Conhecimento ou ignorância?
O conflito contemporâneo no Brasil na Reforma do Ensino Médio: conhecimento ou ignorância?
As disciplinas de filosofia, sociologia e história são importantes na compreensão do ser humano, consciente e conhecedor de si mesmo e, igualmente, inserido em seu contexto social. Com a Reforma do Ensino Médio, serão optativas, correndo risco de não mais serem estudadas.
Quando filosofia e sociologia voltaram ao currículo das escolas de ensino médio, em 2007, escrevi e publiquei artigo com o título: Filosofia e sociologia: bem-vindas. Agora, passados 10 anos, o governo federal aprova uma famigerada e controversa Reforma do Ensino Médio que, dentre outras coisas, preconiza que estudantes façam escolhas do seu currículo para sua formação.
Estabelece-se um dos conflitos mais significativos neste contexto contemporâneo entre o conhecimento e a ignorância. Disciplinas como História, Filosofia, Sociologia, dentre outras, deixarão de ser obrigatórias e de livre escolha dos estudantes, em função do currículo em que optarem estudar.
Transcrevo aqui texto referido. O texto trata de elementos importantes para justificar a presença destas disciplinas no Ensino Médio.
Filosofia e sociologia: bem-vindas!
“Numa espécie de “revolução silenciosa”, construída através da garra de estudantes, professores e mestres da educação, a filosofia e a sociologia retornam aos nossos currículos escolares, em 2007, em mais de 23 mil escolas de ensino médio em nosso país, através de uma Resolução do Conselho Nacional de Educação.
Bem-vindas! As suas contribuições, para além do esforço de uma formação mais integral e integradora, nos fazem crer que ainda há tempo para sermos menos céticos, mais críticos, mais atentos, mais cidadãos e cidadãs, com mais atitude, mais compreensivos, mais tolerantes, mais humanos e felizes, mais gente.
As disciplinas de filosofia, sociologia e história são importantes ferramentas para auxiliar na compreensão do ser humano, consciente e conhecedor de si mesmo e, igualmente, inserido em seu contexto social.
Temos insistido, em nossa prática cotidiana de sala de aula, na ideia de que pensar bem, como acreditavam os gregos, nos faz viver melhor. Pensar é algo inerente ao ser humano mas, estranhamente, explícita ou de forma silenciosa, muitos professam seu descrédito no pensar.
Desistindo de pensar, abrimos mão de conduzir nossos próprios rumos, uma vez que não pensar significa ser pensado pelos outros. Não se assumir, em pensamentos e ações, é também diminuir-se como ser humano.
Eu e os outros: sempre em relação
Outra percepção em nossos dias atuais é a grande dificuldade de convivência social. Vivemos permanentemente o conflito de nossas diferenças, a tensão de sermos, ao mesmo tempo, indivíduos e sociedade. Neste sentido, a sociologia, para alé de nos ajudar a compreender os fenômenos sociais, poderá nos ajudar a compreender os fenômenos sociais, poderá nos ajudar a constituir e reconhecer novos valores e parâmetros de convivência.
Viver é con-viver, é tolerar, é respeitar, é somar diferenças, é sentir-se parte de uma determinada cultura que se inova e renova constantemente.
Em tempos que somos regidos pela velocidade das informações e do conhecimento, carecemos de habilidades de interpretação e compreensão do mundo. Compreendendo melhor o mundo, ampliam-se nossas oportunidades de nele intervir e com ele colaborar.
O que pode nos mudar são nossas atitudes!
Do conformismo para uma vida social mais ativa, seremos capazes de compreender o alerta de Bertold Brecht: “não diga nunca: isto é natural para que nada passe a ser imutável”.
