Benefícios de pensão por morte
A LEI N.º 13.135/15 E OS SERVIDORES PÚBLICOS
O presente artigo discorre sobre a Lei nº 13.135/15 e os Servidores Públicos.
Fonte: Bruno Sá Freire Martins
Introdução:
O sistema previdenciário brasileiro conta hoje com dois regimes tidos como básicos, consistentes no Regime Geral que abarca segurados da iniciativa privada e algumas pessoas que atuam junto à Administração Pública, e, o Regime Próprio destinado aos servidores efetivos, estabilizados, vitaliciados e aos militares.
No final de 2014 o Governo Federal editou a Medida Provisória n.º 664/14 que, após o trâmite legislativo, foi convertida na Lei federal n.º 13.135/15, promovendo alterações significativas nos benefícios de pensão por morte destinados aos segurados do Regime Geral e nas regras previstas para a concessão desse mesmo benefício em favor dos dependentes dos servidores federais.
Tais alterações ensejaram dúvidas quanto a sua aplicação nos Regimes Próprios estaduais e municipais.
Além disso, levaram a uma série de questionamentos jurídicos para os servidores federais, já que modificaram profundamente as regras do pensionamento, com a inclusão de novos requisitos e critérios para a sua concessão, cuja constitucionalidade, inclusive, é discutível.
Assim, apesar de o mundo jurídico achar que os impactos da reforma atingiram apenas os segurados do INSS, a partir da leitura do presente ensaio será possível constatar que os dependentes dos servidores foram afetados tanto ou até mais do que os que atuam na iniciativa privada.
2. Aplicação das Novas Regras nos Estados e Municípios:
2.1. O princípio constitucional da subsidiariedade:
O artigo 40 da Constituição Federal, na série de modificações nele promovidas, estabeleceu que:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
...
§ 12 - Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.
O referido parágrafo constitucional autoriza a aplicação do princípio da subsidiariedade no âmbito dos Regimes Próprios, consistente no permissivo para que as omissões legais existentes na Previdência do Servidor sejam sanadas pela aplicação das normas do INSS.
Fica claro, portanto, a possibilidade de invocação da regra maior somente nos casos de omissão, ou seja, é preciso que não exista regulação acerca dos institutos, o que não é o caso, já que tanto o benefício de pensão quanto o auxílio doença, principais objetos de mudança no Regime Geral, possuem normas regedoras instituídas individualmente pelos Regimes Próprios.
Além disso, as aposentadorias dos servidores, cujos Entes instituíram previdência própria, e, a metodologia de cálculo das pensões de seus dependentes tem suas regras estabelecidas pela Constituição Federal.
Portanto, não há que se falar em omissão como fundamento para a aplicação das novas regras do INSS em sede de Regime Próprio.
2.2. A Inconstitucionalidade do caput do artigo 5º da Lei n.º 9.717/98:
Ocorre que esse não é o principal fundamento para a dúvida, em verdade, a interrogação decorre do disposto na Lei n.º 9.717/98 que prevê:
Art. 5º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da Constituição Federal.
Inicialmente é preciso destacar que o referido artigo reveste-se de flagrante inconstitucionalidade, frente às regras norteadoras da competência concorrente para legislar sobre previdência social e a autonomia dos Entes Federados.
Pois o artigo 24 da Constituição Federal, ao disciplinar as regras de competência para regulação de determinados temas, fixou que compete à União editar as normas de cunho geral, enquanto que os Estados e o Distrito Federal devem editar as chamadas normas locais.
Então, a Constituição brasileira adotou a competência concorrente não cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e o Distrito Federal especificá-las, através de suas respectivas leis. [1]
Obviamente que dentre as limitações impostas ao exercício do direito de editar normas gerais, outorgado pela Carta Maior à União, encontra-se a chamada autonomia dos Entes Federados, prevista no artigo 18 da Magna Carta.
A autonomia decorre da forma federativa adotada pelo Texto Magno para a Nação brasileira, onde os Estados e os Municípios tem legitimidade e liberdade para se auto-administrarem e gerir de acordo com os interesses da sociedade local, limitando-se apenas a observância das Normas Constitucionais.
