A Câmara dos Deputados deverá discutir e até aprovar o currículo da educação básica - ao menos, se for aprovado o Projeto de Lei 4486/16, do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN). Mas será esfera do parlamento legislar sobre conteúdos e competências trabalhados nas escolas?

Falar de um currículo comum já é, de certo modo, uma utopia. Claro que é necessário definir parâmetros, dando alguma unidade ao sistema educacional para garantir o direito de o estudante mudar de cidade sem impacto na vida escolar. Mas não há como reduzir o currículo ao conteúdo das disciplinas.

A noção de currículo envolve práticas culturais que se vivem na escola. Passa por vieses políticos, valores e relações, avaliações, conflitos e experiências dos sujeitos que ensinam e aprendem. Por isso, requer contar com a autoria dos professores e das escolas, com vistas a um ensino que não se limite ao conhecimento puro, mas forme cidadãos conscientes e críticos.

É na escola que o currículo se materializa e ganha vida. Levar o desenho do currículo ao parlamento é retrocesso. Seria um documento de gabinete, descolado dos atos curriculares da prática escolar e de seus respectivos atores – professores e estudantes.

O retrocesso não para por aí. Atualmente, no Congresso, há pelo menos trinta projetos de lei para incluir novas disciplinas na formação. Entre as propostas, há matérias como segurança no trânsito, prevenção às drogas, segurança digital, primeiros socorros e educação financeira. Temas importantes, mas a mera sugestão de convertê-los em disciplinas mostra o desconhecimento dos congressistas a respeito do ensino básico, que já está atulhado de matérias, sem que o estudante necessariamente aprenda.

Enquanto deputados e senadores buscam definições para o currículo e o Ministério da Educação toma decisões quase sempre de cima para baixo, sem muita discussão com os interessados, vemos centenas de estudantes ocupando prédios de escolas e órgãos públicos e reivindicando direitos que vão na contramão desse processo.

No Brasil de hoje, há uma insatisfação crescente com a educação. O que as autoridades querem não é o que desejam estudantes, professores e famílias. E a maior parte dos políticos não tem conhecimento, atualização, experiência e, sobretudo, sensibilidade para perceber que, enquanto a educação no mundo toma novos rumos, com enorme rapidez, aqui estamos estagnados e colocando em risco o futuro do país.


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TRAMITAÇÃO NA CÂMARA
O Projeto de Lei 4486/16 busca alterar o Plano Nacional de Educação (PNE - Lei 13.005/14). Se aprovado, ele prevê que o governo tenha até junho de 2017 para encaminhar a proposta base da BNCC ao Congresso. Atualmente, segundo o previsto no PNE, a aprovação da base curricular não passa pelos parlamentares. A última instância será o Conselho Nacional da Educação (CNE). De acordo com a Câmara, o projeto de lei tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Educação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

 

http://g1.globo.com/educacao/blog/andrea-ramal/post/curriculo-nacional-comum-nao-deveria-passar-por-aprovacao-do-congresso.html