Repercussões sobre Reforma do Ensino Médio de 2017
Especialistas e estudiosos da educação levantam uma série de críticas e ponderações sobre a implantação de um novo Ensino Médio no Brasil. Para além da falta de infraestrutura nas escolas para implantar turno integral e aumento de horas aula, a falta de valorização dos educadores, a falta de qualificação dos professores e gestores (não houve tempo e nem interesse do governo federal em discutir a matéria), há também fortes críticas sobre a suposta maturidade dos jovens estudantes na escolha de suas disciplinas preferenciais em função de sua pretendida formação profissional. Veja mais sobre as principais mudanças curriculares com a nova proposta do Ensino Médio no Brasil.
Há, contudo, forte crítica que aponta a escola pública de Ensino Médio como escola para os pobres e trabalhadores (sem chances de cursarem faculdade), enquanto as escolas privadas continuariam preparando jovens estudantes de classe média e alta para o ensino superior.
Flávio Tavares, jornalista e escritor trata a Reforma do Ensino Médio 2017 como “banalidade” ou “fatalidade”. “O aluno vai se ocupar sem ocupar a cabeça! O ensino da biologia, História e geografia não será obrigatório e já antevejo a meninada (por ignorar o que não aprenderam) pensando que célula é a da telefonia celular. Ou que Colombo, ao descobrir o Brasil, aqui encontrou Napoleão e, logo, proclamou a República…” Veja mais.
Márcio Tascheto da Silva, doutor e Educação e coordenador da Divisão de Extensão da Universidade de Passo Fundo classifica como retrocesso a proposta da Reforma do Ensino Médio considerando a gestão democrática (não houveram suficientes discussões com os envolvidos na educação), a divisão entre ensino técnico e o ensino propedêutico e a precarização da formação dos estudantes.
Para Márcio, “a flexibilização do currículo é um nome eufemístico para fazer uma separação muito clara entre uma escola que vai ser voltada mais para os pobres, com ensino profissionalizante e ligado diretamente ao mercado de trabalho – geralmente, em cargos de subemprego e determinados lugares da sociedade subalternos – e o outro ensino, que vai favorecer aos mais privilegiados, que podem ter uma preparação muito maior com relação à entrada em uma universidade”. Veja mais.
Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, classifica a MP como uma volta ao passado, mas no sentido de retrocesso para a educação pública brasileira.
Ele afirma, dentre outras coisas, que “… há um retorno piorado ao que aconteceu na década de 1990. Inclusive porque o Paulo Renato já não era um especialista em educação, era um economista que gostava de educação, mas não entendia muito. O Mendonça Filho, muito aquém disso, é uma pessoa que não entende de nada. Veja mais.
Por que podemos afirmar que há conflito entre conhecimento e ignorância a partir da Reforma do Ensino Médio 2017 no Brasil?
A maioria dos especialistas da educação, estudiosos, gestores, professores e professoras concordam de que são necessárias mudanças no Ensino Médio no Brasil.
O Ensino Médio, como está hoje, é uma etapa da formação de jovens que nem sempre dialoga com suas perspectivas de futuro e com suas necessidades. Agora, propor uma mudança na educação considerada pelo Ministro da Educação “a mais estrutural das últimas décadas” sem dialogar com os sujeitos que fazem a educação só poderá significar a construção da ignorância.
Por outro lado, construir um currículo em que as disciplinas que dão aos estudantes uma forma mais ampla para que ele possa entender o mundo para identificar como poderá interferir nele (História, Filosofia, Sociologia, Geografia) passam a ser optativas significa projetar uma educação cuja função principal será a “alienação” dos sujeitos aprendentes.
Muito antes de escolher sua profissão, o jovem estudante deveria ter o direito de conhecer o mundo do trabalho e as oportunidades profissionais que o mesmo poderá buscar para si. Deveria, também, ter o direito de direcionar os seus estudos a partir de suas habilidades e necessidades, sem abrir mão dos conhecimentos universais e fundantes da nossa civilização.
Não podemos abrir mão dos conteúdos básicos da formação da cidadania em troca de uma formação profissional incipiente, incompleta e enganadora, como será o Novo Ensino Médio no Brasil. Como afirma Flávio Tavares, “expedir certificados de conclusão de curso ou diplomas não é educar, mas mistificar, transformando o ensino em supermercado e enganando a sociedade”.