Daí afirmar-se que na competência concorrente não cumulativa, a legislação estadual deve obedecer à legislação federal, respeitando-lhe os princípios gerais. Porém, se a União extrapolar os limites que lhe foram impostos, de estabelecer regras gerais e uniformes para o país, ao editar norma objeto de competência concorrente, o diploma resultante estará, ao menos parcialmente, eivado de inconstitucionalidade, por adentrar o âmbito legislativo dos Estados-membros. [2]
E os benefícios previdenciários dos servidores públicos, por se tratarem de tema afeto ao seu regime jurídico, bem como de interesse da sociedade e do serviço público locais, constitui-se em matéria umbilicalmente ligada à autorização constitucional concedida aos Entes Federados para se auto-gerirem e administrar.
Portanto, fica evidente a inconstitucionalidade do disposto no artigo 5º da Lei n.º 9.717/98, não podendo ele servir de fundamento para a obrigatoriedade de aplicação das novas normas reguladoras do INSS no âmbito da Previdência dos Servidores Públicos de Estados e Municípios.
2.3 – O Real alcance da Lei n.º 9.717/98:
Mas como não houve ainda a declaração de inconstitucionalidade expressa do disposto no referido artigo, por parte do Supremo Tribunal Federal, ele continua sendo aplicado e invocado diariamente no âmbito dos Regimes Próprios.
E essa aplicação é feita sob a forma de interpretações variadas e equivocadas de seu teor, dentre as quais merece destaque, para efeitos do assunto ora debatido, a de que seu texto levaria a obrigatoriedade de observância literal das normas contidas na Lei n.º 8.213/91 (Plano de Benefícios do INSS) em sede de Previdência do Servidor.
Bem como, a de que ante a obrigação dessa observância literal, os róis de dependentes dos segurados dos dois regimes básicos deveriam ser idênticos.
Já que, nesse caso, a edição da norma de caráter geral teria promovido a revogação tácita das Leis dos Regimes Próprios estaduais e municipais que se encontravam em conflito com as regras previstas na Lei n.º 8.213/91, supramencionada.
A revogação tácita consiste na retirada da validade de uma lei, em razão da edição de novo texto, incompatível com aquele que se encontrava vigente até então.
Tanto que o Tribunal de Contas da União, assim se manifesta:
...
20. Expressamente aprovada pelo Congresso Nacional, já é plena a identificação dos regimes quanto às categorias de beneficiários, razão pela qual a pensão civil a pessoa designada deixou de ser devida desde o advento do art. 5º da Lei nº 9.717/1998, que derrogou, do regime próprio de previdência social dos servidores públicos da União, as categorias de pensão civil estatutária, destinadas a pessoa designada, maior de 60 anos ou portadora de deficiência, a filho emancipado e não inválido, a irmão emancipado e não inválido, a menor sob guarda e à pessoa designada, até 21 anos, previstas no art. 217, inciso I, alínea “e”, e inciso II, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, do art. 217 da Lei nº 8.112/1990, respectivamente.
...[3]
No que é seguido por diversos Órgãos de Controle externo do País e por um sem número de Regimes Próprios estaduais e municipais.
E também pela doutrina, senão vejamos:
A Lei n.º 9.717/98 dispõe em seu art. 5º que os regimes próprios de previdência não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no RGPS, disciplinado na Lei n.º 8.213/91.
Tratando-se de norma geral, colocou-se desde então, para os entes federativos a necessidade de adaptar a legislação pertinente, especialmente no tocante ao rol de beneficiários das pensões.
Em decorrência, as normas previdenciárias locais que continham relação de beneficiários em desconformidade com a legislação federal perderam seu fundamento de validade, tais como as que concediam pensão aos filhos maiores de 21 anos universitários, às filhas solteiras, aos netos e contribuintes facultativos. [4]
Em que pesem os fundamentos utilizados para essa conclusão, quer nos parecer que não coadunam com o verdadeiro escopo do disposto no artigo 5º, independentemente da discussão acerca de sua inconstitucionalidade ou não.
