Caça a sonegadores

Caça a sonegadores

Caça a sonegadores de impostos cresce no RS, mas retorno aos cofres do Estado diminui 

Identificação de ICMS sonegado aumentou 30% no primeiro semestre do ano, em relação ao mesmo período de 2016, mas dinheiro recuperado de maus pagadores encolheu 21%

Por: Juliana Bublitz           23/07/2017

Alvo de críticas da oposição ao governo de José Ivo Sartori, o combate à sonegação de impostos teve reforço nos primeiros seis meses do ano no Rio Grande do Sul. Em comparação com o mesmo período de 2016, o Estado ampliou em 30% a identificação de ICMS sonegado, lançando R$ 1 bilhão em novos créditos tributários. A má notícia é que o dinheiro recuperado com a cobrança de devedores caiu 21%.

Conforme o subsecretário da Receita Estadual, Mario Luis Wunderlich dos Santos, o avanço na detecção de fraudes se deve a um conjunto de fatores. As principais razões envolvem investimentos em tecnologia e em pessoal.

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Com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Secretaria da Fazenda adquiriu, no fim de 2015, a plataforma digital BigData. A tecnologia permite cruzar dados das empresas em busca de indícios de evasão fiscal. Desde então, o uso do mecanismo vem sendo aprimorado.

Para garantir aplicabilidade à ferramenta, o Estado empossou 89 auditores fiscais e 50 técnicos tributários no órgão, em 2016. Só na fase de treinamento, no primeiro trimestre deste ano, os auditores realizaram 277 autuações a empresas que apresentaram irregularidades fiscais no total de R$ 252 milhões. A performance garantiu recorde à Receita.

— Em cinco anos, essa foi a primeira vez que conseguimos chegar a R$ 1 bilhão em créditos tributários no primeiro semestre — afirma Wunderlich.

Quanto à cobrança de devedores, o reforço dos novos servidores não foi suficiente para evitar a queda nas estatísticas. Eles abordaram 783 empresas com impostos em atraso e conseguiram reaver R$ 106 milhões, mas o valor total recuperado no semestre não passou de R$ 868 milhões. De janeiro e a junho de 2016, o montante chegou a R$ 1,1 bilhão.

De acordo com Wunderlich, a retração já era esperada. Foi influenciada pelo Refaz 2017, programa de refinanciamento de débitos da Fazenda. Por meio dele, o Estado renegociou dívidas tributárias, ampliando o prazo de pagamento em até 120 meses. Com isso, o valor das parcelas caiu, e essa redução acabou se refletindo na soma final do semestre.

Na avaliação de Celso Malhani de Souza, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos da Administração Tributária do Estado (Sindifisco-RS), o saldo não é negativo.

— O efeito imediato é a postergação do pagamento, mas, no médio prazo, o resultado vai aparecer. A Receita Estadual vem fazendo um trabalho acima da média, em alguns casos muito além da sua condição. O que falta, agora, é o governo se dar conta de que precisa fortalecer o órgão. É necessário ter mais gente cobrando e autuando para aumentar a percepção de risco entre os sonegadores e alavancar a arrecadação — afirma Souza.

Até dezembro, a Receita Estadual tinha 470 auditores em atividade — pouco mais da metade do que prevê a Lei Orgânica da Administração Tributária (Loat). Além de estar abaixo do considerado ideal, o número cai mês a mês em razão de aposentadorias. Só este ano, 30 profissionais já se retiraram e outros 40 devem seguir o mesmo destino até dezembro.

A situação preocupa o Sindifisco-RS, que elaborou uma cartilha com sugestões para combater a crise. Uma delas é a imediata reposição do quadro (veja as demais abaixo).

— É evidente que tem de controlar as despesas. Sou absolutamente favorável a isso, mas cortar gastos tem limite. É como uma empresa. Se cortar demais, ela para. Tenho certeza de que, tendo mais gente para fiscalizar e fazer auditoria, o Estado terá mais recursos para superar seus problemas. É nisso que temos de apostar — defende Souza.

Segundo Wunderlich, parte das propostas do Sindifisco-RS já está sendo adotada. Quanto às contratações, dois novos concursos foram solicitados ao governo e estão em estudo. Pesa na decisão o fato de que a remuneração inicial de um auditor fiscal é alta: R$ 21.292,29. O sindicato argumenta que cada um gera "mais de R$ 30 milhões por ano" com o seu trabalho.

