Carta branca para violência
Da coluna de Vladimir Safatle na Folha de S.Paulo.
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Esse assassinato é o modo normal de funcionamento do sistema brasileiro. É assim que se governa no Brasil: usando impunemente a violência policial, assassinando políticos quando necessário, atirando contra manifestantes, executando cidadãs e cidadãos pobres e vulneráveis.
Marielle expôs como a polícia brasileira age da mesma forma que a máfia italiana, mas com a inteligência suficiente para concentrar sua atuação de milícia mafiosa em favelas “invisíveis” aos olhos de muitos.
As mesmas favelas que alguns colunistas deste jornal foram capazes de comparar a países estrangeiros controlados por outras forças e, por isso, meritórios de intervenção militar digna de situações de guerra.
Ou seja, intervenção que trate setores da população como habitantes de um país inimigo, pessoas a serem fichadas, submetidas a humilhações cotidianas e temor constante de simplesmente desaparecerem sem traço.
Não por acaso, antes de ser assassinada, Marielle vinha de um evento chamado Jovens Negras Movendo as Estruturas. No Brasil, a cada 21 minutos, um jovem afrodescendente é morto, o que mostra claramente como se trata de um setor “matável” da população.
Morte, normalmente, sem consequência legal e cuja comoção social provocada pela violência será provavelmente menor. O que expõe claramente o circuito de violência que impera na sociedade brasileira.
O que vemos agora é apenas a consolidação de uma estrutura de fato. Um país comandado por uma casta de indiciados e criminosos que se apoia em poder militar anabolizado e em poder policial descontrolado que há muito se degradou à condição de setor organizado do banditismo nacional.
Algo que desde a época do regime militar com seus esquadrões da morte e da extorsão, com seus delegados Fleury faz parte da paisagem local.
Por isso, há de se insistir: esse não é um crime isolado, nem será o último. Ele é a verdadeira expressão do que significa “governar” no Brasil. Pois esse país é, antes de qualquer coisa, uma forma de violência.