Pois o texto é cristalino ao limitar o rol de benefícios e não os requisitos e/ou a sua forma de cálculo, ou seja, o intento da norma foi o de impedir que os Entes Federados criassem benefícios, tidos como previdenciários diversos dos existentes, ou melhor, concedidos aos segurados do INSS.
Então, impôs-se aos Regimes Próprios apenas a limitação quanto à concessão dos benefícios de aposentadoria, auxílio-doença e salários-maternidade e família em favor de seus segurados e pensão por morte e auxílio reclusão aos dependentes dos mesmos.
Salientando-se que, por intermédio da Orientação Normativa n.º 02/09, o Ministério da Previdência exclui a possibilidade de concessão de auxílio acidente aos servidores públicos segurados da previdência própria.
Não havendo, portanto, qualquer menção que pudesse autorizar a interpretação de que também se deveria aplicar literalmente os requisitos e critérios previstos no Regime Geral, para a concessão de seus benefícios, em sede de Regime Próprio.
Daí o Supremo Tribunal Federal ter se posicionado no sentido de que:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. MENOR SOB GUARDA DE SERVIDOR PÚBLICO. FALECIMENTO: PENSÃO TEMPORÁRIA. ART. 217, INC. II, AL. B, DA LEI N. 8.112/1990. NEGATIVA DE REGISTRO. LEI N. 9.717/1998, ART. 5º. PRETENSO EFEITO DERROGATÓRIO NOS REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL: INOCORRÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. [5]
Portanto, não se pode admitir a aplicação do disposto nas modificações ocorridas no Regime Geral para os servidores públicos dos Estados e Municípios com fundamento no disposto no artigo 40, § 12 da Constituição Federal ou no caput do artigo 5º da Lei n.º 9.717/98 sob qualquer argumento, conclusão também obtida pelo Ministério da Previdência Social, senão vejamos:
...
a) as alterações promovidas pela Medida Provisória nº 664, de 2014, na Lei nº 8.112, de 1990, e na Lei nº 8.213, de 1991, que serão apreciadas pelo Congresso Nacional, não se aplicam automaticamente aos servidores amparados em RPPS;
b) somente por lei local as previsões da Medida Provisória nº 664, de 2014, podem ser estendidas aos servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, respeitadas as normas constitucionais e gerais específicas dos servidores;
...[6]
Inaplicabilidade que também contempla os militares, em função do que estabelece o artigo 42, § 2º da Constituição Federal que concedeu autonomia plena aos Entes Federados para regular as pensões por morte de seus dependentes sem a imposição de que as regras estabelecidas para a concessão do benefício em favor dos dependentes dos servidores civis fosse adotada em sede de pensão militar.
3. Alterações no Regime Próprio Federal:
Diferentemente da situação dos servidores estaduais e municipais, a Lei n.º 13.135/15, promoveu alterações diretamente no Regime Próprio da União, mais especificamente nas regras do benefício de pensão por morte.
As mudanças implementadas inicialmente por intermédio da Medida Provisória foram amenizadas pelo Congresso Nacional, por ocasião do processo legislativo de conversão, mas ainda assim, foram duras.
3.1 – O Novo Rol de Beneficiários:
A principal modificação se deu no rol de beneficiários, onde se alterou totalmente a forma de distribuição das cotas-parte do benefício, já que no texto anterior a pensão era dividida em vitalícia e temporária, cabendo a cada um desses grupos metade do valor dos proventos a ser, posteriormente, dividida igualmente entre seus integrantes.
Agora não existe mais o primeiro rateio em grupos, pois todos os beneficiários passaram a concorrer em igualdade de condições desde que integrem a mesma hierarquia.
E no que tange à hierarquia cumpre destacar que a presença de cônjuges, companheiros e filhos, com direito ao benefício, exclui a possibilidade de recebimento por parte dos pais e irmãos do segurado falecido, enquanto que a outorga do direito aos genitores exclui a possibilidade dos últimos.
