Às favas

Às favas

FERNANDO HORTA      

27/01/2018        
O Jornal de todos Brasis

 

A democracia não é forma mais barata de se organizar um governo. Basta uma simples passada nos legislativos municipais para ser ver o custo perdulário de dezenas de vereadores e seus gabinetes recheados, sabendo-se que a maior parte de suas “contribuições” para as cidades são a alteração de nomes de ruas, homenagens às elites locais e acertos estranhos sobre mudanças nos planos diretores que, certamente, rendem bons dividendos aos políticos e empresários. O mesmo padrão se vê repetido nas esferas estaduais e na federal.

A democracia também não é a forma mais rápida e efetiva de se organizar um governo. Isto pode ser visto desde as guerras entre Atenas e Esparta, na Antiguidade, até nas críticas que os juristas do nazismo faziam sobre os sistemas deliberativos. O Brasil foi governado anos a fio, nas décadas de 80 e 90, com o orçamento da União sendo votado no final do ano ou mesmo no ano seguinte à sua execução. E não se tinha isto como grave problema tal qual foram tomadas as famigeradas “pedaladas”. Eduardo Cunha travou o legislativo brasileiro, amarrando Dilma Rousseff e propiciando o golpe. No que foi bastante ajudado pelo STF, que tinha já seu pedido (questionável) de afastamento mais de um antes da ordem exarada. A “celeridade” dos 3 de Porto Alegre ou dos representantes do PSDB na suprema corte para barrar Lula parece ser especialmente designada aos “Silva” e não a outros e mais pomposos sobrenomes.

A democracia também não é a forma mais racional de se organizar um governo. Veja-se, por exemplo, que os três de Porto Alegre recebem seus salários (acima do teto) do erário público para repetir a mesma ladainha vulgar e mal consubstanciada que Moro e Dallagnol contaram. Eu inclusive pensei que o TRF4 iria apresentar o “Power point” do procurador dono de casas do “Minha casa, Minha vida” durante seus votos. Minha dúvida era se apresentariam com tamanho orgulho intelectual como o mentor original tinha feito. No fim, o dinheiro do contribuinte foi jogado fora, pois as argumentações dos 3 de Porto Alegre são ainda mais pobres que a de Moro. Assim pergunta-se se Vossas Majestades não se sentem minimamente acabrunhadas de usar o dinheiro que falta nos hospitais e na educação para dizer que “Quem responde por crime tem que ter participado dele. E, para ter participado, alguma coisa errada fez”. A frase é da Majestade Victor Laus (sois rei, sois rei, sois rei!), mas se fosse escrita como um exercício de lógica básica não seria aceita nem por bons alunos do ensino médio.

Se gostamos da democracia é, certamente, por outros motivos, copiando a frase de um grande amigo. Os motivos da democracia ser o pior sistema de governo fora todos os outros (conforme Churchill) é que ela possibilita uma maior responsividade entre quem exerce o poder de fato e os cidadãos (de quem emana o poder de fato) e evita a violência no momento das trocas de comando. Seguindo-se regras claras, respeitando os direitos de todos minimiza-se a violência gerada pelas diferenças de opinião, valores, práticas e etc. Isto não é novo, são anos de pesquisa das ciências humanas descrevendo e calculando todos estes índices.

Ocorre que no atual ESTADO DEMOCRÁTICO DA DIREITA que o Brasil vive nenhuma destas duas vantagens está sendo efetivamente colocada em prática. O impeachment destruiu qualquer laço de responsividade, com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, eleito em 2014 com pouco mais de 53 mil votos, a dizer que a Câmara não precisa ouvir o povo e do auto da sua bizarrice intelectual indo dizer no exterior que programas sociais “escravizavam as pessoas”. Não precisa que digamos que as viagens, os ternos, a casa, a gasolina e a comida que entram no modo de vida “livre” do nobre deputado são pagos pelo povo. O mesmo povo que ele defende deva passar fome. As reformas do vice-semi-presidente são rechaçadas por mais de 70% da população, mas ainda assim, depois de sofrer intervenções médicas em seu sistema excretor, nosso notável interventor (que disse no ano passado que estava viajando para a “República Socialista Soviética da Rússia”) vai ao Fórum de Davos afirmar que a população brasileira apoia as reformas.

Se esta é a “modernidade líquida” de Zygmunt Bauman, então certamente ela é feita de cachaça, vodka e saquê tudo misturado, e seria de bom tom que os nossos atuais governantes não ficassem bêbados a falarem bobagens sozinhos e distribuíssem o líquido entre a população. Talvez, embriagados, nós pudéssemos acreditar na história da condenação de Lula ou no conto das “instituições funcionando” que Vossa Majestade Carmem Lúcia (sois rei, sois rei, sois rei!) canta quase diariamente pelos canais da mídia.

Se o impeachment fraudulento e comprado numa Black Friday de petrolíferas nos tosou qualquer responsividade, o teatro burlesco de péssima qualidade que nos ofereceu a República de Curitiba (até com camisetas da “liga da justiça”) e dos 3 de Porto Alegre enterraram o “Devido processo legal” no Brasil. Eu inclusive vou usar o termo em inglês, como faz um ministro do STF quando quer mostrar brilhantismo e academicismo que não tem, e dizer que eles enterraram o “Due process of law”. Minha esperança é que dito assim, em inglês, possa captar a atenção e o repúdio de suas majestades vitalícias no STF, de forma mais chocante que a mesma expressão no português sujo. Afinal, macular o “the rule of law” me parece bem mais preocupante do que enterrar viva a constituição de 1988, com pás de cinismo diariamente.

Se não temos mais a responsividade, e nem o devido processo legal para que serve a democracia? Se não temos mais um processo eleitoral respeitado por todos e nossas escolhas estão sujeitas a serem suprimidas antes do pleito (como Lula) ou mesmo depois dele (como Dilma), nem o custo da eleição vale à pena. Então façam uma reunião aí entre os bilionários, os donos da Globo, um representante dos corruptos do pmdb, dos cripto-corruptos do psdb e fiquem lá trancados até sair uma fumaça verde e amarela da chaminé, quando todos gritaremos “habemus presidentum”. E invistam este valor em Educação. Ao menos teríamos a esperança (que falta hoje) de um futuro melhor.

Não se iludam, o Estado Brasileiro acabou e os primeiros a destruírem as instituições foram a direta. Mas enquanto eles estilhaçam a Constituição, as leis trabalhistas, o “the rule of law”, o “due process of law” com o seu dinheiro, eles dizem que quebrar vidraças e atear fogo é vandalismo. É a mesma lógica de condenar o Silva sem provas e salvar o Neves e o Temer com malas de dinheiro filmadas. Afinal, seguindo nossas raízes aristocratas “Cabrito bom não berra!”.

Robespierre, em um discurso célebre em 1792, disse sobre a situação brasileira atual:

“E ousamos falar de República! Invocamos formas porque não temos princípios; gabamo-nos de delicadeza porque nos falta energia; exibimos uma falsa humanidade porque o sentimento de humanidade verdadeiro nos é estranho; reverenciamos a sombra de um rei porque não sabemos respeitar o povo; somos ternos com os opressores porque somos sem entranhas para com os oprimidos”

E ele não podia estar mais correto.

 

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