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AS SUGESTÕES DO SINDIFISCO-RS

1 - Compras do Estado

O que é?
O Estado realiza compras e contratações de bens e serviços em diversas áreas, desde merenda escolar até medicamentos.

Proposta do sindicato
O sindicato sugere que o Estado não pague mais do que a média de preços ao consumidor final. Para isso, bastaria usar como base os dados da Nota Fiscal Eletrônica (NFe). Segundo o Sindifisco, o Estado desembolsa, em média, 45% a mais. A medida renderia economia anual de R$ 1,52 bilhão.

O que diz a Fazenda
A prática já é adotada desde o governo passado na compra de medicamentos — com economia de R$ 82 milhões no acumulado entre 2015 e 2016. A secretaria tem projeto em curso para ampliar o alcance da medida para outros produtos, ainda neste ano.

2 - Substituição tributária

O que é?
É a modalidade em que o Estado cobra o ICMS da venda de um produto quando ele sai da indústria ou do atacado. Isso é feito via levantamento de preços nos canais de venda. A margem para a cobrança é calculada com base na diferença entre o preço no varejo e na indústria (ou atacado).

Proposta do sindicato
O sindicato defende que o Estado altere a forma de cálculo do regime de substituição tributária usando dados da NFe. Com isso, seria possível ter maior precisão na cobrança e ampliar os ganhos em mais de R$ 800 milhões por ano. O cálculo exato, segundo o Sindifisco, também seria uma forma de promover equilíbrio e justiça fiscal entre quem paga a mais e quem está pagando a menos.

O que diz a Fazenda
Vem qualificando o cálculo da margem de cobrança. Na atual gestão, usando a NFe, revisou margens para produtos como pneus, cimento, bebidas frias, celular, combustíveis, medicamentos e cosméticos. Os cálculos melhoram à medida que mais empresas aderem à NFe do consumidor. O recolhimento na modalidade subiu 9% (R$ 350 milhões) no primeiro semestre de 2017 contra mesmo período de 2016.

3 - Lei Kandir

O que é?
Norma aprovada em 1996, que isentou de ICMS determinados tipos de exportações. Desde 2003, a União é obrigada a ressarcir os Estados, mas isso não ocorre. Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo de um ano para o Congresso aprovar lei regulamentando a matéria.

Proposta do sindicato
O sindicado defende que o governo trabalhe junto a deputados federais e a senadores para que priorizem a elaboração de projeto para regulamentar o ressarcimento da Lei Kandir. As perdas do Estado chegam a R$ 4 bilhões anuais. A medida é considerada urgente.

O que diz a Fazenda
O secretário Giovani Feltes e o governador José Ivo Sartori têm conversado com parlamentares para pedir prioridade à questão. Em 2005, ao ingressar com ação no STF no governo de Germano Rigotto (PMDB), o Estado já exigiu o ressarcimento na Justiça.

4 - Isenções fiscais

O que é?
São tributos que o Estado deixa de arrecadar para incentivar setores da economia e estimular a instalação e a expansão de empresas com potencial de geração de empregos.

Proposta do sindicato
O sindicato diz que o Estado deixa de arrecadar mais de R$ 9 bilhões por ano devido a benefícios concedidos a empresas. O órgão reconhece que, em razão da guerra fiscal, não é possível extingui-los, mas entende que podem ser reduzidos, ampliando a arrecadação em R$ 690 milhões anuais. Uma alternativa seria transformar algumas isenções em redução de base de cálculo. Assim, quem não paga nada hoje passaria a desembolsar 5% de ICMS.

O que diz a Fazenda
A maioria dos benefícios é de renúncias fiscais constitucionais e desonerações de cunho social. Há margem para cortar créditos presumidos (um tipo de isenção). Em 2016, o benefício representou 8,4% do total de ICMS, R$ 500 milhões a menos do que em 2014 (11,6%). O governo tentou aprovar lei para cortar 30% dos créditos, mas não teve apoio. Agora, o Senado aprovou lei para dar fim à guerra fiscal. Os benefícios dados por todos os Estados poderão ser reavaliados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

5 - Auditores fiscais

O que é?
São responsáveis pela gestão tributária do Estado, o que inclui atividades como auditorias fiscais e cobrança de devedores.

Proposta do sindicato
O sindicato diz que o Estado tem 450 auditores fiscais e que cada um gera mais de R$ 30 milhões por ano aos cofres públicos, só com autuações. Para ampliar os ganhos, defende, entre outros fatores, novo concurso público para, no mínimo, mais 300 profissionais.

