Carta aberta BNCC
CARTA ABERTA SOBRE A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
Para: <abrapee@abrapee.psc.br>
O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade e a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL (ABRAPEE) vem por meio desse comunicado saudar o esforço do Ministério da Educação na consulta pública aberta para a avaliação da Base Nacional Curricular Comum. É sabido que, historicamente, os documentos norteadores da Educação foram produzidos de forma vertical pelos governos e implementados sem a consulta da sociedade civil. Tal prática foi recorrente inclusive nos últimos documentos produzidos após a promulgação de 1988 que prevê a ampla participação social nas decisões do Estado. A participação da sociedade civil nas decisões é importante pressuposto não somente democrático, como também de inovação das políticas públicas que querem atender às demandas da população, vide as experiências positivas do orçamento participativo no Brasil.
Acreditamos que a consulta virtual reflete a importância que as novas ferramentas tecnológicas possuem nos dias de hoje. Entretanto, defendemos que ela é um iniciador no processo de consulta nacional que precisa ser referendado e discutido em âmbito nacional.
Em se tratando de discussão de caráter nacional, sobre tema cuja produção científica no Brasil é vasta e profícua, estranhamos que o documento não apresente nenhuma referência bibliográfica para a compreensão dos pressupostos teóricos e epistemológicos sobre Educação e currículo. Quais os critérios envolvidos na seleção dos temas e na escolha dos especialistas que construíram a Base Nacional Curricular Comum?
Ainda, sobre a proposta inicial da Base Nacional Curricular Comum nos perguntamos em que medida ela atende a Declaração de Salamanca e outros documentos produzidos anteriormente sobre propostas educativas os quais o país é signatário? Como incluir a discussão do acesso e inclusão da educação das pessoas com deficiência e necessidades especiais para além das práticas recorrentes?
Na esteira dos questionamentos, como garantir a efetividade das discussões da transversalidade de temas como gênero, raça, etnia, orientação sexual, entre outros? E como poderemos pensar no acesso à Educação de alunos em contextos diferenciados, como os em situação de rua e vulnerabilidade social, os ciganos entre outros?
Compreendemos que tais itens são essenciais na discussão de uma Base Nacional Curricular Comum, já que implicam em formação e financiamento da Educação pública.
Essa discussão deve ser ampla, e sua ausência abre espaços para a precarização e privatização dos sistemas públicos de Educação. A experiência dos anos de avaliações nacionais demonstram que, em muitos casos, há inversão na compreensão dos objetivos dessas avaliações que passam de ferramentas diagnósticas para instrumentos de classificação e mensuração de produtividade.
Como garantir que a adoção de uma Base Nacional Curricular Comum possa ser efetivamente instrumento de garantia do direito à Educação e positiva para os profissionais na Educação e educandos do sistema? Como problematizar a capitalização da Base Nacional Curricular Comum pelas empresas de Educação que produzem sistemas de ensino apostilados adotados por diversos municípios brasileiros que cerceiam a autonomia dos Planos Políticos Pedagógicos das escolas? Essa discussão implica no necessário questionamento sobre por quem e com quais materiais os professores serão capacitados e a Base Nacional implementada.
As brechas apontadas podem ser minimizadas com ampla discussão de todos os atores e profissionais da Educação envolvidos no processo. Uma Base Nacional Curricular não pode ser discutida apenas online, e com o prazo exíguo que o Ministério tem impingido à sociedade civil para se manifestar a respeito. E é nesse sentido que solicitamos que a consulta prossiga e possa ser aprofundada, para além do fórum virtual, em fóruns presenciais em 2016. Queremos que se convoquem imediatamente conferências municipais, estaduais e nacional para que os partícipes da comunidade escolar possam efetivamente discutir documento de tamanha importância. Assim, como ocorreram nas conferências de educação anteriormente para discussão do Plano Nacional da Educação, solicitamos um calendário que abarque conferências com etapas municipais (entre fevereiro a abril), estaduais (abril a junho) e nacional (julho).
Aproveitamos o momento para convocar as entidades e pesquisadores das áreas de Educação no engajamento político para a construção de uma Educação promotora de uma sociedade na qual o direito à diversidade seja fundante.
O silêncio dos atores engajados na defesa de uma Educação laica e promotora dos direitos humanos abre espaço para visões retrógradas de educação, as quais repudiamos veementemente.
Belo Horizonte, Mogi das Cruzes, Rio de Janeiro e São Paulo
21 de Novembro de 2015.