Bilhões para receber
Rio Grande do Sul tem bilhões a receber de devedores
Dois terços do total já caducaram. A Fazenda se concentra na fatia recuperável: R$ 11 bilhões
Dívidas tributárias acumuladas ao longo de décadas deixaram ao Rio Grande do Sul uma herança dúbia.
Cobrança judicial é o recurso menos eficaz para recuperar dinheiro devido ao RS
À beira do colapso financeiro, o Estado contabiliza R$ 36 bilhões em dívida ativa, nome que se dá aos débitos de pessoas e empresas com o governo, a maioria por não pagar impostos ou por questioná-los na Justiça. Em teoria, a cifra seria suficiente para colocar as contas do Palácio Piratini no azul. Mas a realidade é outra. A média anual de recuperação é de R$ 1,1 bilhão, o equivalente a 2,8% do passivo – valor insuficiente para amenizar a situação de penúria do Estado.
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O problema é que dois terços do passivo, segundo a Receita Estadual, já estão perdidos. Com registros que começam em 1965, não passam de papelada envelhecida.
– Lamentavelmente, essa parcela da dívida acabou se tornando incobrável em face do tempo que passou. É fácil alardear que a solução da crise passa pela recuperação desses valores, mas não podemos simplesmente expropriar bens. Não temos esse poder. Fazemos o que é legalmente possível – diz o secretário adjunto da Fazenda, Luiz Antônio Bins.
Dos R$ 25 bilhões em moeda podre, mais da metade é objeto de ações que tramitam na Justiça. Integra o bolo processos envolvendo companhias como J.H. Santos, Imcosul e Hermes Macedo, que já não operam mais. Mesmo em casos de falência, quando não restam bens penhoráveis, o juiz não pode simplesmente extinguir as ações. Pode, no máximo, suspendê-las.
O prazo de prescrição dos débitos é de cinco anos, mas, enquanto o caso estiver suspenso, a contagem é congelada, e o Estado deve prosseguir nas buscas (por sócios, sucessores e valores que possam ser bloqueados). É por isso que processos antigos, com mais de 20 anos, continuam abertos e sem solução. Acabam em uma espécie de limbo jurídico, inflando artificialmente a dívida.
– Muito do que restou do passado tem a ver com a questão tecnológica. Tudo era mais lento. Hoje, existe preocupação em agilizar os processos – diz a juíza Alessandra Abrão Bertoluci, da 6ª Vara da Fazenda Pública, na Capital.
Em 2010, por iniciativa da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), foi aprovada lei que autoriza o órgão a desistir das causas inviáveis. Desde então, todas elas (cerca de cem mil) estão sendo reavaliadas, e mais de 10 mil foram extintas nos últimos três anos.
– Decidimos fazer um filtro. O que queremos é que o Judiciário coloque todo o empenho nos processos de maior viabilidade. Do contrário, os que realmente têm chance de retorno acabam sendo prejudicados – diz o procurador-geral adjunto para Assuntos Administrativos da PGE, Cristiano Xavier Bayne.
Entidade aponta falta de auditores
Mas quanto, afinal, ainda pode ser recuperado? Via tribunais, cerca de R$ 9 bilhões. Via Receita, outros R$ 2 bilhões. A soma nem de longe é desprezível. A título de comparação, equivale a 28 vezes o valor aplicado em investimentos em 2014, com recursos do Tesouro estadual. É o dobro do déficit (quando o gasto é maior do que a receita) previsto para este ano.
Só que o retorno não é automático. Depende da celeridade da PGE e do Judiciário, que leva, em média, oito anos para julgar ações de execução fiscal, e da agilidade dos auditores da Receita Estadual, cujo número vem caindo devido a aposentadorias sem reposição.
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Apenas 40 trabalham na cobrança dos devedores, em um universo de 337,7 mil créditos tributários no âmbito administrativo.
– A defasagem de auditores é preocupante. Se houvesse um número maior, os resultados seriam melhores, não só na ampliação dos valores recuperados, mas na fiscalização, que é muito importante. Quando não existe percepção de risco, a sonegação aumenta – alerta o presidente da Associação dos Fiscais de Tributos, Altemir Feltrin da Silva, que defende a nomeação imediata de cem concursados aprovados em 2014.
Se for mantido o ritmo atual de cobrança, mesmo que a dívida parasse de crescer, seriam necessários pelo menos 10 anos para reaver os R$ 11 bilhões passíveis de resgate. E, ainda assim, sem garantia de êxito.
