Cortes no Pibid

Cortes no Pibid

O dilema dos cortes no Pibid

14 de março de 2016

Estudantes se mobilizam contra o corte de bolsistas em programa de formação docente

 

O dilema dos cortes no PibidPricilla Honorato, do Todos Pela Educação


Em fevereiro deste ano, participantes do Programa de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) foram surpreendidos com um corte na bolsa de 45 mil alunos bolsistas. O ofício lançado pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (Capes) informava que estudantes que completassem 24 meses de programa no mês de março não teriam os contratos renovados. Após a notícia, uma mobilização pelo país e nas redes sociais, contrária ao enxugamento do programa, organizou passeatas e gerou postagens com as hashtags #FicaPibid e #AvançaPibid.

Em uma audiência pública sobre o assunto, Jesualdo Pereira Farias, secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC) sustou a medida. No entanto, a reintegração desses bolsistas ainda não foi efetivada e os estudantes convivem com a incerteza sobre a volta ou não ao programa.

É o caso de Taciane Cícera Teixeira da Silva, licencianda de História da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), para quem o Pibid significa a possibilidade de continuar estudando para ser professora.

Correr do sítio para o centro da cidade. Correr para não perder uma das poucas vans que atravessam os 74 quilômetros entre Anadia e Arapiraca, era a odisseia que Taciana enfrentava para chegar ao Campus I da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), onde estão concentradas as licenciaturas da instituição. “Vivi essa rotina durante boa parte da minha graduação”, conta a jovem. Entre o sítio da família e a universidade, a estudante gastava três horas e meia, isso depois de um dia de trabalho ora como recepcionista ora como vendedora. O retorno era incerto, dependente de carona de colegas. Em determinado momento, sem transporte para o sítio, a estudante arriscou morar de favor no centro da cidade.

As agruras só dariam um respiro à Taciane quando ela passou a participar do Pibid, o que permitiu a ela alugar um quarto próximo à universidade e se dedicar à docência. “Foi um divisor de águas não só na minha formação, mas na minha vida”, destaca. O programa oferta uma bolsa de 400 reais para que estudantes de licenciatura executem projetos em escolas básicas públicas. “Quando surgiram os boatos de corte no Pibid”, revela a jovem, ”fiquei desesperada! É com esse dinheiro que pago meu aluguel”.

A um ano de terminar a licenciatura, a estudante não sabe se conseguirá ter dinheiro para as despesas do próximo mês.

Nova proposta
Se por um lado a mobilização dos estudantes foi efetiva para sustar o ofício que determinava o corte no programa, por outro não foi suficiente para determinar a renovação dos bolsistas de 24 meses. O desejo do MEC e da Capes é reduzir as 45 mil cotas para 30 mil e promulgar um novo edital para preencher essas vagas. Com isso, os bolsistas cortados não voltariam ao programa. Em reunião na última terça, 8 de março, do Grupo de Trabalho criado para discutir o assunto, o MEC apresentou aos representantes do Fórum Nacional dos Coordenadores do Pibid (ForPibid) uma proposta que prevê o redesenho do programa a ser implantado em junho deste ano.

A pasta justifica que o Pibid será reorientado para trabalhar em conjunto com o do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) e o Mais Educação. "O objetivo é garantir o atendimento a mais escolas de Educação Básica, principalmente as que mais necessitam, uma demanda do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União dos Dirigentes Municipais de Educação do Estado de São Paulo (Undime)", informou a assessoria.

Após o encontro, o ForPibid divulgou nota reiterando a luta pela manutenção dos projetos atuais – e consequentemente dos bolsistas - até a data limite prevista no edital de 2013, que estabelecia a execução dos projetos aprovados por até 48 meses. “Queremos construir o programa com continuidade; fortalecer o que está bom e aperfeiçoar os pontos fracos. Não entendemos por que mudar os bolsistas”, afirma Alessandra Assis, pesquisadora de formação docente, coordenadora Institucional do Pibid na Universidade Federal da Bahia e presidente do Fórum Nacional de Coordenadores do Pibid (ForPibid).

Uma das críticas feita pelos participantes do programa é que, se os bolsistas forem cortados, alguns projetos terão de ser cancelados, dada a regra que estabelece o mínimo de 5 bolsistas por iniciativa. Esse é o caso da professora Marciana Camarano, que supervisiona 9 projetos com 23 licenciados na escola estadual Nair do Santos Cunha, em São José do Rio Preto, e que, com o corte, ficará com apenas 6. “Pessoal que começou com a gente e trabalha direitinho, de repente ficará sem bolsa”, explica. “Com esse número de alunos é impossível dar prosseguimento aos projetos”, lamenta.

Para Alessandra Assis, o Pibid tem dado sinais de ser uma política acertada e uma mudança de foco pode significar um risco desnecessário. “Em políticas públicas a gente trabalha com prática ao longo do tempo. Um redirecionamento nas características positivas do programa pode ser um tiro no pé”, critica.

Crise
A proposta de remodelamento do programa ocorre em meio a um contexto de crise orçamentária no Brasil, que vem ocasionando cortes em várias pastas da Educação. Na Capes, a redução é 32% nos recursos para 2016.

Se o orçamento do País vai mal, o de jovens como Taciane não vai melhor. “O perfil dos estudantes de licenciatura é o de condições econômicas menos favoráveis e com maior restrição de acesso a bens culturais. Para esse estudante, a bolsa do Pibid significa permanência”, alerta Alessandra.

