia o conteúdo da norma constitucional, especialmente quando se trata de acumulação de cargos por profissionais de saúde, os quais precisam estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho, como naquelas onde a acumulação dos cargos públicos exige uma jornada laboral semanal superior a 60 (sessenta) horas.
2. A contradição que autoriza o manejo de embargos de declaração é aquela existente entre a fundamentação e o dispositivo, e não a que diz respeito à linha de fundamentação adotada no julgado, o que não ocorre no casu. Precedentes.
3. Não se prestam os embargos de declaração ao reexame da matéria que se constitui em objeto do decisum, porquanto constitui instrumento processual com o escopo de eliminar do julgamento obscuridade, contradição ou omissão sobre tema cujo pronunciamento se impunha pela decisão ou, ainda, de corrigir evidente erro material, consoante reza o art. 535 do CPC.
4. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no MS 22.002/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2016, DJe 03/03/2016)
Além dessas possibilidades de cumulação, a Carta ainda autoriza os integrantes da Magistratura e do Ministério Público a desempenharem também uma atividade de magistério e permite aos militares da área de saúde atuarem ainda em um cargo civil da mesma área nos termos do inciso III.
O autorizo para a cumulação de cargos alcança também os proventos de aposentadoria à medida que o § 6º do artigo 40 impõe que:
Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis na forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime de previdência previsto neste artigo.
Significa que o servidor só poderá receber proventos de uma aposentadoria, sendo-lhe vedado percebê-los de outra. A exceção corre por conta dos cargos acumuláveis na atividade: nesse caso, como a acumulação de vencimentos na atividade é lícita, lícita também será a cumulação de aposentadorias e, consequentemente, dos proventos delas oriundos. Se, por exemplo, o servidor tiver cargo efetivo de professor no quadro do Município e outro cargo efetivo idêntico no quadro do Estado ou da União Federal, terá ele, cumpridos os requisitos necessários, direito a aposentar-se em ambos os cargos e auferir proventos do dois.[1]
Por outro lado, analisando todos os dispositivos invocados o que fica evidente é o fato de que a limitação à cumulação de cargos e, consequentemente, de aposentadorias estabelecida pela Constituição Federal alcança apenas as atividades desenvolvidas no âmbito da Administração Pública.
Isso porque, os artigos 37 e 40, antes mencionados, integram o Capítulo da Administração Pública onde as normas se volta para as atividades desenvolvidas no âmbito dos Entes Federados, no caso específico, por seus agentes.
E pelo fato de que a vedação expressamente contida no § 6º do artigo 40 não fazer qualquer referência aos benefícios definidos no artigo 201, ambos da Carta Magna.
Não impedindo, em momento algum, o exercício de atividades na iniciativa privada por parte dos servidores públicos.
4. Obrigatoriedade de Filiação do Servidor no Regime Geral:
A Constituição Federal no § 5º do artigo 201 vedou expressamente a filiação do servidor ao Regime Geral na condição de segurado facultativo, permitindo-se, com isso a interpretação em sentido contrário de que todos aqueles que exercerem atividade que o levem à condição de segurado obrigatório devem se filiar ao INSS.
Tanto que a Lei n.º 8.213/91 estabelece que:
§ 1º Caso o servidor ou o militar venham a exercer, concomitantemente, uma ou mais atividades abrangidas pelo Regime Geral de Previdência Social, tornar-se-ão segurados obrigatórios em relação a essas atividades.
Destarte, se o servidor municipal ou estadual (e algum raro prestador de serviço a União, como o autônomo), se não filiado ao regime organizado pelo ente político, ingressa no regime geral ex vi do art. 12 do PBPS. Se há regime próprio e ele exerce atividade na iniciativa privada, sujeita-se às duas proteções.[2]
Portanto, a partir do momento em que o servidor é obrigatoriamente segurado do Regime Geral há de se reconhecer o seu direito a usufruir dos benefícios estabelecidos em Lei para o mesmo.
5. Posicionamento da Jurisprudência:
E o Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de concessão de benefício em favor do servidor em ambos os Regimes, senão vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURADO APOSENTADO EM REGIME PRÓPRIO DE SERVIDOR PÚBLICO COM CONTAGEM RECÍPROCA. PERMANÊNCIA DE VÍNCULO COM O REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CONCESSÃO DE NOVA APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE QUANDO OS REQUISITOS SÃO CUMPRIDOS. DECISÃO MANTIDA.
1. De acordo com o entendimento de ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, a concessão de aposentadoria pelo Regime Geral da Previdência Social a segurado aposentado em regime próprio não ofende o disposto nos arts. 96 e 98 da Lei nº 8.213/1991, se o autor permaneceu vinculado ao RGPS e cumpriu os requisitos para nova aposentadoria, excluído o tempo de serviço utilizado para a primeira jubilação.
2. Ademais, o Decreto nº 3.048/1999 permite a expedição de certidão de tempo de contribuição para período fracionado (art. 130, § 10). As vedações nele previstas dizem respeito ao duplo cômputo do tempo de serviço exercido simultaneamente na atividade privada e pública e daquele outrora utilizado para a concessão de aposentadoria (art. 130, §§ 12 e 13), circunstâncias não verificadas no caso concreto.
3. Agravo regimental improvido.[3]
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO CONFIGURADA. EX-FERROVIÁRIO.
DUPLA APOSENTADORIA. INDEVIDA. REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS PARA CADA REGIME NÃO PREENCHIDOS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Não configura violação ao art. 548 do CPC, por alegada ausência de fundamentação do julgado, quando este adota como razão de decidir argumentos tidos por inexatos pelo recorrente, cabendo a ele valer-se do recurso próprio a fim de discutir a regularidade da premissa questionada.
2. Somente é devida a concessão de dupla aposentadoria quando preenchidos os requisitos exigidos legalmente para cada regime (Regime Geral da Previdência Social e Estatutário), sendo vedada a contagem do mesmo tempo de serviço para mais de um sistema.
3. A teor da Súmula 7/STJ não cabe a este Tribunal Superior a apreciação do juízo realizado pelo órgão de origem que concluiu, com base nas provas carreadas aos autos, que não foram atendidos os pressupostos exigidos para aposentadoria em cada regime.
4. Recurso Especial improvido.[4]
6. Conclusão:
Assim, há de se reconhecer a possibilidade de recebimento de aposentadorias junto ao Regime Próprio e ao Regime Geral, por parte do servidor que seja segurado obrigatório de ambos os regimes.
Notas
[1] FILHO, José dos Santos Carvalho. MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 28ª edição, editora Atlas, página 739.
[2] MARTINEZ. Wladimir Novaes. CURSO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO. 4ª edição, editora LTr, página 370.
[3] STJ. AgRg no REsp 924423/RS. Rel. Min. Jorge Mussi. DJe 19/05/2008.
[4] STJ. REsp 956094/GO. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. DJ 17/09/2007.