O que diz a Fazenda
Em outubro de 2016, foram empossados 89 auditores, cujo trabalho já está dando resultado. A lei prevê 830 servidores. A Fazenda solicitou mais dois concursos, para auditores e técnicos tributários. O pedido está em avaliação.

Renegociação dará fôlego agora, mas elevará dívida do RS

Possível adesão ao plano de recuperação fiscal ajudará o governo gaúcho no curto prazo. Contudo, a Secretaria da Fazenda reconhece, em estimativa preliminar, que passivo pode subir cerca de R$ 10,5 bilhões

Por: Juliana Bublitz      07/04/2017

Tratada como boia de salvação pelo governador José Ivo Sartori, a possível adesão do Estado ao plano de recuperação fiscal em discussão no Congresso terá um preço a ser pago no futuro.

A Secretaria da Fazenda reconhece que o fôlego propiciado por três anos de carência no pagamento da dívida com a União representará, ao final do período, aumento de R$ 10,5 bilhões no passivo – que em dezembro de 2016 atingiu marca de R$ 57,5 bilhões, equivalente a 86,7% da dívida da administração direta, de R$ 66,25 bilhões.

Titular da pasta, Giovani Feltes admite o ônus, mas diz que não há saída. Sem o socorro federal, o secretário afirma que os salários dos servidores do Poder Executivo continuarão sendo parcelados e que o quadro financeiro tende a piorar, apesar dos esforços para conter os gastos.

– É a melhor solução para o Rio Grande do Sul? Definitivamente, não. Mas é a alternativa possível. Estamos no limite – afirma Feltes.

O governo argumenta que, como terá R$ 9,5 bilhões das parcelas não pagas à União para utilizar, o encargo adicional decorrerá de juro e correção, no valor de cerca de R$ 1 bilhão.

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Entidades contrárias à adesão, como o Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado (Ceape-Sindicato), projetam endividamento maior – de R$ 16 bilhões. O cálculo não se resume ao efeito dos juros e da correção sobre o saldo devedor nos 36 meses de suspensão. Inclui, também, o impacto da ampliação do prazo de pagamento em 20 anos, sancionada em dezembro. Na avaliação do presidente do Ceape-Sindicato, Josué Martins, a dúvida sobre o valor exato da conta é "irrelevante" diante do que ele classifica como "questão de fundo":

– Na prática, a dívida já foi paga. É isso que deveria estar sendo discutido. Essa negociação com a União só vai consolidar e aumentar o saldo.

A decisão de Sartori de aderir à proposta, que implica uma série de contrapartidas, é classificada como "inadmissível" pelo presidente do Sindicato dos Técnicos Tributários da Receita Estadual, Carlos de Martini Duarte.

– A União está agindo como aquelas financiadoras que oferecem crédito para negativados. As condições, nesses casos, são péssimas. Aceitar é abraçar o diabo – conclui o sindicalista.

Tanto Martins quanto Duarte consideram o plano em gestação "pior" do que o acordo assinado em 1998, durante o governo de Antônio Britto (PMDB), que federalizou a dívida. A opinião é compartilhada pelo deputado estadual Luis Augusto Lara (PTB), um dos principais críticos do plano.

– Vão nos jogar nas garras de um contrato leonino, que só vai servir para resolver o governo Sartori. E depois? Prorrogar a carência por mais três anos e aumentar ainda mais a dívida? Isso não serve – diz.

Uma das alternativas, segundo ele, seria exigir a compensação pelas perdas da Lei Kandir, principal responsável pelas renúncias fiscais de Estados exportadores, estimadas em mais de R$ 40 bilhões no caso do Rio Grande do Sul. A concretização dessa hipótese, no entanto, é considerada remota.

– Essa história da Lei Kandir não passa de uma miragem. Não está escrito em lugar nenhum que o ressarcimento deve ser integral. A lei nem regulamentada está – ressalta Darcy Carvalho dos Santos, especialista em finanças públicas.

Como o economista Liderau dos Santos Marques Junior, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), Darcy concorda que o governo terá um ônus se aceitar o auxílio federal, mas também não vê opção no curto prazo.

– O Estado é um doente em fase terminal. Se não fizer nada, morre. Se fizer o tratamento imediato, que é aderir a esse plano, tem alguma possibilidade de se salvar. É uma troca da morte certa por uma morte provável, com chances de não morrer e de viver por muitos anos – analisa Darcy.