Dessa forma, os cônjuges, companheiros e filhos passaram a se constituir em beneficiários de 1º Grau, os pais em de 2º Grau e os irmãos em de Terceiro.
No modelo anterior a chamada reversão de cota, consistente no recálculo do benefício em razão da extinção do direito de um dos beneficiários, era feita primeiramente entre os que integravam o grupo e, somente quando todos os seus integrantes perdiam o direito ao benefício é que o valor era destinado ao outro grupo.
Na nova redação da Lei n.º 13.135/15 sempre que uma das cotas chegar ao fim, a nova divisão abarcará a todos que continuarem a recebê-lo já que não existem mais grupos de beneficiários.
Toda essa modificação decorreu do intento de se extinguir o caráter vitalício do benefício de pensão para os cônjuges e companheiros, maiores beneficiários dele no sistema anterior.
A vitaliciedade consistia, até então, na possibilidade de recebimento da pensão enquanto o dependente fosse vivo.
Hoje, a pensão por morte somente é vitalícia para os cônjuges ou companheiros que contarem com mais de 44 (quarenta e quatro) anos de idade, no momento do óbito do servidor, no caso de possuírem idade inferior o benefício terá duração pelo prazo fixado pela Lei.
Além dessas alterações que, por si só, já impactam radicalmente o sistema vigente até o final de 2014, outras com a mesma amplitude também foram promovidas.
3.2. A Fixação Judicial de Alimentos:
Ainda com relação aos beneficiários, manteve-se a possibilidade de recebimento pelo ex-cônjuge ou companheiro que recebe alimentos para si. Entretanto, passou-se a exigir que a prestação alimentar tenha sido fixada em Juízo, portanto, devem ser estabelecidos em sentença.
Com essa nova redação simplesmente negou-se vigência à Lei n.º 11.441/07 que autorizou a concretização de separações e divórcios no foro extrajudicial, inclusive com a possibilidade de fixação de alimentos.
Como os atos praticados na serventia não se constituem em atos revestidos da jurisdição, não se pode admitir que a previsão contida nessas escrituras tem força suficiente para autorizar a concessão do benefício.
Um verdadeiro retrocesso, já que acarretará o abarrotamento do Judiciário com processos relacionados à dissolução de casamentos e uniões estáveis.
3.3. A Temporalidade do Benefício para Cônjuges e Companheiros:
Outra modificação que atingiu diretamente os cônjuges e companheiros foi a fixação de prazo limite para o recebimento do benefício, quando o supérstite contar com menos de 44 (quarenta e quatro) anos de idade por ocasião do óbito do servidor.
A fixação de limite temporal para o pagamento do benefício aos cônjuges e/ou companheiros acompanha uma tendência mundial e atende aos anseios de especialistas na área previdenciária que por diversas vezes teceram críticas ao fato de a legislação não acompanhar a evolução da sociedade.
Evolução consistente, sem entrar no seu mérito, no fato de que hoje é bastante comum que pessoas com mais idade casem-se ou se unam a pessoas mais jovens, fazendo com que o benefício se estenda por longos períodos, além de criar, em alguns casos, situações onde os beneficiários simplesmente abdicam de tentar uma vida profissional, por terem seu sustento garantido com os proventos.
Além disso, é preciso destacar que os períodos fixados na Lei não são definitivos já que se admite que após 3 (três) anos a tabela possa ser revista desde que, nesse período, ocorra incremento de no mínimo 1 (um) ano na média nacional única.
3.4. Equiparados a Filho:
Já no caso dos enteados e/ou tutelados que são equiparados ao filho exigiu-se que fosse demonstrada a sua dependência econômica e que o servidor assim o declarasse antes de seu óbito.
Ora se são equiparados ao filho, salvo melhor juízo, é impossível exigir-lhe a comprovação de dependência econômica, por se tratar de prova que não é solicitada ao mesmo.
E a ausência dessa exigência decorre do fato de que a dependência econômica dos filhos é absolutamente presumida, ou seja, constitui-se apenas pela comprovação da condição de descendente.
