Corte etário de matrícula
Maioria das capitais adota corte etário de matrícula em 31 de março
Em trâmite no STF, ação questiona legalidade de resolução do CNE que fixa a data
Pricilla Kesley 31 de julho de 2015
Segundo levantamento do Todos Pela Educação, pelo menos 19 das 27 capitais brasileiras adotam a data de 31 de março como corte etário para a matrícula de crianças no 1° ano do Ensino Fundamental, aos seis anos de idade, ou na Pré-escola, aos quatro. Uma pesquisa realizada pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) em 2014 atesta panorama semelhante. Dos 1230 municípios que participaram do levantamento, 718 observavam a data estabelecida pelo CNE.
Estabelecida em 2010, por meio das resoluções n° 1 e n° 6 a data é uma determinação da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), que tem o objetivo de padronizar os sistemas de ensino do País e de proteger o direito à infância.
As resoluções estabelecem que a matrícula no Ensino Fundamental esteja condicionada à data de aniversário da criança: somente alunos com 6 anos completos até 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula poderão cursar a etapa de ensino. Às demais crianças, entretanto, não é negado o acesso à Educação, pois aqueles que completam 6 anos depois de 1º de abril devem ser matriculados na Pré-escola, como aponta o documento. Norma idêntica se aplica às crianças que vão ingressar na Pré-escola. Nesse caso, devem ter quatro anos de idade completos até 31 de março.
Embora tenha sido estabelecida pelo CNE - órgão deliberativo e normativo, responsável por regulamentar normas educacionais de aplicação nacional -, a determinação tem sido contestada judicialmente por diversas ações coletivas, resultando na suspensão das resoluções em vários lugares do País. Em 14 unidades federativas, as resoluções estão em vigor; nas outras nove, a medida está suspensa por decisão judicial.
A discussão está agora no Supremo Tribunal Federal (STF), que julgará se o corte etário de 31 de março viola o Direito à Educação das crianças e o princípio da igualdade.
Entendendo o corte etário
Até 2010, não existia uma normatização, em caráter nacional, sobre o tema. “Cabia a cada rede de ensino essa definição”, explica César Callegari, membro do CNE e integrante da comissão relatora da resolução n° 1/2010.
Contudo, com a promulgação das Emendas Constitucionais 53 e 59, de 2006 e 2009, respectivamente, a regulamentação se fez necessária. A primeira emenda determina que a etapa escolar da Pré-escola destina-se às crianças com idades entre 4 e 5 anos e a segunda trata da ampliação do Ensino Fundamental de 8 para 9 anos, tendo sido acrescido um ano no início dessa etapa escolar.
Ao reduzir a idade de ingresso escolar no Fundamental, surgiram debates sobre a qual etapa de ensino pertenceriam as crianças com 6 anos de idade incompletos no período de matrícula escolar. Sem consenso, órgãos administrativos, pais de alunos, organizações da sociedade civil, instituições de ensino e tribunais de justiça interpretavam o tópico cada qual a sua maneira. E, mediante a discordância de pais e sistemas de ensinos, as ações judiciais sobre o assunto tornaram-se recorrentes.
“As famílias se deslocam entre uma cidade e outra, portanto, certa padronização do comportamento relacionado à matrícula das diferentes redes de ensino é importante, sobretudo, para preservar o interesse das crianças e suas famílias”, explica Callegari.
Diante desse cenário, em 2010, o CNE estabeleceu a data de corte para padronizar e traçar diretrizes operacionais, permitindo, assim, a plena implementação das emendas 53 e 59. “Entendemos que a ausência de uma regulamentação era prejudicial, porque aproveitando uma aflição desinformada de certas famílias, algumas instituições, por uma motivação mercadológica, admitiam matricular crianças muito cedo no Ensino Fundamental“, comenta o conselheiro.
Transição entre etapas
A discussão em torno do corte etário se dá em um contexto de transição entre etapas de ensino muito diferentes entre si: Pré-escola e Ensino Fundamental. Dessa maneira, a determinação da norma foi precedida de inúmeras audiências, onde foram debatidos os aspectos pedagógicos e do desenvolvimento infantil, esclarece Alessandra Gotti, doutora em Direito Constitucional e professora de Direito Constitucional, Direitos Humanos e Tutela da Infância e Juventude. “Se forem matriculadas crianças de seis anos de idade concluídos até o ultimo dia de dezembro no 1° ano do Ensino Fundamental, na prática, esses alunos estarão adiantando uma etapa do conhecimento”, pontua.
Em concordância, Callegari explica que a preocupação fundamental de não antecipar muito a entrada na escola está relacionada à preservação das condições para um desenvolvimento mais completo de todas as características da criança. “As famílias têm que entender que esse desenvolvimento se dá em um conjunto de potencialidades e não apenas de habilidades específicas, como ler e escrever”, defende. “Permanecer na Pré-escola não ‘atrasa’ o aluno”.
As perspectivas de desenvolvimento infantil também foram importantes para a escolha da data de 31 de março, destaca Callegari. “Os sistemas de ensino talvez compreendessem melhor a data de 30 de junho, mas o CNE estava muito sensível à argumentação dos movimentos ligados à Educação Infantil, que se preocupavam com a supressão de um período da Educação mais lúdica e o ingresso antecipado na Educação formal”. E completa: “A Educação não pode estar dissociada dos direitos gerais da infância”.
Saiba mais sobre a relação entre corte etário e as etapas de ensino.
Esferas administrativas
Em trâmite no STF, a ação proposta pela procuradora-geral da República, Helenita Caiado de Acioli, em 2013, contesta unicamente a legalidade do corte etário de 31 de março, norma do CNE. Isso significa que, embora o STF julgue as resoluções n° 1 e 6 legais, as batalhas judicias em torno do assunto podem não ser encerradas. Restarão ainda as deliberações dos Conselhos Estaduais de Educação (CEE) que apontam datas de corte etário diferentes de 31 de março. É o caso de São Paulo.
Na indicação do CEE-SP n° 135/2015, sobre o ingresso no Ensino Fundamental de 9 anos, o órgão reafirma a data de 30 de junho para o corte etário da rede estadual, sob a alegação de que a LDB “atribui aos Estados, à produção de normas complementares para o seu sistema de ensino”, ou seja, têm poder de determinar datas diferentes das normas nacionais.
De acordo com o documento, “restringir o ingresso de crianças que tenham completado os seis anos até 31 de março significaria impedir um contingente considerável criando ociosidade de vagas em um determinado ano, para fatalmente criar excesso de alunos no ano seguinte, em visível prejuízo pedagógico e administrativo”.
Não sendo arbitrária, Callegari explica que a data de 31 de março foi definida tendo em vista os calendários escolares que, grosso modo, iniciam o ano letivo entre fevereiro e março. Dessa forma, apenas alunos com 6 anos completos passariam ao Ensino Fundamental, medida adequada àquilo que está previsto no artigo 32 (link) da Lei de Diretrizes e Bases (LDB): “O Ensino Fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade” (itálico). Isto é, seis anos completos e não a completar, como apontou o ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Sérgio Kukina.
Para Alessandra, a questão do corte etário deveria ser normatizada unicamente pelo CNE. “Essa ação não vai resolver esse outro problema que também é grave: os estados disciplinarem o assunto de forma diferente da norma nacional”, diz. “Uma definição sobre data de corte não se dá em espaço local. É uma data para harmonização do sistema, se uma pessoa mudar de São Paulo para o Pará ela tem que encontrar uma norma nacional”, completa.