Taciane muda o tom ao contar sobre os desafios que enfrentou para alentar o sonho de ser professora no campo. Sem auxílio permanência da Uneal – fundada há 45 anos, a instituição não possui um departamento de assistência estudantil –, e cansada da rotina estafante, a estudante arriscou morar em Arapiraca com ajuda do padrasto (in memoriam) e da mãe para evitar os 148 quilômetros diários no transporte. A lembrança é árida como o sertão: “Foi uma época horrível”. O estado conta com apenas mais uma licenciatura pública em História na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a 226 quilômetros de Anadia.

A história de Taciane dá a dimensão da importância dos 400 reais oferecidos a futuros professores em todo o País. “Os boatos de corte vinham acontecendo desde o ano passado, mas não sabíamos nem quando nem de quanto seria. O desligamento veio de repente e os alunos não têm tempo de correr atrás de outros recursos. Pode parecer pouco, mas para um aluno de licenciatura a bolsa significa muito”, pondera Marciana.

Instabilidade, limitações e embates
A insegurança política e econômica à qual o Pibid está submetido não é nova. Desde 2014, as Instituições de Ensino Superior vêm lidando com cortes de recursos (saiba mais aqui). Sem diálogo com a Capes, os integrantes do programa temem cortes repentinos e uma reformulação que descaracterize o projeto.

“Os pontos que o MEC coloca são sempre coisas muito pontuais como uma escola, no Rio de Janeiro, que está vinculada a um número excessivo de bolsistas e supervisores. Mas eles não revelam que escola é essa, nem a origem desses dados”, critica Alessandra. Para ela, o Pibid pode ser melhorado, mas é preciso a participação da sociedade civil. Inclusive com acesso aos dados que subsidiam a nova proposta.

Apesar do Grupo de Trabalho ter contribuído para o diálogo entre as partes e de o ForPibid reconhecer o esforço do ministério em manter o programa, há forte desconfiança por parte dos integrantes quanto a uma mudança do projeto. Além das distorções pontuais, o MEC questiona o desenho da política como um todo, com base em dois principais apontamentos: o baixo número de egressos do Pibid que seguem carreira na escola pública básica e a não exclusividade das parcerias com escolas de baixa qualidade.

Os defensores do formato da política atual afirmam que o primeiro problema é sistêmico e, portanto, não deve recair sobre o Pibid, que não pode solucionar sozinho o problema histórico da baixa atratividade da carreira docente pública. Quanto ao segundo, a educadora admite que é preciso um aperfeiçoamento, mas sublinha os desafios.

“De fato, o Pibid tem dificuldade de ter acesso às escolas mais distantes. Por duas razões: os licenciandos precisam estar próximos das universidades e não há verbas que custeiem os deslocamentos”, explica.

Natália Deimling, pesquisadora de formação docente, doutora em Educação e professora na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), aponta que, apesar das inúmeras qualidades do modelo de formação proposto pelo Pibid, o programa falha na institucionalização desse modelo por não expandi-lo para toda a licenciatura. Em pesquisa com participantes do programa, Natália detectou esse e outros desafios, como a necessidade de maior integração das redes de ensino com o projeto e mais apoio aos professores supervisores, duas críticas que o MEC aborda na proposta para o novo edital.

Alessandra explica como tentou solucionar esses apontamentos na Universidade Federal da Bahia. “Nós chegamos às escolas distantes porque incrementamos o programa com recursos próprios, oferecendo auxilio transporte para os bolsistas. Muitas vezes, estamos falando de deslocamentos por barco. O orçamento do Pibid não cobre isso”, pondera. A Ufba avançou também na integração com a rede, estabelecendo com o estado da Bahia um acordo: a rede de ensino estadual oferta uma verba aos colégios públicos que aderem ao programa.

Marciana também chama a atenção para a falta de articulação dos professores supervisores do Pibid com os docentes da escola básica que não integram o programa. “Falta proporcionar uma conversa mais interdisciplinar na escola”, pontua. A estudante Taciane relata dificuldade parecida. “Eu, por exemplo, no início, queria fazer projetos para além da história, mas a gestão da escola não entendia. Tive que dialogar muito com o supervisor e a gestão escolar para sanar esse problema, mas outros colegas meus não tiveram tanta sorte e relatam essa dificuldade”.

Alessandra critica a aplicação no Pibid do modelo multiplicador do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), em que um docente universitário forma supervisores para formar alfabetizadores, em um efeito cascata. “O Pnaic tem qualidades, mas o modelo multiplicador coloca uma distância grande entre universidade e escola. O Pibid é uma formação horizontal e dialógica que estabelece uma relação, senão direta, muito próxima entre academia e prática da sala de aula”, defende.

Ligação com o campo
Taciane está entre os futuros egressos do Pibid que encontraram no programa um caminho para a docência nas escolas públicas. “Eu entrei na universidade querendo qualquer diploma que me garantisse possibilidade de prestar concursos, não importava a área”, relembra.

Os objetivos da estudante mudaram quando ela passou a atuar na escola municipal de Ensino Fundamental Manuel Humberto da Costa, da zona rural de Arapiraca. “Tenho o sonho de atuar na Educação no campo, deve ser porque sou filha e neta de agricultores”, brinca. “Acho que pode ter a ver com minhas paixões: a agronomia e a terra”.

Para ela, o Pibid foi fundamental porque trouxe concepções didáticas importantes na atuação docente, além de colocá-la de frente com a mudança que ela queria fazer no mundo. “Eu vi como aqueles alunos do campo se achavam inferiores por estar nos sítios e vi que meu papel era provocar um novo olhar sobre o campo”. Com a incerteza da participação no Pibid, esse anseio fica em suspenso. “Hoje, não há mais van de Anandia para Arapiraca. Se me cortarem, não sei se conseguiria continuar estudando”, lamenta.

 

http://www.todospelaeducacao.org.br/reportagens-tpe/37358/o-dilema-dos-cortes-no-pibid/ 




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