Então em sendo equiparados e como a dependência econômica do filho é presumida, não cabe exigi-la dos enteados e/ou tutelados.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO À PENSÃO. ENTEADO MAIOR E INVÁLIDO. INVALIDEZ PREEXISTENTE AO ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. RECONHECIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Tratando-se de enteado inválido, a concessão da pensão por morte depende apenas da comprovação de que a invalidez é preexistente ao óbito do instituidor do benefício, vez que a dependência econômica é presumida, na forma do artigo 217, II, a, da Lei n.° 8.112/90. Precedentes do STJ. 2. Além do que, inexiste notícia de labor por parte do requerente, bem como consta a condição de dependente no Imposto de renda de sua genitora. 3. A existência de invalidez total e permanente é incontroversa, vez que autor é portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, resultando em Doenças Infecciosas e Parasitárias, Hepatite C Crônica e Hipertensão Arterial Sistêmica. A discussão cinge-se ao momento em que a moléstia o atingiu, se antes ou depois do óbito do instituidor (30.08.1992), vez que o diagnóstico somente ocorreu em março/1997. 4. O autor apresentou tuberculose pulmonar e ganglionar diagnosticada em fevereiro/97 (fl. 82). Realizado o teste anti-HIV, o resultado foi positivo. De acordo com os laudos médicos juntados às fls. 38/40, fls. 53/68 e fls. 75/76, no momento do diagnóstico sorológico o autor já apresentava doença oportunista instalada grave, caracterizando AIDS e não apenas a soropositividade. 5. Posteriormente foi constatado o vírus da Hepatite C e de hepatopatia crônica. Há informação nos autos (fl. 77) de que o autor foi acometido de Citomegalovirose Aguda em 1987, patologia esta, que segundo a prova pericial, é doença sugestiva de imunodepressão. 6. A conclusão de que se extrai da prova pericial produzida nestes autos (fls. 534/546, complementado às fls. 554/557), é de que a infecção pelo HIV já pré-existia muito antes do diagnóstico. Assim, é de ser reconhecida a preexistência da incapacidade. 7. DIB: desde o requerimento administrativo, conforme consignado pela sentença recorrida. 8. Atrasados: juros de mora e a correção monetária, conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 9. A fim de se atender ao disposto no art. 20, §§ 3º e 4º do CPC e, ainda, considerando a natureza da demanda, afigura-se razoável e legal, a majoração dos honorários advocatícios para R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). 10. A antecipação de tutela deve ser mantida em face do julgamento nesta Corte do recurso, mantendo o benefício de pensão, e considerando que os recursos eventualmente interpostos contra a decisão não tem efeito suspensivo. 11. Apelação do autor provida (item 9). Apelação da União e Remessa oficial providas, parcialmente, nos termos do item 8. [7]
A segunda imposição também se constitui em grande equivoco, já que o Superior Tribunal de Justiça já fixou entendimento no sentido de ser desnecessária a prévia inscrição do dependente para a concessão da pensão por morte.
3.5. O Menor sob Guarda:
Para piorar, o Governo Federal, em razão do posicionamento já explicitado anteriormente, quanto à inexistência de revogação tácita do rol de beneficiários da Lei n.º 8.112/90 pela Lei n.º 9.717/98, resolveu retirar, mediante revogação expressa, o menor sob guarda da condição de beneficiário da pensão por morte do servidor federal.
Com essa revogação, a concessão do benefício para eles restou apenas dificultada, já que o STJ já firmou posicionamento no sentido de que os menores sob guarda fazem jus ao benefício, em razão do dever de proteção previdenciária imposto à família, ainda que substituta, pelo artigo 227 da Constituição Federal, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL. APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR.
1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial, em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sobre norma previdenciária de natureza específica.
2. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. A Lei 8.069/90 representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
5. Embora a lei complementar estadual previdenciária do Estado de Mato Grosso seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069/90), norma que representa a política de proteção ao menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II).
6. Havendo plano de proteção alocado em arcabouço sistêmico constitucional e, comprovada a guarda, deve ser garantido o benefício para quem dependa economicamente do instituidor.
