Capitalismo e socialismo
Não existe um mundo dividido em “capitalismo e socialismo”
Os professores já estão sabendo ensinar o que ocorre? Ou caminham num mundo sobre o qual só carcomido conversa?
Os bons professores de história, filosofia e ciências humanas já sabem, faz tempo, que não podem mais ensinar o capitalismo aos alunos contrapondo-o ao socialismo. Mas sabem também que devem manter várias referências aos escritos de Marx teorizando sobre a distinção entre capitalismo e feudalismo. Assim, a distinção clássica é a que permanece. A distinção política, atinente aos dramas conjunturais do século XX, não mais. O socialismo deixou de existir, e a versão dele dada pela social democracia sofreu profundas modificações.
Chamar alguém de fascista hoje em dia tem sentido, uma vez que fascismo é um conjunto de comportamentos, chamar alguém de comunista não faz mais sentido algum, dado que ser comunista era ser adepto de uma política específica, que não tem mais nenhum adepto sério.
Os bons professores também sabem que os termos esquerda e direita continuam valendo, uma vez que eram termos não referentes a socialismo e capitalismo, mas a pobres e burgueses de um lado e nobres e clero do outro. Depois, os temos esquerda e direita ganharam a conotação de “pobres versus ricos” e “povo versus elite” etc. A ideia de uma economia estatizada ou nacionalizada não era a distinção real, nunca foi, entre socialismo e capitalismo, uma vez que já no meio do século XX surgiram inúmeras formas de capitalismo de estado ou, na versão mais cínica, de socialismo nacional ou nazismo. Estes, é certo, nada tinham de esquerda, mas eram a extrema direita.
Faz tempo que nosso mundo, quando analisado pela filosofia de ponta, não vê nenhum sentido na ideia de “capitalismo versus socialismo”. A maior parte dos intelectuais que trabalham com teoria de ponta, tomam a palavra capitalismo ampla demais e já não explicando nada. Falamos muito mais, agora, em fenômenos que ganham ao conformarem os gostos dos formadores de opinião, todos eles muito ligados na imensa classe média, que dá uma nunca sonhada uniformidade ao mundo em tão largo espectro. Essa classe média vive na sociedade da super abundância – a afluent society de Galbraith. Essa sociedade é a chamada de “realidade atual”. Três fatores dão o enredo ao que chamamos, hoje, de realidade: enorme sobra de tempo livre em vigília, enorme juvenilização de todos, grande empenho em diversão, tendo o sexo como elemento central disso, tudo regado pela cultura do individualismo associado ao mesmo tempo a uma sociedade de massas vivendo na espuma de meios de comunicação variados que tornam tudo simultâneo e enredados numa espaço quase único.
Há uma série de benefícios desse mundo leve. Há uma série de problemas novos vindo dele. Gente como Richard Rorty, Foucault, Daniel Bell, Lyotard, Derrida, Deleuze, Sloterdijk, Thomas Macho, Donald Davidson e outros têm nos ajudado a compreender esse mundo. Nietzsche, Marx, Freud e Heidegger, nesse mundo, são tomados como lição escolar básica, agora tanto quanto sempre foi Platão. As pessoas que não perceberam isso porque ficaram fazendo jornalismo e lendo as mesmas coisas nos últimos vinte anos, infelizmente só alimentado ideologias próprias como o cornudo alimenta a esposa que o trai, podem escrever livros e até ter muitos leitores, mas não estão dizendo nada de interessante.
Paulo Ghiraldelli, 58, filósofo.
Figura: note a leveza do último homem.