O ideal, segundo Liderau, seria o Piratini poder negociar em melhores condições com o poder central, o que ocorreria se o Brasil tivesse uma lei de falência para Estados e municípios, tal qual os Estados Unidos. Como não é esse o caso, o economista também não vê caminho diferente, mas tem dúvidas se Sartori terá força política para levar a intenção adiante, já que precisará do aval da Assembleia e enfrenta a fragmentação da base aliada.

Um dos maiores entraves, no momento, é a aprovação da proposta de emenda à Constituição que extingue a necessidade de plebiscito para a privatização da CEEE, da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e da Sulgás, ativos que seriam oferecidos como contrapartida.

– É uma proposta dura, que exige um esforço fiscal enorme do Estado, por anos, e medidas de desestatização. Ao mesmo tempo, apesar de todo o ônus envolvido, é necessária, se quisermos resolver os problemas – avalia Liderau.

Foto: Arte ZH / Arte ZH

Cálculos de impacto

O passivo com a União
Representa 86,7% da dívida da administração direta de R$ 66,25 bilhões, que também é composta por débitos externos (13%) e outros. Em 31 de dezembro de 2016, chegou a R$ 57,5 bilhões.

O fôlego e o preço a pagar
Ao aderir ao socorro federal e receber carência de três anos no pagamento da dívida com União, o Estado terá fôlego de R$ 9,5 bilhões no período.


O dinheiro será usado para pagar em dia servidores, terceirizados e fornecedores, diz o Piratini.

Enquanto isso, a dívida seguirá crescendo, com juro de 4% ao ano e correção pelo IPCA, limitado à taxa Selic.

As projeções de custo
Segundo estimativa preliminar da Secretaria da Fazenda, a dívida com a União deverá ser de R$ 56,2 bilhões em 30 de abril. O valor é menor do que em dezembro, devido à alteração do indexador e a redução do juro, aprovadas no fim do ano.

Se o RS aderir ao plano de recuperação, a dívida poderá chegar a R$ 73,5 bilhões em 2020, considerando IPCA de 4,5% ao ano.

Se não aderir, o valor também vai crescer, mas em menor ritmo, chegando a R$ 63 bilhões na data, já que o Estado continuará pagando as parcelas.

Conforme a Fazenda, a dívida subirá R$ 10,5 bilhões. Mas, para o órgão, o custo adicional decorrerá só de juro e correção, estimado em R$ 1 bilhão (R$ 10,5 bilhões menos R$ 9,5 bilhões que o RS pagaria mesmo sem o novo acordo com a União).

Com base em critérios diferentes, o Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado projeta impacto de R$ 16 bilhões.

Essa estimativa considera a carência de três anos e o IPCA a 4,5% ao ano, mais juro de 4%, além da ampliação do prazo de pagamento em 20 anos, aprovada em 2016, com a correção do saldo devedor.

A Fazenda argumenta que o prolongamento do prazo não tem relação com o plano de recuperação. Por isso, não inclui o item no cálculo.

Plano polêmico

A votação do projeto de lei que cria o Regime de Recuperação Fiscal foi adiada mais uma vez ontem, na Câmara dos Deputados. Ficou para a próxima semana.

Em fevereiro, a União enviou à Câmara dos Deputados projeto de lei que institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal.

A proposta servirá de base para os planos de socorro financeiro dos Estados, entre eles o Rio Grande do Sul.

Em troca da suspensão do pagamento da dívida com a União pelo período de três anos, prorrogáveis por mais três, e da viabilização de novos financiamentos, há uma série de contrapartidas.

As exigências incluíam, inicialmente, privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, redução de 20% dos incentivos fiscais e desistência em ações que questionem a dívida na Justiça, entre outros pontos.

O Piratini considerou parte das exigências excessivas e passou a defender alterações no projeto, cuja votação vem sendo adiada há duas semanas.

Nesta quarta-feira, o Piratini conseguiu obter a alteração de dois pontos do projeto: que a redução de incentivos seja de 10%, e não de 20%, e que as privatizações incluam outras áreas (como imóveis).

A expectativa do Piratini é de aderir ao plano no mês de maio, porém isso ainda dependerá da aprovação no Congresso e da chancela da Assembleia.

O Piratini também precisa privatizar órgãos públicos (como CEEE, CRM e Sulgás), mas, até agora, não tem aval para isso.

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2017/04/renegociacao-dara-folego-agora-mas-elevara-divida-do-rs-9765903.html 




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