7. Recurso ordinário provido. [8]
3.6. Da Perda do Direito:
Já com relação aos fatos que ensejam a perda do direito ao benefício de pensão por morte, andou bem o novo diploma legal ao estabelecer que a prática de crime que leve ao óbito do servidor afasta a possibilidade de recebimento dos proventos alusivos ao benefício deixado pelo servidor.
Da mesma forma tentou evitar fraudes e atos praticados apenas com o objetivo de agir com má-fé em desfavor do Regime Próprio, ao estabelecer que os casamentos e uniões estáveis celebrados com fraude, simulação ou com o único intuito de constituição do direito ao recebimento do benefício, também são causas que impedem e afastam a possibilidade de seu recebimento.
O único senão, aqui, reside no fato de que em todos os casos é preciso aguardar um decisão judicial definitiva, ou seja, transitada em julgado, para que se afaste realmente o direito ao benefício.
No primeiro caso, é até aceitável tal exigência já que a prática de crime somente se caracteriza por intermédio da decisão judicial final, já nos demais casos, seria possível estabelecer a possibilidade de sua constatação em processo administrativo, permitindo-se, com isso, que os resultados fossem obtidos de forma mais célere.
Independentemente da natureza processual, poderia ainda, a Lei estabelecer que o benefício não seria concedido durante o trâmite das apurações, criando-se, assim, uma causa de sobrestamento do pedido administrativo sem prejuízo do pagamento de todos os retroativos devidos quando não restasse demonstrada as causas excludentes do direito.
Dispositivo como esse, auxiliaria no não pagamento de benefício indevido e exigiria do Poder Judiciário ou da própria Administração uma maior celeridade na apuração dos fatos.
É bem verdade que uma vez comprovada a ocorrência de qualquer das hipóteses de perda do direito previstas em Lei, a União estará legitimada a pleitear o ressarcimento das parcelas recebidas, pois estará caraterizado o recebimento indevido, ante a evidente má-fé na sua concessão.
Mas ainda assim será necessária a instauração de processo onde seja garantido o contraditório e a ampla defesa àquele que será alijado das parcelas mensais.
3.7. A Carência e o Tempo Mínimo de Casamento:
Um outro aspecto polêmico das modificações ocorridas no Regime Próprio federal, em razão da Lei n.º 13.135/15, consiste na exigência de cumprimento de carência e tempo mínimo de casamento para a obtenção do benefício.
A carência é instituto afeto ao Regime Geral e consiste em um número mínimo de contribuições com o qual o segurado deve contar, independentemente do cumprimento dos requisitos, para que possa fazer jus ao benefício.
Na redação da Medida Provisória a carência consistia em exigência para que fosse concedida a pensão por morte a todos os dependentes do servidor falecido, com a sua conversão em Lei a necessidade de sua observância limitou-se apenas ao cônjuge e companheiro.
Sendo utilizada, ainda, apenas para definir que o benefício será pago por 4 (quatro) meses, quando servidor não contar com pelo menos 18 (dezoito) contribuições mensais, em quaisquer dos Regimes Previdenciários básicos, no momento de seu óbito.
Nos casos em que o falecido tenha vertido o número mínimo de contribuições exigido, o benefício será devido pelos prazos fixados na letra b do inciso VII do artigo 222 da Lei n.º 8.112/90.
Mesmo que o não cumprimento da carência não seja um óbice ao recebimento do benefício, mas sim um fato ensejador da redução do prazo de pagamento da pensão por morte, não se pode ignorar que sua exigência, em sede de Regime Próprio, contraria a Constituição Federal.
Isso porque, diferentemente do Regime Geral, na Previdência do Servidor o princípio da solidariedade consta expressamente do caput do artigo 40 do Texto Magno, tendo sido ali introduzido com o fim específico de assegurar o dever de contribuição para o sustento de todo o sistema e não somente dos benefícios que podem ser recebidos pelo contribuinte ou por seus dependentes.