Foco nos “devedores contumazes”
Um dos principais objetivos da PGE, hoje, é atuar na “manutenção do crédito fiscal”. Isso significa defender o Estado nos casos em que contribuintes contestam a cobrança de tributos na Justiça. O coordenador da Procuradoria Fiscal, Cândido Martins de Oliveira, destaca que 45% do valor em discussão envolve grandes companhias.
– Essas empresas não deixam de pagar ICMS por falta de dinheiro, mas porque querem discutir a cobrança. Isso é lícito. Focamos nesses casos porque, se a nossa tese vencer, como já aconteceu no Supremo Tribunal Federal, o volume revertido é enorme – diz Oliveira.
Segundo o procurador, há grupos empresariais que planejam o não pagamento do tributo de forma legal, a partir de interpretações alternativas da legislação. A validade é decidida na Justiça.
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Mas há, também, situações ilegais, e são estas as que mais preocupam a PGE. Trata-se de devedores contumazes que simplesmente deixam de recolher ICMS para se capitalizar e fazer concorrência desleal.
Há cerca de 10 anos, a procuradoria deparou com empresas que passaram a adquirir precatórios (títulos de dívidas do Estado reconhecidas pela Justiça) por 20% do valor na tentativa de utilizar 100% para compensar ICMS não pago. A manobra acabou barrada e levou muitas à falência. Para combater condutas desse tipo, a PGE está criando um núcleo de inteligência. A ideia é trabalhar em conjunto com órgãos como Polícia Civil e Ministério Público.
O que é a dívida ativa
– É o dinheiro que pessoas e empresas devem ao poder público. No caso do RS, 99,3% são tributos não pagos. O principal é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
– O ICMS devido representa 98,2% do passivo. Os demais tributos que compõem a dívida são o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD).
Quem deve
– Empresas: 88,5 mil
– Pessoas físicas: 103,3 mil
– Total de créditos tributários: 764,2 mil
A dívida mais antiga
– É de 1965 e envolve o não pagamento do antigo Imposto sobre Vendas e Consignações. A cobrança ficou suspensa por anos na Justiça. Em 2012, o pagamento foi parcelado em 60 meses. Hoje, o saldo devedor é de R$ 37 mil. Como a empresa buscou a regularização, o Estado mantém a identificação em sigilo.
As desistências
– Desde 2010, uma lei estadual autoriza os procuradores do Estado a desistirem de ações consideradas inviáveis.
– Nos últimos três anos, foram extintos 10 mil processos. A intenção é ampliar o número para concentrar esforços nas ações de cobrança consideradas viáveis.
Os caminhos da cobrança
Existem duas formas de cobrança da dívida: a administrativa e a judicial. Entenda os caminhos possíveis
1 Determinada empresa deixa de pagar ICMS ou paga menos do que deveria.
2 Ao detectar o problema, a Receita notifica a empresa, com prazo de 60 dias para regularização. Depois disso, o crédito vira dívida ativa.
3 A fase de cobrança administrativa se estende, então, por até seis meses. Nesse período, a Receita exerce ações como a notificação do devedor e a inscrição da dívida no Cadastro de Inadimplentes do Estado (Cadin) e no Serasa.
4 Se a devedora pagar o que deve, o processo é encerrado. Se parcelar o débito, a Receita faz o acompanhamento até a quitação.
5 Caso não ocorra o pagamento, é gerada a Certidão de Dívida Ativa (CDA). O documento é enviado à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que entra na Justiça com ação de execução fiscal (cobrança judicial da dívida).
6 O juiz recebe a ação e avisa o responsável pelo débito para que pague ou apresente defesa.
7 Se ele se defender, cabe ao juiz julgar o caso. Se não se manifestar, o juiz ordena a busca de bens e valores do devedor para assegurar o pagamento.
8 Quando identificados, os bens vão a leilão e os valores são bloqueados. O dinheiro é revertido para o Estado. Quando não são, o processo fica parado, e cabe à PGE dar continuidade às buscas.
9 A dívida prescreve em cinco anos, mas a contagem recomeça sempre que há movimentação no processo. Há casos de ações que se arrastam por décadas.
10 Se o juiz entender que todas as tentativas de cobrança da dívida foram exauridas, ele suspende o processo.
11 Assim, a PGE pode desistir da ação. Se fizer isso, cabe à Receita “dar baixa” à CDA, e a dívida deixa de existir.
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http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/07/rio-grande-do-sul-tem-bilhoes-a-receber-de-devedores-4794771.html