CEE de SP carece de democratização
Conselho Estadual de Educação de São Paulo carece de democratização
Com membros indicados pelo governado do estado, órgão é criticado por falta de transparência e integrantes cada vez mais ligados ao ensino privado
MARCO ANTONIO MIGUEL
Um órgão que orienta as diretrizes do ensino, decide o conteúdo da formação de professores e projetos de educação à distância, e autoriza o funcionamento de cursos superiores. Seus membros, em vez de ligados à gestão pública, são cada vez mais envolvidos com o ensino privado. Alvo de críticas de especialistas, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP) vem sendo composto predominantemente por conselheiros ligados ao ensino privado, cuja atuação é questionada por aqueles que exigem um outro modelo, com maior representatividade da comunidade escolar e participação social ampliada.
A composição do CEE-SP atualmente privilegia o ensino particular, com metade de seus membros vinculados a instituições privadas como Colégio Bandeirantes, Uninove e Anhanguera. Não há representantes de sindicatos como a Associação dos Professores do Estado de São Paulo (Apeosp), associações de pais ou alunos. É um órgão atado ao Executivo, pois os conselheiros são indicados pelo governador, sem informação sobre os critérios e sem limites para reconduções – apesar do mandato de quatro anos, há quem participe da entidade há quase duas décadas.
Para Francisco José Carbonari, presidente do órgão onde está há mais de 20 anos, trata-se de uma questão conceitual: “Alguns entendem que aqui é um conselho de controle social, em que todos os segmentos devem estar representados. Para nós, não. É um conselho técnico, um trabalho que exige membros com uma formação técnica e uma história na educação”, observa. “Eu não sou contra, só estou dizendo que aqui é outra coisa”.
Professor da Faculdade de Educação da USP, Rubens de Camargo discorda e diz não se tratar de uma questão essencialmente técnica. “Essa é a forma para não politizar uma entidade que é política. Orientar as doutrinas de ensino no estado é uma função política, não é meramente administrativo”, avalia. “A visão de mundo das pessoas determinam suas decisões e se a maioria é do ensino privado, temos um problema”.
A ausência de participação social não é uma exclusividade do conselho de São Paulo. Em todo o País, os conselhos estaduais de educação podem ser divididos entre aqueles que mantêm os regimentos da década de 70, com perfil mais técnico, como São Paulo, Amapá e Paraná, e aqueles que respeitam o viés participativo da Constituição de 1988, como em Alagoas, Espírito Santo e Bahia, inspirados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
Os 24 conselheiros do CNE são nomeados pela Presidência. Metade indicada por 32 entidades através de lista tríplice, metade representando o setor público. Os mandatos são de quatro anos com limite de uma recondução. O conselheiro paulista João Cardoso Palma Filho acredita que o CEE-SP poderia seguir o órgão federal: “É o mínimo. As pessoas acham que é uma questão partidária, mas esse CNE foi feito por um governo do PSDB. Os dois maiores sindicatos de professores não têm representantes ali, me incomoda essa falta de legitimidade”.
Mas existem outros modelos. O Conselho de Alagoas, por exemplo, garantiu a representação de professores, pais e estudantes da rede pública e privada. Dos 14 conselheiros do Espírito Santo, sete são escolhidos pelo governador, dentro da comunidade acadêmica, e sete são indicados diretamente por sindicatos de professores e associação de pais. Os mandatos são de quatro anos com uma recondução.
“Os conselhos municipais têm modelos mais interessantes porque são formados após a municipalização do ensino em 1996. São paritários, com representantes da comunidade escolar, acadêmica e poder público”, comenta Gustavo Paiva, da ONG Ação Educativa. Ele explica que o Conselho Municipal de Educação de São Paulo segue essa lógica, mas não tem representação discente nem um processo eleitoral para representantes da comunidade.
O Conselho Estadual de São Paulo é um órgão consultivo, normativo e deliberativo, regulamentado pela Lei 10.403, de 1971. Rege todas as regras relacionadas à educação – é seu Legislativo. Suas decisões abrangem escolas das redes pública e particular, do Ensino Infantil ao Médio e profissional (presencial ou à distância), além de universidades e faculdades públicas.
O colegiado tem 24 membros divididos em duas câmaras (Ensino Básico e Ensino Superior) e suas ações partem das demandas da comunidade escolar: uma consulta é enviada a uma das Câmaras. Há um debate interno e um dos seus integrantes elabora um parecer, que é apresentado na plenária. Os conselheiros discutem e votam. As discussões dentro das Câmaras são fechadas e as reuniões são públicas, mas sem participação popular.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, o projeto de lei 108/2012, de autoria dos deputados Geraldo Cruz e Simão Pedro, ambos do PT, quer mudar essa composição. Cruz reclama do anacronismo, uma vez que “o conselho é regido por um decreto da ditadura militar”. “Se a maioria do conselho vem do ensino particular, como podem discutir a escola pública?”, questiona. O projeto prevê 26 membros, sendo oito de escolha do governador e 18 indicados por entidades. Aprovado por todas as comissões, jamais entrou na pauta de votação.
Carbonari enxerga um equilíbrio nas indicações do governador e considera uma crítica ideológica quando ouve que o Estado estaria defendendo os interesses das instituições particulares. “As audiências são públicas, é só acompanhar”, aponta. Caso mude o modelo do conselho, o presidente do CEE-SP defende a criação de uma instância dentro da Secretaria de Educação para manter o trabalho atual do órgão.
Lisete Arelaro, ex-diretora da Faculdade de Educação da USP, percebe um “acordo” na dinâmica em torno do CEE-SP. “O governo não se mete nas questões das empresas, e o conselho não se mete nas questões do governo. Quando o conselho contesta as políticas da secretaria?”, indaga.
Existe, portanto, segundo Paiva, não apenas a influência, como uma lógica do setor privado nas diretrizes de educação de São Paulo, como com a política de bônus para professores. “O CEE-SP tem uma certa invisibilidade, e só a participação social pode mudar isso para destacar sua importância”.