BNCC em fase de discussão

BNCC em fase de discussão

Em fase de discussão, Base Nacional Comum Curricular enfrenta críticas

Professores e especialistas identificam problemas no currículo escolar proposto. Principais alvos são conteúdos de história e língua portuguesa

Por: Guilherme Justino e Larissa Roso            25/11/2015

Em fase de discussão, Base Nacional Comum Curricular enfrenta críticas Carlos Macedo/Agencia RBS

Currículo nacional deverá impactar também a confecção de livros didáticos e mecanismos de avaliação como a Prova Brasil      Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS

 

A proposta que prevê a reformulação do currículo de todas as escolas brasileiras de educação básica está alimentando uma polêmica entre pais, professores e especialistas. Ainda em fase de elaboração, a Base Nacional Comum Curricular (BNC) deve padronizar 60% dos conteúdos a serem apresentados aos alunos dos ensinos Fundamental e Médio, ano a ano — os outros 40% serão definidos pelas próprias instituições e redes de ensino, contemplando particularidades regionais. Inédita no país, a iniciativa deverá impactar também a confecção de livros didáticos, mecanismos de avaliação como a Prova Brasil e até os cursos de licenciatura. O processo, capitaneado pelo Ministério da Educação (MEC), envolve colaboradores de todos os Estados e permite a participação da sociedade pela internet.

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Disponível para consulta pública no site basenacionalcomum.mec.gov.br, o texto preliminar foi elaborado por uma equipe de 116 especialistas de 35 universidades. Entre as maiores controvérsias está a listagem de tópicos previstos em história, sobretudo ao longo das três séries do Ensino Médio. Para os críticos dessa proposição inicial, a disciplina privilegiaria a história do Brasil, das Américas e da África, restringindo expressivamente a abordagem de temas como a Antiguidade Clássica e a Idade Média, por exemplo. Para a professora de história Carine Bajerski, do Colégio Farroupilha, de Porto Alegre, a BNC peca ao tentar combater o eurocentrismo que sempre marcou a historiografia.

— A base está muito focada em civilizações africanas, nos ameríndios. Deixaríamos de ver toda a parte da formação da civilização ocidental da qual fazemos parte. O primeiro ano está muito carregado de África e América, ficou pouco espaço para a formação das civilizações antigas e o medievo — aponta a docente. — Precisamos entender a história como algo completo, global. Se foco só em América, só em África, como faço o aluno do mundo globalizado entender a atualidade? — questiona.

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Objetivo seria elencar prioridades

Um dos especialistas convidados pelo MEC para a preparação da BNC, Mauro Cezar Coelho, professor associado da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirma que um dos objetivos do novo currículo é elencar prioridades dentro da vastidão compreendida pela história da humanidade. Com apenas dois ou três períodos semanais dedicados à matéria, as escolas não conseguem, segundo o historiador, dar conta de uma ementa tão longa. A ideia surgida no grupo de debates é dar mais destaque ao Brasil e, ao mesmo tempo, capacitar os estudantes para adquirir autonomia e construir suas próprias trajetórias de aprendizagem.

— Em nenhum momento pretendemos deixar de fora ou subdimensionar qualquer dos nexos que ligam o Brasil a sua herança ocidental, europeia. Não foi essa a nossa intenção. Nosso objetivo é que o aluno tivesse contato com um conhecimento mais significativo para ele, que fale mais da sua realidade. Para o aluno que está na escola, é importante ter uma discussão mais pormenorizada sobre a conformação da sociedade brasileira — justifica Coelho, salientando que a BNC ainda está sujeita a mudanças, e eventuais carências poderão ser supridas na porção curricular determinada pelos Estados.

Fase de coletas termina em dezembro

Manuel Palácios, secretário de Educação Básica do MEC, também frisa que o documento deverá sofrer alterações — uma segunda versão será confeccionada a partir de 15 de dezembro, quando se encerra a primeira fase de coleta de opiniões online. A previsão é de que o texto final seja encaminhado ao Conselho Nacional de Educação, responsável pela normatização, até junho do ano que vem. O sistema educacional brasileiro teria, a partir daí, um prazo de cerca de três anos para se adaptar às novidades.

— Esse debate é essencial para a gente ter uma boa proposta. Algumas áreas estão mais abertas a controvérsias do que outras. Nem a matemática é pacífica. A história é sempre mais controversa. Pelo portal, as pessoas podem mudar toda a base, se quiserem — afirma Palácios.

Ensino Médio é o principal alvo do currículo único nacional

O diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, compara o processo de consulta pública atualmente em vigor à formulação de uma prova de vestibular, em que diversas questões são pensadas antes de uma banca — a sociedade, nesta analogia — definir quais serão as escolhidas.

— Os especialistas selecionados pelo MEC apresentaram suas propostas, e agora cabe à população ver o que está faltando, o que não precisa estar ali e o que é preciso mudar. É a nossa vez — afirma Ramos.

Falta de gramática no currículo preocupa pesquisadores

Um currículo de língua portuguesa que pouco contempla a gramática e uma proposta para as aulas de literatura que inclui análise do "internetês" e de textos nas redes sociais também são alvo de contestações. Se, por um lado, especialistas apontam que a base nacional atualiza os conteúdos tratados em aula, trazendo-os à realidade do século 21, por outro, a mudança pode ter impacto no aprendizado dos alunos, deixando de prepará-los adequadamente no uso formal da língua.

Em uma análise ponto a ponto do esboço curricular na área de língua portuguesa, as pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP) Paula Louzano e Ilona Becskeházy identificaram que só havia referências à gramática até o 3º ano do Ensino Fundamental — quando se espera ver concluído o processo de alfabetização. Dali em diante, segundo elas, apenas menções indiretas.

O professor William Cereja entende que a BNC não prevê um trabalho contínuo de consolidação da gramática em nenhum momento após a alfabetização. Segundo Cereja, doutor em Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é necessário prever o ensino da gramática normativa para todas as séries e garantir que, independente dos demais conteúdos, o rigor gramatical seja seguido.

— Ninguém está propondo que a norma padrão seja considerada o único uso possível da língua e o único "correto". Contudo, fica difícil você ensinar a norma padrão sem entrar em certos conteúdos básicos. Falta clareza na proposta de gramática — afirma o professor.

Em literatura, que está integrada à disciplina de português na proposta em discussão, autores além da literatura em língua portuguesa — hoje o foco nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio — estão previstos. Em breve, os alunos poderão estudar obras africanas e indígenas. O objetivo é reconhecer "a literatura como lugar de encontro de multiculturalidades".




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