Então, sua inserção evidenciou que as contribuições pagas pelo servidor destinam-se a custear todos os benefícios pagos pelo respectivo Regime Próprio aos segurados e não somente àqueles a que fizer jus o agente público que efetuou o recolhimento individual.
Tendo, inclusive, sido um dos principais fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.105 para o reconhecimento da constitucionalidade parcial das contribuições previdenciárias exigidas dos aposentados e pensionistas.
Dessa forma, independentemente da finalidade para a qual a carência foi instituída no Regime Próprio federal, encontra-se ela revestida de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da solidariedade.
E para piorar, não basta ao cônjuge ou companheiro demonstrar o cumprimento da carência, é preciso ainda que o casamento ou a união estável tenham sido contraídos a pelo menos 2 (dois) anos.
Ou seja, para que o pagamento da pensão por morte não dure, nesse caso, apenas 4 (quatro) meses é necessário o cumprimento da carência e que seja observado o tempo mínimo de casamento ou união estável.
E nesse ponto, a Lei também contraria a Carta Magna, já que essa impõe o exercício de direitos e deveres, no âmbito da família, ao homem e a mulher, os quais foram regulados pelo Código Civil, onde se fixou, como um deles, o dever de auxílio mútuo.
Esse auxílio mútuo abarca os benefícios previdenciários, já que decorrem do pagamento de contribuições feito com o único intento de assegurar o direito do segurado e de seus dependentes à manutenção do sustento durante os momentos definidos em Lei como de contingências sociais.
Portanto, ao exigir lapso temporal mínimo de casamento para a concessão do benefício, a Lei reduz a eficácia da norma constitucional regulamentada pelo Código Civil, o que a torna contrária ao Texto Magno.
Além de criar uma situação inusitada, consistente em limitar ficticiamente a capacidade do cônjuge ou companheiro supérstite.
Imagine-se, por exemplo, um servidor que ao falecer tinha um patrimônio de 1 (um) milhão de reais e sua única dependente era a esposa que conta com 45 (quarenta e cinco) anos de idade e com quem casara-se a 20 (vinte) meses, estaria ela habilitada a receber todo o seu patrimônio mas não teria condições para receber pensão por morte vitalícia.
Verdadeiro absurdo jurídico.
Não se podendo perder de vista, o fato de que a exigência de carência e de tempo mínimo de casamento é excluída quando o óbito do servidor decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, mantendo-se apenas os lapsos temporais de duração do benefício.
4. Conclusão:
Enfim, as modificações promovidas pela Lei n.º 13.135/15, com destaque para as aqui debatidas, promoveram discussões tanto no Regime Geral quanto nos Regimes Próprios que somente pela intervenção do Poder Judiciário poderão ser sanadas ao longo de sua vigência.
Notas:
1 - MORAES, Alexandre de. DIREITO CONSTITUCIONAL. 27ª edição, editora Atlas, página 325.
2 - MACHADO, Costa. CONSTITUIÇÃO FEDERAL INTERPRETADA ARTIGO POR ARTIGO , PARÁGRAFO POR PARÁGRAFO. 3ª edição, editora Manole, página 186.
3 - Acórdão n.º 375/15 – TCU - 1ª Câmara.
4 - BRIGUET, Magadar Rosália Costa, JÚNIOR, Miguel Hovarth e VICTORINO, Maria Cristina Lopes. PREVIDÊNCIA SOCIAL – ASPECTOS PRÁTICOS E DOUTRINÁRIOS DOS REGIMES JURÍDICOS PRÓPRIOS. Editora Atlas, página 212.
5 - MS 31770, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 04/11/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-228 DIVULG 19-11-2014 PUBLIC 20-11-2014.
6 - NOTA EXPLICATIVA Nº 04/2015/CGNAL/DRPSP/SPPS/MPS.
7 - TRF 1. AC 0020195-45.2008.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO DE ASSIS BETTI, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CLEBERSON JOSÉ ROCHA (CONV.), SEGUNDA TURMA, e-DJF1 p.307 de 18/08/2014
8 - RMS 36.034/MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 15/04/2014